Júlia Paes de Arruda
Nem todos têm a mesma sorte de Maísa, que começou o ano sendo protagonista de seu primeiro filme na tão sonhada “firma” Netflix. A adaptação do livro de Thalita Rebouças chegou ao serviço de streaming com nomes já conhecidos pelo público, como Eduardo Moscovis (Bom dia, Verônica e O Cravo e a Rosa) e Marcelo Médici (Vai que Cola e Haja Coração). Trabalhando na mesma base de Mamma Mia, Pai em Dobro saúda e aflora uma memória da criança interior adormecida.
O enredo gira em torno de Vicenza, uma garota que vive numa vila hippie e que acaba de completar dezoito anos, ainda desejando saber quem é seu verdadeiro pai. Porém, como em todos os aniversários, sua mãe, Raion (Laila Zaid), insiste que não é o momento certo para revelar a identidade dele. Disposta a encontrar respostas, a jovem aproveita a viagem da mãe para um retiro na Índia e parte para Santa Tereza, no Rio de Janeiro, para encontrar os suspeitos para tal cargo.
A aventura da menina é divertida e um pouco inusitada. Ela se mostra muito independente para comprar passagens de ônibus, mas se atrapalha quando fica de frente com um elevador. Ela aprecia chás dos mais diversos tipos, mas vomita ao saborear um hambúrguer. Essa inversão de personalidade vem das suas origens, mas acaba se tornando engraçada ao se deparar com o cotidiano de uma adolescente comum no Rio de Janeiro. As cenas da escada rolante, especialmente, me fizeram lembrar do episódio da Turma da Mônica, em que o Chico Bento vai com o primo ao shopping.
O roteiro de Rebouças e Renato Fagundes (Modo Avião) é fluído, orgânico e leve, fazendo de Pai em Dobro um filme gostoso de se ver. Por não ter antagonistas, tudo se desenrola de uma forma objetiva e previsível, mas isso não o torna monótono e cansativo. A proposta não é trazer revelações fotográficas, mas sim uma sensação alto astral para dentro de casa com os momentos cômicos e os emotivos. Funciona na mesma fórmula de Zathura: Uma Aventura Espacial e As Aventuras de Sharkboy e Lavagirl. É quase impossível não pensar na época em que ficar de olho no horário para começar a Sessão da Tarde era nossa única obrigação.
No entanto, a obra peca em muitos estereótipos, principalmente envolvendo a vila. A Universo Cósmico mistura elementos do movimento hippie com a cultura indiana, de forma um pouco forçada. Permanecer em questões superficiais e, de certa forma, preconceituosas, poderia trazer uma visão negativa do Brasil para os espectadores estrangeiros da plataforma, ainda mais se tratando do alcance da Netflix.
Por se falar em alcance, Maísa, que um dia já foi a adolescente mais seguida do mundo, se mostra muito mais confortável frente às câmeras que em Ela Disse, Ele Disse – talvez pelo próprio amadurecimento da atriz que, atualmente, possui a mesma idade de Vicenza. No filme de 2019, a incompatibilidade de faixa etária entre a da personagem e a real acabou sendo um empecilho para que ela agisse de forma natural. Vicenza, no caso, compartilha das mesmas vivências que ela. Isso fez que a atriz pudesse entregar um papel mais compatível ao seu carisma e a sua espontaneidade.
Eduardo Moscovis, o boêmio e amargurado pintor Paco, inicialmente, parece estar um pouco perdido em relação ao seu personagem. Entretanto, como já é de se esperar, o ator entra em sintonia com o enredo e mostra com destreza sua versatilidade em encarnar o papel com muito fôlego. Já Marcelo Médici, acostumado com a comédia, investe numa personalidade totalmente oposta ao viver Giovanne, um bem sucedido – porém, infeliz – agente de mercado financeiro. De maneira imprevisível, ele se mostra muito à vontade e encara o cargo com perfeição.
Apesar do elenco admirável, tendo participações de Fafá de Belém e Thaynara OG, as personagens possuem pouco aprofundamento. É o caso de Cadu (Pedro Ottoni), o par romântico da protagonista. A atuação de Pedro é genuína. De cara, já é possível criar afinidade com o garoto. Porém, devido ao foco maior girar em torno de Vicenza, pouco tempo em tela lhe foi designado, deixando o potencial de Ottoni de lado.
A trilha sonora de Pai em Dobro é realmente fantástica. Tendo brasilidades como o foco principal, nomes como Anavitória, Lulu Santos e Tiago Iorc fazem o contraste relaxante em meio à temática carnavalesca do enredo. Pessoalmente, dentre as selecionadas pelo produtor musical Fábio Góes, Casa e Partilhar são as que mais transmitem a mensagem do filme. O verso “Que amor tão grande tem que ser vivido a todo instante” chega a ser emocionante acompanhado do cenário.
A estética colorida dá vida para as cenas das festividades e demarca muito bem o sentimentalismo envolvendo uma tradição tão marcante em nosso país. Em harmonia com o Rio de Janeiro, os blocos de rua transmitem a alegria que acoberta os mais aficionados pelo feriado e nos lembram de um momento divertido da vida. Apesar do lançamento do filme ter sido esse ano, as gravações foram feitas no período pré-pandemia, em que as aglomerações corriam soltas. Isso, apesar de ser bonito, pode tornar-se deprimente por se tratar de um futuro ainda distante de acontecer.
Ainda assim, Pai em Dobro transmite uma mensagem muito bonita a respeito das relações para além de laços sanguíneos, o que o distingue das comédias românticas tradicionais. O jeito leve e agradável da construção da narrativa é solução para aqueles momentos em que sentar em frente à TV com um balde de pipoca é sinal de relaxamento. Além disso, marca mais um degrau para a carreira da “prima” Maísa, que só dá sinais de seu amadurecimento profissional.