Nathália Mendes
10 anos atrás, em setembro de 2011, estreava Revenge, um dos maiores sucessos que a ABC já transmitira. Nem o próprio canal tinha noção de que a novela de vingança de sua querida Emily Thorne (Emily VanCamp), vulgo Amanda Clarke, teria a audiência de dez milhões de espectadores logo na primeira temporada. Sua história, de fato, possui um apelo popular viciante e prazeroso. Enquanto a protagonista e seu companheiro Nolan Ross (Gabriel Mann) arquitetavam a ruína dos responsáveis por destruir seu pai, estávamos em volta da TV por 4 temporadas para saborear o gostinho de destruição que a poderosa, e podre de rica, família Grayson merecia.
O dramalhão que Mike Kelley criou em sua série tinha tudo e mais um pouco: reviravoltas mexicanas, mocinhos e vilões, traição, briga, festas chiquérrimas, planos infalíveis, a Madeleine Stowe como rainha dos ricos, e uma trama meia boca inegavelmente viciante. Seu pouco aprofundamento garantia a raiva e o entretenimento que precisavam, pois mais importante que isso era resgatar a dúbia justiça do clássico O Conde de Monte Cristo. A história de Amanda Clarke contra os ricos de Hamptons se assemelhava a um bolo de aniversário cujos acontecimentos – completamente improváveis – eram as saborosas camadas de chantilly, e, o guilty pleasure, a cereja no topo.
A trama de Revenge é um tanto quanto improvável: Amanda era uma criança quando seu pai, David Clarke (James Tupper), foi preso, um terrorista culpado pela queda de um avião que matou quase 300 pessoas. Antes de morrer na cadeia, David deixa uma herança bilionária na empresa de tecnologia de Nolan para ela, além de uma caixa em que conta os segredos de sua história – incluindo cada pessoa que participou da armação contra ele. Encabeçando-a está a família Grayson, cuja matriarca Victoria (a própria e brilhante Madeleine Stowe) era o amor de David, e a lembrança fervorosa para Amanda da mulher que traiu seu pai.
Buscando vingança, destruição e caos, a protagonista se torna Emily ao trocar de identidade durante o reformatório, e assim traça seu caminho até a mansão mais cara do bairro mais caro de Nova York para pegar Victoria onde dói mais: o coração do filho Daniel (Josh Bowman). Entre arapucas, segredos, sorrisos falsos e irresistíveis para o jovem Grayson, observamos o império desabar da varanda da casa Clarke. Se entranhando no meio dos poderosos, a série disseca muito bem o desenvolvimento dela frente a um buraco sem fundo de crimes que chegam até a surpreendê-la.
As bases de Revenge não se ancoram em personagens maus demais, na verdade, as mortes dramáticas e avassaladoras, ou as pequenas cenas de pancadaria, são simplistas e não mostram a violência de que quem manda é capaz. Mas não há como negar que a série sempre conseguiu ilustrar a sujeira que os endinheirados escondem debaixo do tapete. Amanda quer justamente revelá-la, e através de suas nítidas razões, Kelley pergunta aos espectadores se compreendem a linha tênue entre justiça e vingança. Afinal, todos sentimos prazer em ver pessoas acima da lei pagarem, certo?
Falar da série é pautar primordialmente sua primeira temporada, pois essa foi o apogeu. A obsessão da protagonista se torna a nossa, conforme Kelley navega pelos atos sujos, corruptos e imorais que aconteciam dentro de casas revestidas de ouro. No decorrer dos demais volumes, as surpresas no estilo A Usurpadora são os únicos momentos de glória que salvam a narrativa até o final. Mesmo que diversas pessoas ruins caiam, o diretor acerta em mirar alto para explicar o crime que condenou David, e mostrar que grandes empresas estão jogando com o sangue de pessoas com as quais não se importam para ganhar dinheiro.
Essas mesmas tramoias envolvem Victoria e, até o fim, Madeleine é estonteante em dar camadas para a rainha do Hamptons, equilibrando uma balança do bem versus mal, e ainda escondendo tudo sob um rosto frio, implacável. Também nos conectamos com ela ao conhecer sua história e passado traumático, bem como tudo o que engoliu para se manter ao lado de Conrad Grayson (Henry Czerny) e de poder nas mãos. Então, novamente o espectador precisa se perguntar sobre o próprio senso de justiça e vingança. O jogo de poder que ela e Emily possuem é delicioso de assistir, ao mesmo tempo que a rixa entre duas fortes mulheres se torna insuportável e indigerível na temporada final.
“Essa não é uma história sobre perdão”, diz a protagonista nos primeiros segundos do episódio piloto. No entanto, ao longo de sua trajetória, perdoar a vida por tê-la feito sofrer tanto é justamente o objetivo de Amanda, mesmo que ela não queira admitir. A primeira vez que essa característica fica nítida é quando ela se prende a um triângulo amoroso entre Daniel e seu amor de infância Jack Porter (Nick Wechsler). Outros amores vêm e vão, assim como decepções, descobertas e mortes, tudo que enraíza Emily e Amanda como suas duas metades da mesma moeda.
Mesmo que ela deseje sua vingança acima de tudo, aos poucos sua personagem se desenvolve, mostrando as caras da fragilidade, se conectando com o próprio passado e qual futuro gostaria. Após derrubar todas as pessoas que desejava, Emily não consegue mais voltar para a Amanda que vivia escondida dentro de si, pois seu caminho de punição também a tornou sozinha. Ela machucou as poucas pessoas que haviam restado em sua vida ou as perderam em prol de um objetivo rancoroso, o que resultou em uma protagonista dilacerada ao final.
Por todos esses fatores, acompanhamos o caminho que ela percorre com um nó na garganta. É natural desejarmos assiduamente a destruição de pessoas que possuem mais do que deveriam, mas ao mesmo tempo, queremos que as dores de Amanda se tornem hematomas curados, e ela alcance um resquício de felicidade. O vício pela série mora exatamente na personagem que está 3 passos à frente dos próprios espectadores, briga consigo mesma sobre os sentimentos que lhe restam e recebe um mínimo alívio em seu desfecho.
Perdendo o brilho novelístico que possuía em seu começo, o desenrolar de Revenge desde a segunda temporada teve um gosto amargo ao ser engolido. Sua series finale foi a pior de todas com a volta de David – sim, ele estava vivíssimo – que só retornou para babar ovo de Victoria Grayson e depois morrer (novamente). As reviravoltas apelativas, mortes frustrantes de personagens e o enredo repetitivo assassinaram a pequena complexidade que a série havia conquistado. Ao final, permanece a saudade das armações da perspicaz protagonista contra os ricaços.
O fim chegou em maio de 2015, arrastado pelo desejo desesperado da ABC em dar mais temporadas do que deveria e com queda pela metade de sua audiência. Outras poucas séries terminam com a tentativa da protagonista que sofreu nas mãos de outras pessoas em ser feliz com seu amor de infância, mas esse foi o caso. Ao lado de Jack, assumindo seu verdadeiro eu, esse é o fim insosso de Kelley. Infelizmente, ignorou-se o fato de que havia ali uma história legítima de vingança, e nem toda a ingenuidade do mundo transformaria Amanda Clarke na menina que corria pela praia com seu golden retriever Sammy novamente.