Vitor Evangelista
Imagine a família Roy de Succession, mas ao invés de magnatas bilionários, eles são pobretões, sem um tostão furado no bolso e em constante pé de guerra pela mísera das migalhas. Essa é a ambientação do iraniano Os Irmãos de Leila, premiado com o louro da crítica em Cannes e apresentado na 46ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo na seção Perspectiva Internacional.
Quem dá nome ao longa de Saeed Roustaee é Leila (Taraneh Alidoosti), uma mulher de quarenta anos que passou a vida tentando ordenar a casa, a família e a sua própria existência. Com ela, moram os dogmáticos pais, vividos por Nayereh Farahani e Saeed Poursamimi, e seus quatro irmãos. Aos poucos, o prólogo do filme vai desvendando os traços de personalidade de cada um: Alireza (Navid Mohammadzadeh) é o mais desgastado pela dinâmica rotineira e clama por uma saída do buraco, enquanto Manouchehr (Payman Maadi) juntou forças suficientes para escalar o poço e morar num apartamento caindo aos pedaços, mas longe dos idosos.
O hiperativo Parviz (Farhad Aslani) é pai de várias meninas, e o caçula Farhad (Mohammad Ali Mohammadi) pensa com os músculos e tem mais interesse nas lutas que assiste na TV do que no cotidiano de bicos e trabalhos informais. O circo é armado no hospital, local de nascimento da nova criança de Parviz, e a ida conturbada do avô até o local, para ter certeza de que o bebê é menino.
Sim, nasceu um homem e o novo conflito vem na hora do batismo, já que o idoso quer que o filho homenageie um primo recém-falecido, o que obviamente não ocorre. Acontece que o parente já morto desempenhava o papel de patriarca do clã familiar, passível de exímio prestígio na comunidade persa que protagoniza o filme.
Intrigas familiares são criadas e, entre uma porção de reviravoltas, Leila’s Brothers assenta o pé na guerra. Tem filho que quer seguir o pai, tem filho que quer o oposto e existe, no meio, a figura de Leila, central para que a trama prossiga e seja constantemente amolada. Afinal, por duas horas e quarenta minutos, o roteiro e a direção de Saeed Roustaee fatiam uma leguminosa de dívidas e revelações.
O que não significa que a rodagem seja excessivamente carregada nas discussões e nos enfrentamentos, já que o filme reconhecido com o prêmio da crítica em Cannes tem um dos textos mais ágeis e bem humorados de 2022. O roteiro de Roustaee brilha nas entrelinhas da multifacetada dinâmica entre os irmãos, respingando acenos de afeto e companheirismo que acompanha o quinteto por toda sua vida. Os mil e um acontecimentos dos Roy do Mundo Invertido são de tirar o fôlego, mas o Cinema iraniano já se mostrou mestre no jogo de cintura de abarrotar uma cena sem nunca confundir sua audiência cativa.