Ma Ferreira
Em 1953, os Emory se mudam da Carolina do Norte para um bairro em Los Angeles. A mudança que prometia ser uma renovação na vida da família, logo se torna um grande e aterrorizante pesadelo. Cercados por uma vizinhança extremamente violenta e racista, eles não conseguem paz nem dentro de seu próprio lar, uma vez que este é amaldiçoado por um demônio que pretende enlouquecer seus moradores.
Desde a estreia, Them tem sido alvo de críticas controversas e bem polêmicas. A atmosfera inicial da série é bem semelhante às produções do diretor Jordan Peele, particularmente o suspense e terror racial, muito parecido com a construção de Nós. Entretanto, no segundo capítulo, já podemos perceber que as agressões psicológicas e físicas sofridas pelas personagens são bem menos sutis e horrorosamente intensas.
Eles, como ficou a tradução do nome da série, não deve ser assistida por qualquer pessoa. Há avisos nos episódios mais gráficos e de maior atrocidade, pois as cenas são grandes facilitadores de gatilhos nos espectadores. Cada um dos capítulos conta com material extra no site da série com comentários dos diretores e roteiristas, mas que na maior parte das vezes não justifica as hostilidades apresentadas.
A série, escrita e produzida por Little Marvin, pretende ser uma antologia de terror semelhante a American Horror Story. Em sua primeira temporada, ela conta a história da família Emory, que após um terrível acontecimento, sai da Carolina do Norte e é seduzida a morar em Compton. O período ainda é assolado pelas Leis Jim Crow que estão em seu fim, mas estão constantes nas vivências dos protagonistas. Racismo, violência física, abuso psicológico e sexual estão presentes em todos os episódios da série.
Henry Emory (Ashley Thomas) é um engenheiro atormentado por lembranças da guerra, a culpa pela morte de seu filho, os assédios que sofre na empresa e pela materialização da figura do Jim Crow. Lucky, sua esposa, carrega consigo os traumas de um abuso e o assassinato de seu caçula e é torturada por seus vizinhos preconceituosos. Os demônios tentam de todas as formas fazer com que eles se configurem na imagem que os racistas possuem deles (’a mulher louca’ e ‘o homem violento’).
Ruby, Shahadi Wright Joseph, é a filha mais velha do casal. Ela é uma jovem inteligente que sofre com a falta de diálogo materno, pressões com os padrões de beleza, a paixão por sua colega e a não aceitação de sua cor. Gracy, Melody Hurd, é a filha mais nova. Ela é atormentada, machucada física e psicologicamente pela figura da Srta. Vera, uma professora de um livro de ficção que a garota gosta e que é materializada pelo demônio que os persegue. A família não entende, mas é assombrada por uma entidade, o Homem do Chapéu Preto, que os aterroriza por meio de seus maiores medos e desejos.
A narrativa acompanha e conta dez dias vivenciados pela família desde a sua chegada no Compton até o enfrentamento da força sobrenatural. Destaca-se o episódio 5, Exigência 1, no qual descobrimos qual a tragédia sofrida pelos Emory. As cenas apresentadas são de extrema crueldade e não se justificam ao longo da narrativa, bem como outras atrocidades sofridas pelas personagens ao longo da trama. É necessário pensar sobre essas cenas e como elas colaboram ou não para que haja empatia e conscientização dos telespectadores acerca do racismo.
É um thriller psicológico que vale a pena, mas que pesa em cenas de pessoas negras sendo torturadas e violentadas. Fala de um tema necessário, trazendo várias nuances que o abarcam como o mercado imobiliário, a influência da religiosidade, sexualidade e outras questões sociais que se fazem presentes na personagem da vizinha Betty (como o relacionamento paterno e seu sequestro).
O sobrenatural é apresentado em segundo plano e nas partes finais da produção e está ligado a um acontecimento de intolerância racial, tendo um episódio só para o seu entendimento. Them seria uma ótima série, analisando-se somente o quesito das atuações e sua apresentação estética, mas deve ser vista de maneira crítica quanto ao seu roteiro, como as selvagerias que são apresentadas.
A violência da série é o grande ponto polêmico e que deve se ter cuidado ao assistir. Primeiro, essas cenas não são sutis como as apresentadas em obras como Corra! de Jordan Peele. A agressão às pessoas negras não deve ser vista como entretenimento. Elas são extremamente gráficas e na maior parte de forma gratuitas, ficando o questionamento sobre qual mensagem real estas cenas querem passar? A quem querem chocar? E se conseguem seu objetivo ao usar o ódio desta forma?
Segundo, a produção tem uma maioria de pessoas brancas em seu trabalho de roteiro e direção, o que faz repensar se houve realmente um cuidado com a abordagem das cenas. Mesmo a equipe de atores principais sendo assistida psicologicamente, algumas escolhas de situações que as personagens passaram poderiam ter sido amenizadas ou apenas sugeridas e outras nem eram realmente necessárias ao desenvolvimento narrativo.
Existem várias formas de chocar, causar empatia, reflexão e conscientização e diversas obras audiovisuais conseguem fazer com maestria. O grande questionamento de qualquer obra deste tipo é pensar no que ela entrega, o que os idealizadores querem que o público pense. Them seria uma excelente série se soubesse usar o extremo de forma contida, sugestiva e focar naquilo que ela não quer que se propague, o racismo.
Acredito que se faça necessário esse peso nas cenas de violência, justamente para que pessoas não pretas possam compreender a dor que é vivenciar o racismo. Talvez, com tamanha brutalidade pessoas brancas ou cujo não entendam o racismo, possam ter ou desenvolver algum tipo empatia, ao se deparar com uma representação do que é isso para as pessoas vítimas deste mal.
O problema das cenas pesadas é que elas podem se tornar muito mais uma espetacularização da dor do que, de fato, uma relação de empatia. Existem pessoas que se regozijam com cenas de sofrimento e tortura, ainda mais se considerarmos o racismo como uma forma de ver pessoas negras como inferiores. Além disso, existe a problemática do gatilho: eu não indico e nem assistiria essa série, pois sou convicta de que não conseguiria acompanhar.