Ana Laura Ferreira
Que a pressa é inimiga da perfeição, todos nós sabemos, mas isso não quer dizer que tempo e qualidade necessariamente caminham juntos, sendo Os Novos Mutantes a prova viva disso. Com quase três anos de atraso para chegar às telas, o longa dirigido por Josh Boone se concretiza como uma amarga volta aos cinemas. Um trailer misterioso e a interminável espera, atrelados ao sedento desejo dos espectadores pela tela grande, foram a receita perfeita para a decepção e para o sentimento de desperdício de bons atores, boas histórias e bons personagens.
Ficando no meio do fogo cruzado entre a Fox e a Disney, o filme se viu esquecido entre tanta turbulência. Apresentando uma proposta até então inovadora, ele ruma em direção ao terror e ao misticismo, entretanto sua montagem com cortes abruptos desmancham qualquer tentativa de se construir uma tensão no decorrer das cenas. E apesar de ter poucos personagens, um único cenário central e uma linha narrativa simples e direta, isso não facilita seu desenvolvimento que se embola em um grande primeiro ato finalizado às pressas no término de suas míseras uma hora e meia.
Mas não pense em momento algum que o fato de ter somente seis personagens – e alguns poucos coadjuvantes como o pai da Dani Moonstar – é o culpado pelo desastre que vemos em tela. Quantidade não é tudo. Excelentes filmes já foram feitos na exata mesma estrutura, como o clássico Clube dos Cinco (1985). Cinco alunos, um diretor e um escola, a mesma receita transposta para um universo de horror, porém as melhores partes foram perdidas no meio do caminho. A maior delas: a relação entre os personagens.
Fica extremamente claro que a construção do filme não é seu ponto forte, entretanto não podemos colocar a culpa de sua montagem em Boone. Isso porque, depois de tantos anos, tantas refilmagens e até uma produtora diferente, jamais conseguiremos saber se o que vimos é ou não o filme entregue pelo diretor. Porém, isso não isenta Os Novos Mutantes de pecar quando o assunto é entrosamento. A tentativa forçada de gerar empatia entre os personagens, unida a um cenário de conformismo quase utópico, destoa das personalidades fortes e afrontosas dos heróis. Essa ambiguidade faz apenas com que nos esqueçamos do propósito da narrativa, focando nossa concentração no porquê deles ainda não terem se rebelado.
Se por um lado o roteiro e os diálogos fracos não ajudam a construir essa relação, de outro podemos ver a investida quase dolorosa daqueles bons atores ao tentarem entregar uma trabalho no mínimo aceitável. A brasileira Alice Braga ganha destaque por ser a única figura de autoridade do local, chamando todo o peso do antagonismo para si. Sua atuação contida e na maior parte do tempo calma – pelo menos em frente aos internados – alimenta um toque sádico à Dra. Cecília Reyes.
Entre os jovens, a dificuldade é um pouco mais acentuada. Precisando dividir o peso de uma caricata construção de personagem que não poupa a ninguém, nem mesmo a brilhante Anya Taylor-Joy, de Fragmentado (2016) e O Gambito da Rainha (2020). Sem conseguirem se esquivar desse grande defeito, resta aos atores se apoiarem na diversidade de seus personagens e em suas nuances. Essa, que é uma das maiores qualidades do filme, explora um elenco heterogêneo sem forçar estereótipos, dando a eles a oportunidade de aprofundar as múltiplas facetas de cada um em uma suposta continuação.
A direção de arte do filme é um acerto. O cenário do hospício, com paredes escuras e grossas portas de metal, ajuda a nutrir uma sensação de claustrofobia e imutabilidade, como se aquela fosse sua última parada. Entretanto, a ambientação poderia ter sido ainda melhor se melhor conciliada à fotografia. Os planos muito claros e abertos quebram o sentimento de clausura, nos puxando quase que de forma rude para longe de todas as possibilidades de tensão que poderiam ser criadas.
É triste pensar que um longa que tinha tudo para ser um grande sucesso foi corroído pelo tempo. E mesmo que não saibamos quem é o culpado pelo desastre de Os Novos Mutantes, é certo que ele logo será esquecido entre os vários filmes dos X-Men. Ainda assim, a esperança para que não seja prevalece. Um remake seria pedir demais, mas por qual razão não sonhar com uma sequência melhor desenvolvida, que explore e tire proveito de todas as qualidades destes mutantes e de seus intérpretes?