Talita Cardoso
Você também já sentiu vontade de sumir ou se esconder dentro de uma caixa? O musical confortável de assistir, The Box – No Ritmo do Coração, retrata a história de um jovem que tem um talento nato para a Música, mas não segue a carreira musical por possuir uma forte fobia de palcos, e seu encontro com um produtor musical que muda sua vida. A produção foi lançada na Coreia do Sul em 24 de março de 2021, e, recentemente, distribuída no Brasil com dublagem e legendas em português pelo Telecine, com direito a watch party com os fãs no Twitter organizada pela própria plataforma de streaming.
Dirigido e roteirizado por Yang Jeong-Woong, o filme é protagonizado por estrelas que têm rostos consideravelmente conhecidos na indústria do entretenimento coreano. Quem acompanha conteúdos do país com certeza deve conhecer Park Chanyeol – cantor, compositor, ator, modelo e integrante do grupo de k-pop EXO -, que faz o papel de Jihoon. A obra também conta com Jo Dalhwan, que interpreta Minsoo e já teve sua participação marcada em mais de quarenta longas e doramas, e mandou até um alô para o Brasil para a divulgação de The Box.
Os personagens podem parecer simples ou clichês, mas são cheios de camadas que incrementam positivamente para a construção da obra, complementando um ao outro. Jihoon, por exemplo, possui uma infância complicada, que é abordada logo ao início, fator importante para o desenvolvimento de sua fobia. Seu talento para a Música, infelizmente reprimido, é o estopim para o desenrolar de toda a trama. Ele é um personagem muito humano, o que cria uma afinidade com o telespectador. Além disso, a construção de Jihoon acaba abrindo espaço para a discussão de um tópico muito importante: como as fobias podem atrapalhar nossas vidas.
Em contrapartida, Minsoo é um extrovertido e falante produtor musical falido, que acumula dívidas até mesmo com agiotas e está desesperado para encontrar um novo artista com quem possa trabalhar e prosperar. É ele quem reconhece o talento de Jihoon quando o ouve tocar de dentro de uma cabine de estacionamento, ironicamente, um cubículo que relembra uma caixa, traçando um paralelo bem cirúrgico com o conceito do filme, se apaixonando pela voz e imaginando um futuro promissor na carreira musical do dono.
Paralelos não são o ponto principal de The Box – No Ritmo do Coração, mas o roadmovie possui alguns bem interessantes, que o público pode notar se ficar atento. Além desse entre a cabine de estacionamento e a caixa, temos vários outros sutis, como, por exemplo, Jihoon comendo de uma forma super envergonhada na companhia de Minsoo e, após vários minutos de duração, quando ele consegue se soltar mais perto do produtor, bebendo álcool e a sopa diretamente da tigela, um grande avanço do personagem.
Como o filme é um longa-metragem de apenas 1 hora e 33 minutos, a evolução dos acontecimentos acaba parecendo rápida, mas ela é coerente com o tempo de duração, então não é algo que atrapalhe a experiência. A ideia de colocar Jihoon para cantar, literalmente, dentro de uma caixa, como forma de tentar minimizar sua fobia de palcos e de encarar o público, ocorre também antes da primeira metade da narrativa, já mostrando para o público que esse será o ponto principal da trama.
Com um contrato improvisado, escrito com pincel marcador preto em uma folha branca simples, depois de um pouco de insistência, Minsoo acaba se tornando o produtor de Jihoon, e o roteiro de The Box – No Ritmo do Coração se desenrola mostrando a superação de traumas e autoconhecimento. Isso com os perrengues que passam os artistas independentes que tocam na rua ou em barzinhos para venderem o seu peixe, desde chuva até um público inconveniente ou policiais querendo os expulsar de onde estão por não ser permitido realizar um busking ali.
A coerência na evolução do protagonista deixa The Box muito realista, pois não acontece de uma hora para a outra. É interessante como os diálogos são sensatos, mostrando claramente que ninguém pode simplesmente curar traumas e medos de outra pessoa. O filme emociona e comove ao mostrar Jihoon passando por poucas e boas e tentando, diversas vezes, superar sua fobia, falhando em muitas delas. O processo de superação é gradual e o Senhor Caixa, como o público chama Jihoon, vai aos poucos se soltando.
O conceito do personagem principal ser colocado literalmente dentro de uma caixa tem uma metáfora muito válida e encantadora, que explica toda a lição da narrativa. Em uma conversa sincera, os protagonistas percebem que todas as pessoas possuem sua própria caixa, algo que as prendem, as impedem, não se limitando apenas a medos, mas muito mais do que isso, até as dívidas de Minsoo. A reflexão que nos fica é como, muitas vezes, assim como Jihoon, temos medo ou apenas não conseguimos quebrar essa caixa e encarar o mundo ao nosso redor, lembrando um pouco o mito da caverna de Platão.
O filme também entrega tudo no quesito relação entre os personagens. A amizade de Jihoon e Minsoo é cativante e cheia de química, com cenas fofas. De início, eles não conversam muito, pois Jihoon é tímido e isso condiz perfeitamente com sua construção, mas aos poucos essa questão muda. Ambos, Minsoo com suas roupas sociais e Jihoon com sua coleção de camisas xadrez, acabam trazendo conforto um para o outro e liberam sua melhor, e mais leve, versão quando estão em companhia. Essa relação evolui progressivamente, assim como outros diversos aspectos da obra.
Com uma atuação super perspicaz, os dois atores principais conectam o sentimento de seus personagens com o público. Jihoon, por exemplo, mesmo sendo inexpressivo na maior parte do tempo, consegue nos fazer entender o que sente por meio dos detalhes na atuação de Chanyeol, como quando a sua mão treme suavemente ao tocar piano em uma apresentação para um público maior pela primeira vez. A atuação de Jo Dalhwan não fica para trás, mostrando um Minsoo que parece ignorar seus próprios problemas, sempre tentando pensar positivo, mas deixando evidente nas entrelinhas que ele está abalado com todas as suas dificuldades.
Temos que ser sinceros, essa obra talvez não agrade pessoas que curtem roteiros complexos com voltas e reviravoltas, pois, como dito, ele é um filme confortável, que não possui conflitos mirabolantes. Todo o enredo gira em torno da superação do trauma de Jihoon e apenas isso, mais nada. A narrativa é simples, mas não enjoativa, já que a produção é curta e se desenvolve rápido. Vale lembrar que o musical teve um orçamento baixo se comparado a outras obras cinematográficas coreanas, mas isso não o faz perder a qualidade, ele entrega o que propõe, mas não assista esperando algo nível Parasita.
Seria impossível analisar um filme musical sem apontar aspectos relacionados à trilha sonora. Grande parte das músicas tocadas são covers gravados pelo próprio Chanyeol, criando uma proximidade ainda maior do ator com seu personagem e com o público em si. A escolha das canções é excelente, não há como tecer críticas em relação a isso, elas variam de uma versão melancólica de bad guy da Billie Eilish a uma propaganda de frango muito divertida e cômica.
Com um destaque especial, temos a música tema, Break Your Box, que é cativante e chiclete. Logo depois de a ouvir pela primeira vez, a faixa já aluga um apartamento todo na mente do ouvinte. O som gostoso de guitarra juntamente com a voz grave de Chanyeol trazem emoções para a melodia. A parte de rap é incrível, com um efeito que dá a sensação de um som abafado, proposital ou não, soa como se Jihoon estivesse cantando para o público diretamente de dentro da caixa, e isso é genial.
Com um jogo de câmeras limpo e agradável, assistir The Box é como pingar colírio nos olhos depois de um dia cheio de esforços. Muitos takes do filme são bem marcantes e belos, e é quase impossível que algum não fique gravado em sua mente. As incríveis paisagens refrescantes também ajudam muito na construção da paleta de cores e ideia da obra, desde praias até lugares com muita grama e, de alguma forma, até nas partes em que os personagens estão em áreas mais urbanas, o roadmovie consegue passar suavidade ao público.
O filme tem mudanças de ritmo sutis, ele é parado na maior parte do tempo, mas não de uma forma negativa, pois a calmaria que ele transmite condiz perfeitamente ao conceito, personalidade e o que os protagonistas estão sentindo no momento. As partes mais vivas e tocantes do musical são as que há música, nos fazendo entender Jihoon, que só se sente vivo quando está cantando, tocando ou ouvindo uma boa melodia. The Box – No Ritmo do Coração é uma obra leve e de fácil assimilação, perfeita para quem tiver um tempinho extra no dia e quiser algo rápido para se distrair e limpar a mente, que sincroniza o coração dos personagens ao dos telespectadores.
Amei a matéria, esse filme é ótimo e muito gostoso de assistir em família, recomendo muito!