Não tem nada de errado em ser um dos The Other Two

Cena da série The Other Two. Nela, observa-se os personagens Cary, de cabelo preto liso e camisa marrom com uma jaqueta marrom clara, e Brooke, uma mulher branca com cabelos louros e que usa uma camisa roxa com uma jaqueta preta por cima. Eles estão olhando para frente com as sobrancelhas franzidas.
O astro é o irmão mais novo; os outros dois são apenas normais (Foto: Max)

Guilherme Machado Leal

No Emmy, as séries de comédia são um universo à parte: todo ano, as categorias que prestigiam as melhores obras de 30 minutos são cheias de surpresas. Das sitcoms aos mockumentaries, o texto é parte fundamental dos seriados televisivos, porque é a partir deles que os roteiristas possuem o traquejo de escrever piadas e imprimir o tom que ditará o rumo do produto. É nesse contexto em que as duas indicações de The Other Two, ambas em Melhor Roteiro em Comédia pela terceira temporada, se encontram.

Criada por Chris Kelly e Sarah Schneider, a trama é uma paródia da ascensão de Justin Bieber. No universo que se passa em Nova York, o espectador conhece Chase Dubek (Case Walker), um adolescente que viralizou na internet e, rapidamente, se tornou o astro jovem mais conhecido dos Estados Unidos. Semelhante ao início do cantor canadense, o garoto vê a própria vida mudando em questão de segundos. Com isso, as trajetórias de sua mãe Pat Dubek (Molly Shannon) e seus irmãos mais velhos, Brooke (Heléne Yorke) e Cary Dubek (Drew Tarver), também adquirem um novo rumo.

Em The Other Two, o protagonismo não fica para o caçula. Na verdade, a obra televisiva escolhe focar nos ‘outros dois’, aqueles que não conseguiram transformar um limão mofado em uma limonada. Na série disponível no Max, streaming do selo HBO, o espectador vê, a cada episódio, as jornadas dos irmãos de 20 e poucos anos em meio à popularidade do inocente ChaseDreams, nome artístico do mais novo entre os personagens principais. Enquanto Brooke se torna uma espécie de relações públicas da carreira de Chase, Cary sonha em ser um ator aclamado pela crítica e público, aos moldes do icônico Joey Tribbiani (Matt LeBlanc), de Friends.

Cena da série The Other Two. Nela, observa-se os personagens Cary, de cabelo preto liso e moletom salmão com uma jaqueta preta, e Brooke, uma mulher branca com cabelos louros e que usa uma camisa cinza de crochê, além de um tapa-olhos. Eles estão dentro de um avião e estão chocados com uma notícia.
Embora não tenham chegado às categorias de atuação, as performances de Heléne Yorke e Drew Tarver são a alma de The Other Two (Foto: Max)

O terceiro ano foi aclamado pelos votantes da maior premiação da Televisão. De fato, há algo na despedida da série que a faz ser tão especial aos olhos de quem acompanha desde o começo. Seja pelo texto afiado, assinado pelos co-roteiristas Chris Kelly e Sarah Schneider, ou pelo carisma dos personagens, o fato é que a obra não tem medo de criticar assuntos que são colocados debaixo dos panos, a exemplo da Disney e a sua política anti-LGBTQIAPN+. No sétimo episódio, intitulado Brooke, and We Are Not Joking, Goes to Space, Cary é contratado para dar voz ao “primeiro personagem abertamente queer” da companhia de Walt Disney.

As opiniões a respeito da forma como a empresa atua não deixam a desejar. Ao longo dos minutos que marcam a história do episódio, The Other Two consegue atacar, sem descer do salto, as hipocrisias que definem a marca quando se trata da abordagem de personagens LGBTIQAPN+. Entre o subtexto gay em Luca e as teorias de uma princesa possivelmente lésbica (Elza, de Frozen), a comédia não poupa as ações do estúdio e avalia como o queerbaiting se molda sutilmente à estratégia de grandes ‘firmas’ em se ancorar no imaginário daqueles que sonham em se ver representados nas telonas.

Além disso, Cary & Brooke Go To an AIDS Play e Brooke Hosts A Night Of Undeniable Good, respectivamente, o quinto e oitavo episódios da temporada, são os grandes destaques do terceiro e último ano da obra televisiva. No primeiro, por exemplo, a trama se concentra em uma peça que fala sobre a aids de uma maneira humorística. No entanto, em momento algum da história, há uma piada de mau gosto. Aliás, um dos grandes acertos da comédia é saber examinar a ferida sem ferir o paciente que está sendo observado, mostrando que dá para fazer humor sem apelar para o preconceito. 

Cena da série The Other Two. Nela, observa-se a personagem Pat, uma mulher branca de cabelo preto liso e moletom salmão com uma jaqueta preta, e Brooke, uma mulher branca com cabelos castanhos claros e que veste uma camiseta amarela com estampas. Ela está confusa enquanto está em uma ligação.
Comediante veterana e um dos nomes do Saturday Night Live, tradicional programa de humor dos Estados Unidos, Molly Shannon dá espaço para os novos atores brilharem (Foto: Max)

Já o oitavo episódio se concentra no maior foco da temporada quando se trata de Brooke: fazer o bem. O percurso traçado pela personagem serve como um meio de criticar a indústria hollywoodiana e, principalmente, a forma como ela afeta as celebridades. Fingir um namoro falso, assumir uma persona que não condiz com quem é de verdade e passar por cima de todos são apenas três das atitudes que alguém que vive nesse mundo precisa lidar. É como se fosse uma escada para o sucesso. A cada fase avançada (leia-se atitude ética e moralmente questionável), você ganha um onùs e um bônus. Todavia, por ser um ambiente tóxico, fazer o bem e o mal são praticamente a mesma coisa. No ofício do entretenimento, é notado quem está jogando. E os irmãos parecem tirar isso de letra.

Assistir às três temporadas sem se apegar aos protagonistas seria impossível, pois todas as narrativas episódicas se concentram em como os irmãos mais velhos reagem às adversidades da vida. ‘Mesquinhos’ e trapaceiros, Brooke e Cary não são pessoas carismáticas. No mundo real, os dois seriam odiados por serem desonestos. Mas a atuação de Heléne Yorke e Drew Tarver são o tesouro de The Other Two e é, a partir delas, que o público chega à conclusão: todos, de alguma forma, são picaretas. Mentir, chantagear e invejar são alguns dos verbos presentes nas sentenças proferidas pela dupla principal.

Ao mesmo tempo em que fazem de tudo para chegar ao topo, os irmãos Dubek são pessoas que só querem o seu lugar ao sol. Estabilidade financeira e o reconhecimento da família e amigos são quistos por qualquer um que chega à vida adulta. Assim, com os ‘os outros dois’ não seria diferente. A trama encerra a jornada fazendo jus aos seus personagens desajustados que, embora sejam pessoas controversas, não têm medo de mostrarem ao mundo suas camadas mais questionáveis. É errando que os protagonistas acertam e, por isso, são relacionáveis com quem consome a obra. 

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