Vitória Silva
Não há uma fórmula perfeita para contar histórias de super-heróis. Desde que os quadrinhos passaram a ter suas narrativas adaptadas para as telas de cinema e da TV, diversas foram as tentativas de abordagem. Nas séries da DC, como Flash e Legends Of Tomorrow, vemos a presença de um tom mais leve e cômico para retratar suas histórias, enquanto as produções da Marvel optam pela seriedade e morbidez, explicitado em Jessica Jones e Demolidor. Já The Umbrella Academy, da Dark Horse, prefere não escolher radicalmente nenhum desses lados, e é a melhor coisa que ela faz.
Baseada na HQ de mesmo nome criada por Gerard Way e ilustrada por Gabriel Bá, a série obteve um sucesso considerável com sua primeira temporada. O novo ano chegou ao catálogo da Netflix em 31 de julho, com uma trama que se inicia no ponto em que havia parado anteriormente, quando os irmãos Hargreeves viajam para outro tempo e espaço. Eles acabam na Dallas dos anos 60, mas em datas diferentes. Longe das sombras de suas vidas do presente e sem muitas possibilidades para consertar aquele erro, eles se adaptam à nova realidade e reinventam suas próprias histórias.
Klaus (Robert Sheehan) e Ben (Justin H. Min) vão parar em 1960 e iniciam um culto espiritual. Em 61, Allison (Emmy Raver-Lampman) se torna uma ativista pelos direitos civis da comunidade negra. Luther (Tom Hopper) vira um lutador no ano seguinte. E em 1963, Diego (David Castañeda) acaba num manicômio e Vanya (Ellen Page) trabalha como babá em uma fazenda. Cinco (Aidan Gallagher) chega em novembro do mesmo ano e se depara, mais uma vez, com o apocalipse.
Ocupando o posto de antagonistas temos o trio de irmãos suecos, encarregados pela Comissão de restabelecer a ordem temporal. Diferente dos vilões do ano um Hazel (Cameron Britton) e Cha-Cha (Mary J. Blige), esse trio possui personalidades totalmente frias e não há nenhuma profundidade diante de suas histórias, dando mais espaço para desenvolver as relações entre os Hargreeves. Outros personagens são adicionados ao universo de The Umbrella Academy, como a misteriosa Lila (Ritu Arya), que de início parece ser apenas o par romântico de Diego, mas acaba rendendo um dos melhores arcos da série. Também retorna a Gestora interpretada por Kate Walsh, que entrega uma ótima atuação como uma vilã complexa e ambiciosa, e engana até o próprio público com suas intenções.
A família completa se reúne apenas na metade da temporada, enquanto isso podemos acompanhar o desenrolar de seus arcos pessoais de forma bem trabalhada. Os problemas paternais causados pelo rabugento Reginald Hargreeves (Colm Feore) são colocados novamente em evidência e podemos entender melhor a maneira como cada um dos irmãos lida com eles. Em meio a isso, o grupo têm que enfrentar outras questões da época, como a segregação racial, quando Allison finalmente recebe a profundidade que merecia na trama, rendendo cenas memoráveis, como a da lanchonete no episódio The Swedish Job.
O relacionamento entre os irmãos é a parte mais prazerosa de se assistir neste novo ano. Deixando de lado os conflitos pessoais da primeira temporada, suas diferentes personalidades tornam as cenas mais divertidas e engraçadas, nos diálogos de Ben e Klaus, por exemplo. Além disso, a fidelidade que possuem entre si é o que os diferencia de um simples grupo de super-heróis para uma verdadeira família, capaz de cometer sacrifícios uns pelos outros.
Mais uma vez, The Umbrella Academy tem a música como sua maior aliada, contando com uma trilha sonora impecável que une sucessos de Frank Sinatra, Billie Eilish e Backstreet Boys. As diferentes sonoridades, muitas delas remetendo aos anos 60, casam perfeitamente com cada uma das cenas, especialmente as de ação, encontrando um ritmo em sua execução diferente do que estamos acostumados.
Todo o desenvolvimento da temporada anterior se vê agora como necessário, isso para não serem trabalhados conceitos antigos, como os problemas e o histórico do Cinco com a Comissão e o descontrole de Vanya sobre seus poderes. O ritmo lento e melancólico do ano um é substituído por uma trama mais dinâmica com múltiplos acontecimentos (e repleta de referências), mas sem perder a sua linha narrativa. Mantendo-se coerente ao não se preocupar em criar um ideal de personagens heroicos, e sim uma família desajustada que, de vez em quando, se reúne para salvar o mundo, precisando antes salvar a si mesma.
A produção realiza um balanço entre o drama e a comédia, entregando uma narrativa extremamente divertida mas com momentos de tensão e cenas reconfortantes. O encerramento do último episódio deixa um ótimo gancho, que dá abertura para diversas possibilidades e nos faz desejar ainda mais sua renovação. De fato, não há uma fórmula perfeita para contar histórias de super-heróis, mas The Umbrella Academy encontrou seu jeito e o executa de forma esplendorosa.