Numa maré de biografias estadunidenses que esfregam a bandeira vermelha e azul estrelada nas telas de IMAX mundo a fora, cheias de autorreferências e o hino tocando ao fundo, Damien Chazelle nada contra a maré e desenha os passos da chegada do homem a Lua de forma contida e silenciosa
Vitor Evangelista
O desafio de contar uma história já conhecida do grande público nas telonas é imenso. Quando foi anunciado que Damien Chazelle (Whiplash, La La Land) seria o responsável por tal feito, entretanto, o mundo se tranquilizou. O jovem oscarizado dirige, pela primeira vez, um filme que não escreveu. O roteiro adaptado vem pelas mãos de Josh Singer, texto que internaliza o drama do norte-americano e entrega um filme quieto, sorrateiro, mas extremamente memorável.
Neil Armstrong é vivido aqui por Ryan Gosling, em sua segunda parceria com o diretor. Gosling é o ator ideal para o papel, a cara de paisagem do ator casa harmoniosamente com a frieza da persona do astronauta, a falta de afeto físico para com sua esposa Janet (a incrível Claire Foy) e a perseverança que pesa seus ombros são todas características que desmistificam o sonho americano, já tão conhecidas no Cinema.
O filme caminha tão pelo outro lado que nem mesmo a bandeira estadunidense trepida na superfície lunar. Não há aqui segundo desperdiçados filmando os panos que estampam o quintal do país todo. Quando questionado sobre, Damien Chazelle foi sucinto, definindo a conquista retratada ali não só pertencente aos Estados Unidos e sim ao mundo todo.
Com uma câmera na mão constante e incômoda, a fotografia de Linus Sandgren opta por tirar o glamour de todo escopo espacial que havíamos tido contato com até então. Close-ups indigestos, cenas longas das decolagens que a trupe de Armstrong passou até, enfim, alcançar o objetivo. Só há um alívio iminente quando a nave chega à Lua, onde Sandgren abraça toda a tecnologia IMAX e brinda o espectador com uma visão ímpar. Talvez na melhor representação lunar que a Sétima Arte já viu, digna de ser vista na maior tela possível, é de tirar o fôlego a rocha branca que orbita no espaço.
Fator interessante do filme é o eterno flerte de Neil (e da Nasa como um todo) para o alto, sempre mordendo os lábios enquanto olha pela janela, quase despindo o espaço. Constantemente retratado como uma conquista política e econômica, O Primeiro Homem encara o pouso na superfície como algo humano, uma necessidade carnal de ter em mãos.
A parte política é tão jogada para escanteio que nem ao menos sabemos quem era o Presidente em exercício na Casa Branca no momento. O filme retrata tão bem um recorte de Armstrong ao ponto do público não receber quaisquer informações prévias sobre sua vida e conquistas. Até mesmo o fato de Janet ser sua segunda esposa é omitido no roteiro. Só é dado espaço para informações que pavimentem as personagens que orbitam na trama.
Outro fator extravagante nos filmes de Chazelle é a Música. Aqui, num tom sóbrio e de uma melancolia aguda, o diretor aproveita muito bem o silêncio. Grandes parcelas de tempo em que a câmera filma sem som algum, o público absorve tudo que ele coloca na tela. Essas parcelas de First Man são importantes para, mais uma vez, demolir a ideia de que toda conquista dos EUA é cheia de cantos vitoriosos e euforia sem limites.
O Primeiro Homem não é um filme fácil de ser assistido, porém. A escolha de silenciar momentos chave, incomodar com imagens trépidas, tudo isso pode causar descontentamento num público comercial. As quase duas horas e meia do longa parecem durar bem mais. Mas, quando se sobem os créditos, tudo vale a pena. Longe de ser um filme esperado pelo diretor, ele agora infla o currículo e, se mostra preparado para enfrentar qualquer novo desafio.