Vitor Evangelista
Dividido entre a Competição Novos Diretores e a Mostra Brasil, o documentário Transversais é um dos filmes imperdíveis da frutífera seleção da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Coletando depoimentos e a vivência de 5 pessoas residentes do Ceará que tem contato com as vivências trans, a produção escrita e dirigida por Émerson Maranhão dá protagonismo à comunidade que é constantemente ignorada pela Arte.
É claro que, em anos recentes, houve uma crescente no nível de produções protagonizadas por pessoas trans, mas essa movimentação ainda não se mostra o bastante para que esses indivíduos se sintam vistos, ouvidos, representados. Quem diz isso é Lara, menina trans filha de Mara Beatriz, mulher cis que viu seu mundo se transformar quando a garota começou a transição.
Única pessoa cisgênero entrevistada em Transversais, a identidade protetora de Mara é uma asa de acolhimento para a filha para com o mundo e com quem assiste aos quase noventa minutos do documentário. Sem expor a adolescente, Maranhão primeiro nos aclima na situação familiar de Lara, mostrando pelas palavras da mãe a maneira como sua identidade de gênero se reflete na dinâmica da casa. Mais tarde, o diretor convida para falar o pai, que mantém essa rede de proteção, denotando o papel dos indivíduo cis na luta por diretos da comunidade.
Comunidade essa muito bem representada pelos 4 entrevistados que compõe, junto de Mara, o quinteto fantástico de Transversais. Samilla Marques é funcionária pública, Erikah Alcântara é professora, Caio José é enfermeiro e Kaio Lemos é antropólogo. Essas pessoas, todas trans, sentam-se frente às lentes de Juno Braga e Linga Acácio e abrem o coração, detalhando o processo de autodescobrimento, relações familiares, amorosas, de trabalho. Tudo o que faz delas o que são.
Transversais, no exercício de dar voz à letra T da comunidade LGBTQIA+, mostra esses indivíduos na íntegra: pessoas comuns, que acordam cedo, vão trabalhar, almoçam, tomam banho e andam de bicicleta. As brechas que recheiam o roteiro, construído inteiramente por cima da fala dos entrevistados, são questões de militância, de revolta e da luta por direitos.
Mas, a riqueza mora nas particularidades de cada história. Seja por um episódio de expulsão escolar sofrido por Lara, seja na relação de uma das entrevistadas com o falecimento da mãe, o filme se aprofunda em lágrimas carregadas e em olhares implícitos. Sem a necessidade de fazer quem assiste chorar pelo espetáculo da tristeza que estampa capas de jornais, Transversais se dá bem por, finalmente na mídia e na Arte, tratar pessoas trans como pessoas, sem estereótipos, estigmas ou qualquer tipo de narrativa fabricada.
É fato que se o filme estendesse sua duração e explorasse com maior profundidade as rotinas de cada um dos entrevistados, o resultado seria ainda mais positivo. Mas, considerando o plano geral da Cultura no Brasil e o tratamento que as pessoas trans recebem, a mera existência de Transversais, que engatinha a inserção desses indivíduos nas telonas, já é um presente e uma dádiva.