Pacto Brutal – O Assassinato de Daniella Perez: o resgate de Glória Perez à memória da filha continua

Na imagem vemos Daniella Perez ao lado de sua mãe, a novelista Glória Perez. As duas encontram-se abraçadas, sorrindo e olhando diretamente para a câmera.
A HBO Max divulgou que o documentário se tornou o mais visto do serviço de streaming nacionalmente em apenas um mês (Foto: HBO Max)

Isis da Silva Bianco

Trinta anos após o assassinato de Daniella Perez, Glória Perez, a mãe da atriz, participa de Pacto Brutal – O Assassinato de Daniella Perez, documentário que disseca a breve vida e morte da filha,  assassinada no dia 28 de dezembro de 1992. Em uma tentativa de reviver a memória da primogênita, a escritora reuniu uma dose de coragem e, junto com a HBO Max, produziu a emocionante série documental de cinco episódios. A produção revive a memória do público sobre quem realmente foi Daniella e como, na época, a defesa dos assassinos e a grande mídia criaram uma narrativa que distorceu a sua verdadeira imagem. 

Os responsáveis por trazer a obra aos olhos do público são Tatiana Issa, que atua como produtora e diretora, e Guto Barra, responsável pelo roteiro e direção, ambos ganhadores do The New York Emmy, na categoria Artes/Entretenimento de Longa Duração pela série Immersive.World, de 2021. A novelista também participou ativamente da produção do documentário, cedendo todo o acervo coletado sobre o caso ao longo dos anos. Em uma entrevista exclusiva para o site AdoroCinema, Tatiana afirma: “As pessoas esquecem com o tempo. O que ficou foram mentiras e fofocas. Versões errôneas que foram perpetuadas durante mais de 30 anos“.

A obra é narrada principalmente por Glória e, conforme a história progride, amigos e familiares adicionam suas declarações sobre o caso e compartilham suas lembranças sobre a vítima. Por outro lado, a série também conta com policiais, advogados, promotores e testemunhas que participaram do processo e colaboraram para a prisão de Guilherme de Pádua e Paula Thomaz. Como pano de fundo, os episódios apresentam vídeos e imagens da atriz cheia de vida, contrastando logo em seguida com as fotos de seu corpo, tiradas pela perícia no local do crime e expostas sem nenhum tipo de censura.

Temos na imagem Daniella Perez em uma entrevista para a rede Globo. A atriz usava uma blusa vermelha e esta sentada em uma poltrona branca.
Daniella Perez ficou conhecida como a namoradinha do Brasil graças a seu papel como Yasmin na novela De Corpo e Alma (Foto: Rede Globo)

A repercussão da produção foi imensurável e abriu novamente o debate sobre a glamourização de assassinos condenados e como a mídia brasileira é extremamente sensacionalista quando trata-se de casos de grande repercussão. A morte de Daniella foi mais um caso de feminicídio e, ao permitir que Guilherme de Pádua se alimentasse dos holofotes que lhe foram cedidos, mantendo-o em destaque nas manchetes, a voz da atriz foi apagada aos poucos e apenas entes queridos tinham uma visão completa de quem ela realmente foi.

Daniella Ferrante Perez Gazolla, mais conhecida como Daniella Perez, foi uma atriz e bailarina em ascensão no início dos anos 1990. Filha da autora de novelas Glória Perez, a jovem habita o imaginário do público como Yasmin, personagem da novela De Corpo e Alma e apresentada, na época, como a ‘namoradinha do Brasil’. Na trama, a personagem era parte de um triângulo amoroso entre Caio, interpretado por Fábio Assunção, e Bira, vivido por Guilherme de Pádua, que futuramente se tornaria seu assassino. Na vida real, a atriz é descrita por amigos e familiares como uma moça alegre, talentosa, apaixonada pelas artes, em especial a dança, e com uma carreira promissora pela frente. 

Na noite de 28 de dezembro de 1992, Daniella foi abordada pelo colega de cena na saída dos estúdios Tycoon. Após tirarem fotos com um grupo de fãs presentes no local, Guilherme seguiu o carro da jovem até um posto de gasolina, onde ela foi desmaiada e levada para um local ermo na Barra da Tijuca. Lá, a garota foi morta com 18 golpes distribuídos por seu tronco, chegando a deixar seu coração exposto. Na época, a repercussão foi gigantesca e o crime chegou até a ofuscar a renúncia do então Presidente da República Fernando Collor.

Na imagem vemos Yasmin de regata vermelha olhando diretamente para Bira, que está sem camisa. Ambos se encontram em meio a natureza, em uma clareira.
É relatado no documentário que Guilherme insistia para Daniella interferir no trabalho de sua mãe durante a escrita dos capítulos da novela De Corpo e Alma, para que seu personagem continuasse em destaque na mídia (Foto: Rede Globo)

A brutalidade do crime não choca tanto se comparado ao desenrolar da narrativa na mídia, retratada por Pacto Brutal – O Assassinato de Daniella Perez. Daniella e Guilherme estamparam milhares de capas de revistas que anunciavam um suposto envolvimento amoroso entre os dois, fato que nunca aconteceu. No segundo episódio do documentário, Os assassinos, vemos Glória Perez folheando estas matérias. “Isso é muito mais violento do que as fotos dela no local, isso é continuar matando a pessoa”, ela anuncia. 

A série não mostra apenas um crime brutal e seu desenrolar. A partir do terceiro episódio, Mãe Investigadora, Daniella é tirada de foco para dar espaço ao esforço imensurável de sua mãe em busca do resgate da memória da filha e para garantir que os assassinos sejam presos, o que torna-se o foco principal de Pacto Brutal. Glória Perez foi de escritora e roteirista a detetive, e sua perseverança não é provada somente ao coletar testemunhas para alimentar o processo de provas e garantir a prisão do casal criminoso, mas também para preservar o túmulo da filha, que havia sido violado diversas vezes ao decorrer do processo.

Dois anos após o ocorrido, a autora aproveitou-se da repercussão do caso e mobilizou milhares de pessoas a assinarem um abaixo-assinado que pedia a inclusão do crime de homicídio qualificado no rol de crimes hediondos. A partir daquele momento, as pessoas condenadas por tal delito poderiam ter sua pena aumentada, além de não estarem sujeitos a progressão penal. Ou seja, teriam que cumprir a pena integralmente em regime fechado. 

Na imagem vemos Guilherme de Pádua e Paula Thomaz sorrindo e ambos segurando a faca para cortar o bolo do seu casamento. Ele com um terno branco e gravata vermelha e ela com um vestido de noiva e uma coroa de flores branca na cabeça.
Paula Thomaz sempre trazia consigo a imagem de uma santa, que era deixado no camarim de Guilherme durante os espetáculos teatrais na Galeria Alaska (Foto: HBO Max)

A seguir no quarto episódio, De Onde Vieram?, Daniella continua em segundo plano, mas dessa vez para dar enfoque ao passado conturbado de seus assassinos. Guilherme de Pádua, nascido em Minas Gerais, mudou-se para o Rio de Janeiro no intuito de deslanchar sua carreira artística. Porém, no começo, as coisas não saíram como planejado. Antes da fama que a novela De Corpo e Alma lhe trouxe, o rapaz era conhecido como Michê em A noite dos leopardos, uma apresentação de strip-tease masculino que acontecia na Galeria Alaska e atraia em peso tanto o público feminino quanto homens gays. 

Já Paula Thomaz era frequentadora do espetáculo e também não traz boas lembranças aos que trabalhavam no local na época. Com uma personalidade violenta e possessiva, a jovem foi expulsa da Galeria aos 18 anos por conta de uma briga. Pacto Brutal – O Assassinato de Daniella Perez conta até com a presença de Marcos Santos, um relacionamento que a mesma teve antes de Guilherme, e que o testemunho reforça o caráter ciumento e descontrolado da mulher.

Vemos Guilherme e Paula no dia de sua sentença. Ela usando uma blusa marrom e olhando para o lado oposto ao fotógrafo, enquanto ele usa uma blusa branca e mantém o olhar para frente.
A Doutora Ana Beatriz Barbosa, psiquiatra, palestrante e autora, afirma em entrevista ao Flow Podcast que Paula possui uma periculosidade maior do que Guilherme (Foto: Patrícia Santos/Folhapress)

O último episódio de Pacto Brutal – O Assassinato de Daniella Perez, intitulado Justiça?, reflete sobre os desdobramentos do caso e se, na visão dos entes queridos da vítima, a justiça foi feita. Com a sapatilha da filha em mãos, Gloria Perez afirma que, depois de anos de espera, finalmente conseguirá viver seu luto e deixar a filha descansar.

Guilherme de Pádua e Paula Thomaz só foram condenados em 1997, cinco anos após o crime, a 19 e 18 anos de prisão respectivamente. Porém, devido ao bom comportamento enquanto encarcerados, ambos cumpriram somente um terço da pena. Por conta de um benefício jurídico que visa a reabilitação criminal, os dois têm a ficha limpa, sem qualquer menção à morte da atriz 30 anos atrás, e atualmente levam vidas comuns. Hoje, Guilherme é pastor de uma igreja evangélica em Belo Horizonte. Paula casou-se novamente e adotou o sobrenome do marido, com quem teve mais duas filhas.

A foto retrata Daniella Perez e seu marido Raul Gazolla, ambos sorrindo, em uma festa de ano novo. A atriz está de blusa branca e com uma tiara na cabeça com Feliz Ano Novo escrito em inglês e ele com uma blusa listrada e uma gravata preta.
Raul Gazzola, viúvo de Daniella, afirma em seu depoimento que ele e a atriz foram protagonistas de uma das maiores paixões vistas neste país (Foto: HBO Max)

O grande trunfo de Pacto Brutal – O Assassinato de Daniella Perez e da HBO Max em contar essa história mais uma vez é devolver a Daniella o seu brilho e a sua personalidade. Mesmo com a investigação policial e o veredito, o que ainda continua na memória do público é uma versão distorcida dos fatos. Alguns acreditam que Daniella e Guilherme tinham um envolvimento amoroso, outros lembram do assassino como um homem íntegro e disposto a fazer sacrifícios pela mulher amada. O documentário é assertivo em acabar com as dúvidas e destruir os rumores da época, nos mostrando que, no fim, o crime aconteceu por uma monstruosa sede de poder dos criminosos e nada mais.

Pacto Brutal – O Assassinato de Daniella Perez é um prato cheio para os fãs de true crime, contando a história real com pontos de vista privilegiados de parentes e amigos, mas sem dar lugar ao sensacionalismo barato presente nas capas de revista dos anos 90. A grande lição de casa que o telespectador recebe ao terminar a obra é lembrar-se de Daniella, a menina sorridente que teve a vida roubada, e dar aos assassinos o que merecem: o esquecimento. 

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