Mariana Chagas
Ter a coragem de escrever abertamente sobre saúde mental e suicidio não é fácil, e era muito menos alguns anos atrás, quando Por Lugares Incríveis foi lançado. Em pleno 2015, Jennifer Niven teve a bravura de se arriscar em um romance sobre adolescentes depressivos e apaixonados. Mesmo com todas as chances de um mau recebimento do público, o livro conquistou o coração de muitos e cresceu a ponto de ser adaptado pela Netflix.
O filme, lançado em 2020, aumentou a popularidade da escritora e a sua legião de fãs, que aguardavam ansiosamente pelo seu próximo passo. As expectativas estavam altas, afinal, ninguém queria nada além de um novo best-seller de Jennifer. Quando Sem Ar foi lançado, apenas meses depois do longa-metragem dirigido por Brett Haley, a autora provou novamente sua capacidade de criar histórias lindas, tristes e românticas.
O gênero Young Adult é um dos mais queridos pelos leitores, e a prova é seus grandes nomes como A Culpa É Das Estrelas, Para Todos Os Garotos Que Já Amei, Crepúsculo e por aí vai. Decidida em deixar sua marca na literatura jovem adulta, é esse o estilo usado por Niven em suas obras. Sem Ar é constituído por tudo que em um YA não pode faltar: primeiras vezes, drama familiar, romances e, acima de tudo, autoconhecimento.
Em um livro sobre jovens, a escritora decide começar com sua protagonista em um dos períodos mais incertos e delicados da vida: o fim do Ensino Médio. Após a formatura, Claudine tem diversos planos de como e onde vai seguir com seu futuro. Nenhum deles, porém, consegue impedir as mudanças súbitas que acontecem. Enviada em uma viagem contra sua vontade, a protagonista se encontra, como ela mesmo define, sem chão.
“Podemos passar o dia todo, todos os dias, sem pensar no piso ou no chão porque simplesmente supomos que ele sempre vai estar ali. Até que ele desaparece.”
Quando seus pais decidem se separar, a garota paga o preço. A separação, apesar de ser um conjunto de papelada assinada por duas pessoas, afeta mais do que apenas o casal. Desesperada pela sua independência, Claude se vê mais dependente do que gostaria quando precisa se adaptar ao desejo do pai de se afastar de sua própria família.
As questões familiares discutidas dentro da cabeça da garota são confusas e sufocantes. A raiva do pai não apaga o amor que a garota sente por ele. Pelo contrário, é por amar tanto o homem que se torna difícil entender o motivo pelo qual ele iria querer acabar com o lar que tinham construído. A saudade e a irritação entram em uma constante batalha, que dificulta a adolescente a entender como se sente.
Agora, se por um lado o pai é visto como o vilão da história, a mãe da garota aparece como uma figura a ser salva. Em um momento de muita vulnerabilidade, a mulher que sempre cuidou de Claudine precisa, dessa vez, ser cuidada. Mesmo nova, a filha já sente o peso e também a satisfação de poder ser um porto seguro para a própria mãe.
Talvez um dos momentos mais chocantes da juventude seja exatamente aquele que passamos a enxergar nossos pais como pessoas, acima de tudo. A visão de maternidade e paternidade se mantém, mas, além delas, há um olhar de ser humano para ser humano. E é essa transição pela qual a protagonista passa, mesmo demorando para perceber.
Sua mãe teve o coração partido, assim como ela teve. Seu pai falhou com as pessoas que mais o amam, assim como ela falhou. Aos poucos, Claudine vai descobrindo que, por trás das imagens construídas, adultos são tão cheios de complexidade e traumas como qualquer adolescente. Essa consciência é assustadora, mas de alguma forma também libertadora. É quando a garota começa entender que na vida, as coisas não serão tão certas e simples quanto ela gostaria.
“Uma saudade de casa. Uma sensação de não ser amada. De estar sozinha no mundo. No planeta. No universo. E que todo mundo tem alguém, mas eu só tenho a mim mesma.”
Outra relação enfraquecida é com a sua melhor amiga. Cada uma caminhando em uma direção, a relação das garotas fica abalada. Não importa o quanto tentamos, as amizades do terceirão nem sempre são para a vida. E perceber a instabilidade no contato que temos com até mesmo nossos melhores amigos é, para se dizer o mínimo, aterrorizante. É difícil não se sentir sozinho ao pensar que, no fundo, estamos constantemente mudando de grupos ao invés de estacionarmos em apenas um.
Mas Niven surpreende ao abordar o tema com ainda mais profundidade. Em uma conversa com a mãe, Claude abre a cabeça para a possibilidade das amizades se modificarem, ao invés de apenas acabarem. Cheio de lições de moral por trás de cada detalhe, um dos ensinamentos mais reconfortantes que o livro traz é que um melhor amigo vai te amar em todas as suas antigas e novas versões. Para quem acredita em almas gêmeas, Claude e Saz parecem ser exatamente isso uma da outra.
Além do seu papel na vida de Claudine, Saz é uma personagem que ganha espaço para suas próprias particularidades. Assumidamente lésbica, a garota acrescenta questões de homofobia, aceitação e amor para dentro da narrativa. Além dela, outros momentos trazem discussões e visibilidade a respeito da comunidade LGBTQIA+. Com um público-alvo mais novo, falar abertamente sobre sexualidade é uma forma da escritora mostrar para seus jovens leitores o quão válida e linda toda forma de amor é.
Quem embarca na jornada do autoconhecimento com a jovem é Jeremiah, ou apenas Miah. Como qualquer bom romance, a história do casal começa entre provocações e discussões. Mas a birra que compartilham logo passa, e eles encontram um no outro a companhia perfeita para passar o verão em uma ilha isolada.
Jeremiah é difícil de ser compreendido. O passado complicado, os problemas domésticos e tantos segredos fazem do garoto uma caixinha de surpresas. A forma misteriosa o transforma em um personagem simultaneamente apaixonante e assustador. Depois de passar tanto tempo procurando por certezas, Miah aparece para Claude como a maior incerteza que ela poderia ter no momento.
O romance deles é uma possível metáfora para o momento que a protagonista está passando. Ele a faz refletir sobre o amor de seus pais, sobre suas amizades, sobre si mesmo. O namoro dos jovens é tão instável e cheio de imprevistos quanto as férias em que a história se passa. Se apaixonar por Jeremiah é como viver a vida ao máximo: apavorante e incrível.
A escrita da autora é sensacional. Mesmo com muita simplicidade, ela consegue adicionar profundidade em cada parágrafo. Sem cansar a leitura, as descrições de lugares estão na medida perfeita para nos levar com Claude para Georgia. Parecido com Heart Bones, de Colleen Hoover e Vem Comigo, de Karma Brown, Sem Ar também te faz sentir em uma viagem. No fim das 452 páginas, a sensação é de ter voltado de uma ilha remota, chuvosa e cheia de insetos.
A sensibilidade que Jennifer Niven usa para tratar de tópicos mais delicados é não apenas importante, mas completamente necessária. Cheio de referências a Por Lugares Incríveis, Sem Ar também aborda suicídio, luto e saúde mental. Diferente do seu primeiro livro, porém, neste não são apenas os adolescentes a enfrentar essa luta. Na própria história familiar de Claude, diversos são os casos que assombram o passado de seus parentes. É com muito cuidado que Niven narra cada acontecimento, ainda mais visando seus jovens leitores.
E no meio de tantas questões, o que Claudine mais aprende é sobre si mesma. Seus sonhos, seu coração e seu corpo são segredos que, aos poucos, a protagonista vai desvendando. Amadurecer é, entre muitas coisas, se conhecer. Acompanhar a protagonista em sua jornada resulta no encontro de diversas questões que nós, leitores, também enfrentamos. Breathless, traduzido por Alessandra Esteche, te faz mergulhar em uma narrativa de deixar sem ar.