Bruno Andrade
Desde o assassinato de John Lennon, nos anos 80, não se lidava, na cultura pop, com uma representação tão intensa do fim de uma época. A invasão grunge de Seattle tomou forma como movimento revolucionário à medida que as letras, melodias pesadas e o estilo de vida sem regras — flertando com o punk e o heavy metal — se confundiam em meio às camisas xadrezes e calças rasgadas. O início dos anos 90 prometia não somente trazer o futurismo, mas também ser carregado de uma aura melancólica difícil de assimilar. O sucesso teve seu contexto alterado drasticamente pela indústria cultural, e, em meio ao choque geracional, o Pearl Jam surgiu com Ten, álbum que marcou o grunge e que completa trinta anos em 27 de agosto.
A história do primeiro álbum do grupo naturalmente se entrelaça com o seu surgimento. O guitarrista Stone Gossard e o baixista Jeff Ament estavam na ativa desde os primórdios do grunge, na banda Green River, de 1984 a 1987. Posteriormente, os dois integrantes se juntaram a Andrew Wood para compor a Mother Love Bone, que durou pouco mais de dois anos e terminou pela morte de Wood, em decorrência de uma overdose. Gossard decidiu então chamar Mike McCready, um antigo amigo, e gravaram, junto ao baixista Ament, uma fita demo a procura de vocalista e baterista. A fita foi encaminhada para Jack Irons, o primeiro baterista do Red Hot Chili Peppers, e, após ele declinar o convite, encaminhou a fita para um amigo em San Diego, chamado Eddie Vedder. Depois, a chamado de Ament, Dave Krusen assumiu a bateria, e o Pearl Jam surgiu de maneira silenciosa.
O silêncio foi deixado de lado muito em breve, e algo que eles sempre souberam fazer foi barulho. Ten é considerado um clássico atualmente, mas foi extremamente radical quando lançado. Eddie Vedder mantinha uma presença de palco totalmente distinta, cuja personalidade se destacava pela sinceridade autoconsciente. Diferente de Kurt Cobain, que expressou sua revolta de forma poética e misteriosa, Vedder demonstrava seu incômodo de forma literal. Frases do tipo ser-contra-o-mainstream eram recorrentes no grunge, pois existia raiva e ela era retratada nas músicas, mas as letras de Eddie Vedder não passavam nenhum clichê, e o que se prezava era a veracidade. O Pearl Jam deixava a música falar por si mesma, e as faixas eram cruéis, pesadas, e até sombrias, mas retratavam exatamente aquilo que queriam dizer.
No entanto, qualquer obra, na melhor das hipóteses, está aberta a interpretações. Quando Ten chegou às lojas de discos, em 1991, teve uma recepção morna. É verdade que o Nirvana já havia lançado Bleach dois anos antes, e que o Soundgarden já havia lançado Ultramega OK (1988) e Louder Than Love (1989), e também é verdade que isso ofuscou um pouco qualquer sucesso imediato do Pearl Jam. Mas o fato é que a crítica estava, naquele momento, de olho no disruptivo Facelift (1990), de Alice in Chains, e a indústria fonográfica ainda se adaptava ao formato Compact Disc (CD-ROM) — que a revolucionou —, pois havia sido desenvolvido há poucos anos, em 1985, e a maneira de capitalizar essa nova onda originada em Seattle estava em fase de testes.
O Nirvana lançou Nevermind em setembro de 1991 — um mês depois de Ten —, e, posteriormente, esses dois álbuns tornaram-se marcas permanentes e referências claras do grunge. Ao longo dos meses que se seguiram, Ten popularizou-se e conseguiu emplacar, de forma orgânica e sem grandes investimentos, o segundo lugar na Billboard. Assim como Nirvana, o Pearl Jam bradava — mesmo que com menos intensidade — contra o mainstream, mas, curiosamente, acabou virando uma das referências iniciais para qualquer banda de rock que almejava o sucesso nos meios de comunicação de massa.
As onze faixas que compõem Ten foram escritas por Vedder, e o álbum emplacou hits atemporais. Nas letras, sucídio, solidão e alienação são temas recorrentes. Jeremy, um dos grandes sucessos do álbum, foi baseada em uma notícia real. Vedder inspirou-se para compor uma espécie de homenagem ao jovem Jeremy Delle, após ler em um jornal que ele havia tirado a própria vida em frente aos colegas de classe, no Texas. A música se inicia com uma intro de baixo marcante, com a posterior entrada da bateria, de forma crescente, e a típica voz rasgada de Eddie Vedder.
Alive, terceira faixa do disco, é parcialmente biográfica. Ela conta a história de Vedder ao descobrir que seu pai biológico faleceu antes de seu nascimento, e que o homem casado com sua mãe era, na realidade, seu padrasto. A canção é uma adaptação da primeira versão demo, presente na fita que Vedder recebeu, cujo instrumental foi criado por Stone Gossard.
Já Even Flow é praticamente uma evocação ao estilo de vida sem normas, e romantiza a falta de moradia como algo transcendente, encaixando a letra em um ritmo frenético entre as guitarras e a bateria — ela demonstra muito bem o que o Pearl Jam conseguia fazer com um tema tão vago. Depois da pesada Why Go — uma das mais ferozes e indignadas do álbum, ao lado de Once —, entra a solene Black, conhecidamente dramática e que figura nas playlists de músicas-para-chorar. De qualquer modo, é musicalmente agradável, e de certa forma destoa das demais faixas do álbum — mesmo se comparada a Oceans, que também é lenta, porém sem a mesma dramaticidade.
Em retrospecto, Ten e Nevermind foram os dois álbuns que auxiliaram de forma mais significativa a reinventar o rock popular. Todos queriam imitar, e bandas contemporâneas que fazem algo mais próximo do grunge não conseguem escapar das comparações. Mas, apesar de sua influência nítida, é difícil pensar em algum disco que soe parecido com Ten, composto em uma aura obscura e musicalmente competente. Assim como The Strokes fez, alguns anos depois, com seu Is This It (2001), o Pearl Jam chegou trazendo a novidade que a indústria procurava. Eles não foram os primeiros a fazerem grunge, mas poucas bandas faziam bem — e isso era novo.
O instrumental pesado da banda e a voz dilacerante de Eddie Vedder compunham a raiva generalizada pelo conformismo visível na sociedade. Não era um chamado à luta, ou um chamado à aventura, mas um grito de advertência, um preste-atenção-em-mim que definiram muito bem o grunge dos anos 1990. Era o fim de uma era, nem melhor ou pior, mas aquela que todos conheciam e começavam a se familiarizar. Os anos 2000 batiam à porta, e a sensação era que, de repente, tudo foi pelos ares.