Felipe Nunes
Afogados em um mar de reprises, o público do sofá esperava ansiosamente por uma trama inédita para chamar de sua. Pausadas desde o início da pandemia do novo coronavírus, as narrativas que integravam as noites da comunidade noveleira foram substituídas por teledramaturgias de sucesso que já haviam sido transmitidas pela Rede Globo em outros anos. Com a sensação de estar em um looping eterno de Vale a Pena Ver de Novo, os telespectadores aguardavam os desfechos de Salve-se Quem Puder e Amor de Mãe como uma criança aguarda o término de um pudim que é cozido lentamente em banho-maria.
Escrita por Daniel Ortiz, Salve-se Quem Puder é um folhetim da faixa das sete, engraçado, leve e com um enredo diferente das demais narrativas escritas pelo autor, conhecido pelas obras Passione, Alto Astral e Haja Coração. A história inicial da trama se passa em Cancún, no México. Lá, três mulheres, Kyra (Vitória Strada), Luna (Juliana Paiva) e Aléxia (Deborah Secco), presenciam, em meio a um furacão, o assassinato do Júiz Vitório (Ailton Graça) por uma quadrilha de políticos corruptos.
Pela falta de provas, a quadrilha não pôde ser presa, e, para a segurança do trio, é necessário que as jovens ganhem novas identidades e entrem no Programa de Proteção à Testemunha. Substituindo seus antigos nomes, a atrapalhada Kyra torna-se Cleide, a doce Luna agora é Fiona, enquanto a artista Aléxia vira Josimara. Dadas como mortas, elas mudam de identidade e aderem a um novo visual, morando com Zezinho (João Baldasserini) e Hermelinda (Grace Gianoukas) – família escalada para proteger as mocinhas dos bandidos. Enfrentando a saudade de suas antigas vidas e o medo de serem encontradas pela quadrilha, elas embarcam em novas aventuras, se abrindo para novos destinos, novos lugares e novos amores.
Em uma nova fase, a segunda temporada da obra, dirigida por Fred Mayrink, retornou com capítulos inéditos após a reprise de Haja Coração. Seguindo os protocolos de biossegurança, a distância e a falta de beijos e abraços foi notável em seu regresso, porém, alguns dias após a tão esperada volta, essas medidas não foram tão percebidas e comentadas pelo público, que já havia se acostumado com o formato que contava com distanciamento entre os atores e beijos em acrílico.
As incertezas perante o panorama sanitário brasileiro, o lento processo de vacinação e as novas variantes do vírus fizeram com que a emissora decidisse encurtar a novela em 48 capítulos, para que as gravações terminassem no menor período de tempo possível. A redução de capítulos e a falta de integrantes do elenco pertencentes aos grupos de risco foram grandes obstáculos no andamento da trama. Mas vale ressaltar que o encurtamento deixou o início da segunda parte muito mais dinâmico e atrativo. A pouca quantidade de cenas adiantou revelações que os noveleiros tanto esperavam e o reencontro de Luna/Fiona e Helena (Flávia Alessandra), sem dúvidas, foi a catarse mais esperada de toda a narrativa.
Separadas pela manipulação de Hugo (Leopoldo Pacheco), chefe da quadrilha de corruptos, mãe e filha ficaram distantes por 20 anos. Luna acreditava ter sido abandonada pela mãe, ao passo que Helena foi enganada por uma notícia falsa que alegava o falecimento da filha. Afastadas uma da outra, a personagem de Juliana voltou para São Paulo quando teve que fingir sua própria morte, cidade na qual sua mãe gerenciava um espaço gastronômico, e aproximou-se da personagem de Flávia Alessandra – contudo, não revelou sua verdadeira identidade.
Esse segredo deixava os nervos do público à flor da pele. A angústia de Luna afligiu o coração de todos que acompanhavam a telenovela e a revelação foi a sequência mais solicitada pelos telespectadores, que ovacionaram o momento do reencontro na capela de Nossa Senhora de Guadalupe, santa de devoção de ambas. Com uma carga dramática hiperbólica, a cena foi muito bem interpretada pelas atrizes que, em um caloroso abraço, concluíram o desfecho de um dos arcos mais relevantes na obra.
Com um menor número de capítulos, as conclusões de alguns núcleos foram efêmeras e sem a devida atenção que mereciam. A história de Micaela (Sabrina Petraglia) com Bruno (Marcos Pitombo) é um dos maiores exemplos disso. A atriz não participou ativamente das gravações em virtude de sua gravidez, mas chegou a gravar um final feliz ao lado de Pitombo. Entretanto, a tão aguardada cena não foi exibida na telenovela.
De fato, o dramaturgo precisou reajustar a obra não somente pelos atores que não poderiam atuar, como também pela redução que a trama sofreu. Todavia, mesmo com todas essas saídas, as personagens que continuaram na narrativa também não tiveram finais consistentes e bem construídos. Deixando claro que responsabilizar a saída de Sabrina com a superficialidade do desfecho de sua personagem não é uma justificativa plausível.
Concluindo as pontas soltas deixadas pela primeira temporada, o folhetim expôs, durante a reta final, a prisão dos bandidos e os encontros do trio de testemunhas com seus parentes e amigos, além, é claro, de seus antigos companheiros amorosos. Em um clima de reencontros e revelações, as únicas dúvidas mantidas até os últimos capítulos foram os casais que ficariam juntos no fim da novela, ainda que alguns fossem óbvios, como é o caso dos casais Luna/Fiona e Téo (Felipe Simas), e Aléxia/Josimara com Zézinho.
Os triângulos amorosos pareciam confetes espalhados por toda a teledramaturgia, algo muito presente em comédias românticas da Netflix, diga-se de passagem o sucesso estrondoso das sequências de Para Todos os Garotos que Já Amei e A Barraca do Beijo. Trazer o telespectador para dentro da trama e criar torcidas entre dois casais não é um recurso novo na Arte, entretanto, o que podia ser um trunfo, em Salve-se Quem Puder tornou-se uma âncora que levou a novela ao mar profundo da monotonia.
Os triângulos amorosos estavam presentes em quase todas as tramas, começando pelas protagonistas e se espalhando por outros núcleos da novela. Por vários momentos, a sensação era de que os personagens se restringiam a três funções: ser o indeciso do triângulo, ser o pretendente do triângulo, ou ser a segunda opção daquele que fosse rejeitado. A situação que mais nos despertou quanto ao excesso de indecisões amorosas presentes na trama foi quando Daniel Ortiz convidou Rodrigo Simas para interpretar Alejandro na nova leva de capítulos. Foi evidente que Alejandro foi criado para suprir a ausência de Juan (José Condessa), par romântico de Paiva antes da pausa nas gravações. O intérprete de Juan abandonou a trama para dedicar-se a outros projetos em decorrência do atraso nas filmagens, deixando um espaço vago no triângulo de Luna/Fiona que foi preenchido por Alejandro, amor de infância da protagonista.
O recurso não foi bem utilizado, já que, no meio de tantos triângulos amorosos, o único que caiu nas graças do público foi o vivenciado por Kyra/Cleide (Vitória Strada), Alan (Thiago Fragoso), seu novo amor, e Rafael (Bruno Ferrari), seu noivo antes do furacão. Gerando movimentações em todas as redes sociais, com destaque ao Twitter, a fusão dos nomes dos casais liderou os trendings topics nas cenas, fazendo com que Alyra (Alan+Kyra) e Kyrael (Kyra+Rafael) fossem os termos mais procurados na internet pela torcida dos casais. Sem contar em grande parte daqueles que não sabiam por quem torcer, afinal, a química entre os dois pares românticos foi muito bem explorada e esplendorosamente interpretada pelos atores envolvidos.
Na dúvida em saber com quem Kyra/Cleide ficaria, o grande público, críticos e redatores de sites novelescos apostaram na mocinha terminando com Alan, tendo em vista a evolução de ambos no desenrolar da trama. Para surpresa de uns, alegria de outros e tristeza de muitos, a indecisa Kyra/Cleide terminou com Rafael. O susto foi tanto que diversos fãs criaram abaixos-assinados e mutirões pela liberação dos finais alternativos. Isso porque o próprio escritor revelou que cada protagonista teria 2 finais alternativos que só seriam decididos por ele na reta final da narrativa, ou seja, um desfecho no qual a personagem de Strada termina ao lado de Alan foi gravado.
Entretanto, mesmo com tamanha adesão do público, os finais alternativos não serão divulgados. A Rede Globo informa que, em próximas reprises ou venda das novelas para outros países, esses finais podem ser um diferencial atrativo e pretende utilizar essa técnica em futuras produções. Enquanto a decisão de Kyra era tão aguardada, Aléxia casou com Zézinho (João Baldasserini) e Luna viajou para o exterior com Téo (Felipe Simas), o que não era mistério para ninguém. Principalmente no caso da personagem de Deborah, que viveu uma intensa história de amor com Zézinho durante todo o folhetim.
Com os finais traçados, a novela chegou ao fim no dia 16 de julho de 2021. Entre acertos e erros, Daniel cumpriu sua missão em trazer alegria e boas risadas ao público nesse momento tão difícil. Contudo, seu excesso de triângulos amorosos trouxe monotonia à sua obra, que contava com uma história inicial excelente. A ótima direção e a irretocável atuação do elenco auxiliou na atenuação desses aspectos negativos e acolheu os noveleiros de plantão, que, com o fim de Amor de Mãe, esperavam inquietos pelos capítulos inéditos da narrativa.
Salve-se Quem Puder trouxe leveza e companheirismo em nossas noites. Nos apresentou um trio de mulheres completamente diferentes, mas que se completavam quando estavam juntas. Nos fez torcer, rir e chorar por cada uma. Deixando saudades, a novela se despede com finais superficiais, mas que acalentam os corações em saber que todas estão felizes depois do furacão que transformou suas vidas, seus sonhos e seus sentimentos, para sempre.