Vitória Lopes Gomez
“A vida é uma aventura maravilhosa e deve-se explorar todos as suas reviravoltas”. Mente e a mão por trás de um dos cartuns mais famosos do mundo, Tove Jansson se considerava uma “artista falida”. Na cinebiografia Tove, produção finlandesa exibida na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, a diretora Zaida Bergroth ilumina os caminhos da escritora, pintora e ilustradora sueco-finlandesa até a criação de seus mundialmente conhecidos Moomins, que a tornaram referência mundial e um tesouro cultural do país.
O recorte temporal escolhido é o de meados da década de 40, anos antes da artista fazer seu nome. Lutando para se sustentar, uma sonhadora e perdida Tove (Alma Poysti) procura sua vocação artística e deseja se desvencilhar da influência de sua família, principalmente a de seu pai Viktor Jansson, um prestigiado escultor que tenta moldar a carreira da filha. Se definindo como artista visual, ela constantemente procura seu lugar no mundo das artes, mas sua paixão claramente são seus personagens fictícios e autorais, que não consegue deixar de rabiscar no papel. O pai esnoba, lembra que “isso não é arte” e que ela nunca conseguirá sobreviver dos desenhos. Assim, ela dedica sua energia à pintura.
Ao invés de detalhar o processo de criação ou o sucesso dos Moomins de Tove Jansson, a diretora prefere desvendar os caminhos que a levaram até lá. No pós-guerra europeu, mais especificamente em Helsinque, os ânimos artísticos estavam à flor da pele e, entre festas na companhia de outros artistas e intelectuais e ligeiras discussões sobre classe e Arte, a caracterização e ambientação pinta o panorama da época. Tempo, local e principalmente companhia em foco, o atencioso roteiro de Eeva Putro explora os aspectos pessoais da jornada da artista, os quais a atriz Alma Poysti encarna de forma encantadora, transparecendo o profundo e complexo leque de emoções de Tove.
Dançando seus caminhos até a descoberta de sua identidade artística, a protagonista, mais do que tudo – além de criar, pintar ou desenhar – ama. Tove reconhece o peso das relações românticas e fraternais na vida de sua musa e entrelaça o pessoal e o profissional. Afinal, o universo dos Moomins, a obra máxima e mais conhecida da ilustradora, se inspirou nas pessoas reais com quem convivia e na conexão que mantinha com elas. Mesmo que em uma narrativa dramatizada, o filme se mantém fiel aos relacionamentos e ao papel que estes desempenharam na vida de Jansson.
Com uma câmera texturizada e sensorial, que nos insere nos ambientes e nos envolve no ritmo de Tove, mérito da fotografia de Linda Wassberg e da montagem de Samu Heikkila, a biografia se debruça, principalmente, sobre os grandes amores que inspiraram e moveram a protagonista. O primeiro, o dedicado filósofo Atos Wirtanen (Shanti Roney), com quem Tove se relacionou quando ele vivia um casamento aberto e, depois, noivou, ofereceu sua primeira oportunidade como ilustradora, em uma época em que ela ainda se agarrava à esperança da pintura. Depois, a inebriante e sedutora Vivica Bandler (Krista Kosonen), uma “aristocrata que brincava de diretora de teatro” e por quem a artista nutria uma paixão arrebatadora, mas nunca correspondida, a incentivou a investir nos iniciais rabiscos dos seus personagens.
O sucesso de Tove Jansson com o mundialmente prestigiado universo dos Moomins só vem nos minutos finais, assim como a aparição de sua grande companheira de vida, Tuulikki Pietilä (Joanna Haartti), com quem ela passou o resto de seus dias. Ao invés de repetir o que já era conhecido da história da pintora, escritora e ilustradora, o filme direciona o olhar aos anos formativos da artista e foca não em seu destino, mas em sua jornada. Com um retrato do mundo interior e do espírito livre, artístico, boêmio e passional da artista, Tove mostra que o legado de sua musa não se limita às criações as quais ela se dedicou, mas o contrário: suas obras existem justamente por causa da vida que ela viveu – e, principalmente, por todas as suas reviravoltas.