Angelus Simões
Quando se fala em The Witcher, é quase impossível, se você for um fã, não pensar na figura lacônica e de cabelos prateados que é Geralt de Rívia. No entanto, o personagem icônico que se tornou símbolo tanto dos jogos quanto da série live action, quase não aparece na animação produzida pela Netflix, em parceria com o estúdio sul-coreano Studio Mir, sob a direção de Kwang Il Han. Ao invés disso, o longa The Witcher: Lenda do Lobo acompanha a trajetória de Vesemir (Theo James), conhecido por ser mentor e figura paterna do tão conhecido Geralt.
Lançado com o nome original de The Witcher: Nightmare of the Wolf, em agosto de 2021, o filme quebra o estereótipo geral dos spin-offs de trazer um protagonista conhecido enfrentando um grande inimigo, que no fim das contas é irrelevante para a trama principal. The Witcher: Lenda do Lobo surpreende ao abordar uma história importante para a construção do universo fantástico a que pertence. No entanto, é importante ressaltar que o anime não perde muito tempo com explicações, sendo necessário um certo conhecimento prévio sobre o mundo de The Witcher.
A animação, logo de início, esfrega na cara dos espectadores uma violência gráfica e visceral, característica marcante do estúdio sul-coreano, como já visto em outras de suas produções como: Dota: Dragon’s Blood e Mortal Kombat Legends: Scorpion’s Revenge. Quando introduzido o protagonista, Vesemir é retratado como um jovem irônico e arrogante, fazendo piadas e um monólogo no meio de uma batalha mortal com um monstro, lembrando personagens como Deadpool e Homem-Aranha o que nos faz simpatizar com ele logo de cara.
Sem as mesmas amarras que prendem a série live action, a animação pode explorar mais livremente a magia presente no universo ficcional, trazendo cenas de ação mais belas e dinâmicas. Somando isso à brutalidade explicita presente em todo o longa, o filme é um prato cheio aos entusiastas de ação sem censura.
O roteiro de Beau DeMayo, no entanto, não lança nenhuma fórmula inovadora em seu enredo. Para falar a verdade, segue os mesmos moldes já vistos na série estrelada por Henry Cavill, um protagonista preocupado apenas em caçar e fazer dinheiro, que gradualmente transforma seus objetivos em razão do amor. Ainda assim, muito se engana quem acredita que a obra não passa de carnificina, pirotecnias mágicas e romance.
Conforme a trama vai se construindo, o filme vai revelando sua verdadeira face, tratando-se na verdade de uma história sobre medo e preconceito. Na medida que a animação se aproxima de seu clímax, vão ficando mais visíveis as antipatias que cada um tem pelas diferentes raças e seres daquele mundo. Isso se revela inclusive na história humana do universo de The Witcher, na qual é retratada a existência de uma guerra de extermínio entre elfos e humanos, que deixou os não-humanos desorganizados, marginalizados e gravemente reduzidos em sua população.
Quando, devido a um conflito em uma taverna, Vesemir se vê obrigado a trabalhar com a maga Tetra Gilcrest (Lara Pulver), uma grande opositora da existência dos bruxos, fica no ar aquela esperança de que a convivência entre o dois gere algum tipo de laço que os faça esquecer suas diferenças, mas isso não acontece. Ao invés, há uma constante troca de farpas entre ambos, até que encontrem a criatura que estão procurando e tenham que se ajudar para enfrentá-la.
Com uma animação excelente e uma história bem construída, é de se esperar que o novo anime da Netflix entregue um trabalho de qualidade em outros aspectos técnicos. E isso se confirma também no que se refere à trilha sonora. O longa é regado com músicas em um estilo meio folk, com presença marcante de violinos e violões. Embora algumas críticas apontem uma insuficiência na quantidade das melodias, essa falha é compensada na qualidade, com uma composição que acompanha bem o clima da cena que participa, mas que mantém uma tonalidade meio melancólica e dramática.
O filme, além de entregar um enredo envolvente com personagens carismáticos e interessantes, também serve bem ao seu propósito, o de explicar um pouco do mundo visto no live action. Os conflitos trazidos em The Witcher: Lenda do Lobo, explicam não só a situação geopolítica da série em carne e osso como também o próprio protagonista da mesma. Geralt é retratado como lacônico e austero, bem diferente de seu mentor, que é bem-humorado e hedonista, o que deixa o questionamento: a que se deve isso?
Pelo que é revelado no longa, o processo para se tornar um bruxo é exaustivo, violento e traumático, e isso por si só seria o suficiente para talvez explicar a personalidade de Geralt. No entanto, o mutante de cabelos prateados teve que passar pelo evento marcante que levou os bruxos a beirarem a extinção, o que certamente reforça o comportamento calado da personagem de Cavill, que era apenas uma criança quando viveu tudo aquilo.
O resultado é exatamente aquilo que o anime precisava ser, um filme de transição. The Witcher: Lenda do Lobo é uma animação divertida, com um bom enredo e bons personagens, que serve ao propósito para qual foi criado: preparar o terreno para a segunda temporada de The Witcher, mantendo o universo fantástico na mente de seus espectadores e amarrando algumas das pontas soltas deixadas pela série.