Alberto Borges
Ao sentar para assistir O Homem Invisível de Leigh Whannell, você pode até imaginar que será mais um filme de Terror com perseguição, mortes e muito sangue. Porém, a produção, lançada em 2020, tem camadas muito mais profundas do que as que passam no imaginário do público enquanto estão entretidos durante as mais de duas horas de sequências de ação. Baseado no livro de mesmo nome de Herbert George Wells, lançado em 1897, e na primeira versão do filme de 1933, dirigido por James Whale, a trama se prende na visão da personagem principal, Cecília (Elisabeth Moss), que logo no início do filme mostra qual é seu principal objetivo e seu maior inimigo: fugir daquele que se deita ao seu lado.
O drama e a tensão dos primeiros minutos da produção são cativantes e fazem o público ficar sem fôlego, com direito a uma fuga da protagonista que causa temor do início ao fim. O longa não aborda a relação do casal antes de Cecília fugir, o que deixaria o roteiro mais rico e profundo para o espectador entender de onde vieram todos os traumas e a insana obsessão do homem pela figura da mulher. Tudo funciona bem, mesmo sem essa apresentação inicial ou flashbacks durante o filme. Contudo, a experiência seria diferente com essa adaptação do diretor.
Os relacionamentos abusivos tem ganhado uma crescente de muita influência nas produções culturais nos últimos tempos, porém a versão literária da obra não tem nenhuma ligação com o tema, visto que é apenas focada na figura do Homem Invisível e no modelo de ficção assídua, com experimentos de laboratório que o transformaram e o fizeram ter a busca pelo poder. Quanto ao filme de 1933, a produtora Universal Pictures iria incluir o personagem em seu mundo de monstros, o que acabou não acontecendo e culminou no clássico filme de época, na releitura do livro.
Na nova adaptação, Elisabeth Moss, já conhecida por seus papéis dramáticos em outras séries e filmes, como em The Handmaid’s Tale, assume o destaque e conquista o público com sua atuação brilhante no papel, passando todo o sentimento de desespero e desamparo que vive enquanto lida com seus traumas do relacionamento. Estes que, como na vida real, trazem o papel da mulher sendo lunática e com falta de empatia, evidenciando que até mesmo quem está no ciclo social pode chegar a desconfiar de sua condição mental, e, no caso de Cecília, sua irmã, seu amigo e até mesmo os policiais começam a desacreditar de seus relatos.
A virada de chave do filme para o Terror
A obra carrega na carga emocional da personagem seu ritmo de acontecimentos, como se cada passo de superação dos traumas e da síndrome do pânico adquirida, e representada tão bem por Moss, fosse um impulso para que o terror aumentasse. Assim, ela recebe a notícia de que seu ex-marido se suicidou, de forma trágica, e deixou todo seu patrimônio para ela. Um gancho para que ela se aproximasse novamente de tudo que deixou para trás e ainda trazia más memórias.
Este é o gatilho para o desenrolar da narrativa. Adrian (Oliver Jackson-Cohen), o cientista maluco, que sabe se lá como, conseguiu construir uma roupa que o deixa invisível, meio que difere do livro, e começa a rondar todos os passos da ex-esposa, com um clima de suspense que o envolve, pois ninguém sabe onde ele está e qual a sua aparência. Essa evidência é mostrada apenas quando o diretor deixa referências de coisas se mexendo sozinhas, respirações, e claro, uma das cenas mais conhecidas do filme, a das mãos no box do banheiro.
O Homem Invisível é cheio de sequências hipnotizantes, e uma das maiores é quando Cecília começa a lutar com o vulto em plena cozinha, momento em que quem assiste fica ansioso para ver o desfecho de tudo, até que a personagem consegue se livrar, e confirma suas paranoias. Consciente de que não é apenas uma insanidade, e sim a realidade, ela começa a confrontar seu ex-cônjuge e tomar atitudes para pôr um ponto final em toda a situação aterrorizante.
O truque de mestre do roteiro é tornar a vítima culpada. Quando ela decide contar para sua irmã Emilly (Harriet Dyer), em uma jogada de psicopatia, o Homem Invisível mata a ex-cunhada no meio de um restaurante, e o que sobra é Cecília, com uma faca na mão e os olhares de acusação dos demais presentes. Tudo nos frames se concentra apenas em Elisabeth Moss, em cortes fechados, tendo que lidar com a situação de estar encenando sozinha em momentos de tensão, mesmo com a presença de toda a equipe, o que deixa o filme angustiante e prende nossa atenção.
A ligação com o trauma e o final de vingança
Como se a situação não estivesse pior, a personagem descobre estar grávida, e esse fator surpresa muda tudo na dinâmica do filme, pois agora Adrian não queria mais vê-la sofrer, e sim ter o filho, fruto de uma relação de objetificação e posse. Na continuidade, Cecília é seguida até mesmo na cadeia onde está presa, pela figura do homem que ninguém vê. O roteiro de Leigh Whannell, especialista em filmes de Terror, nos apresenta o limite que uma mulher fragilizada e assustada pode chegar para se livrar de um maníaco perseguidor: tirar a própria vida. No entanto, o mesmo roteiro tem como objetivo fazer com que Adrian tenha o medo de perder o seu item mais precioso: ela mesma.
Todos os pontos de ação e efeitos especiais no longa-metragem são convincentes, como a sucessão de ataques aos policiais da figura que ninguém vê. As mortes foram coreografadas como se os homens estivessem brigando sozinhos, ao nível de não sabermos qual será o próximo movimento do assassino, o que deixa o fator surpresa de The Invisible Man mais instigante.
Quando todos já sabem a verdade, o que resta, a não ser procurar quem não se pode ver? É aí que a chave vira, e o ditado de “o feitiço virou contra o feiticeiro” se encaixa no filme. Cecília faz com que o jogo se inverta, e se rende à quem mais a maltratou, numa atitude desesperada de resolver a situação. Nada mais romântico do que um jantar à luz de velas, sentada frente a frente com quem tentou matá-la várias vezes, concordam?
Em entrevista à revista Empire, a atriz Elisabeth Moss defendeu a visão de analogia de O Homem Invisível sobre os relacionamentos abusivos. “Ela diz que ele está lá, atacando-a, abusando dela, manipulando-a e todos em volta dizem ‘relaxa, está tudo bem’(…) Ninguém acredita nela, a analogia é clara”, diz. No fim, o cientista, que preparou todo seu plano articulado para não ser descoberto e infernizar a vida da mulher, se descuida, deixando com que ela pegue o traje, e inocentemente, o mate, como ele tinha feito com sua irmã, numa constituição de cena que molda para um suicídio, aquele que no começo do filme, ele forjou para segui-la.
Em síntese, a caótica e angustiante distopia de O Homem Invisível se aproxima de outros clássicos do Terror de perseguição à vítima, tais como Pânico, Halloween e A Hora do Pesadelo. No entanto, seu contexto trazido para um drama vivido diariamente no mundo, confere uma sutilidade no tratamento do tema, que poderia ter sido trabalhado de forma mais incisiva, e deixaria o enredo mais verdadeiro, com pés no chão ao abordar a relação do casal principal desde o início. Ao término das duas horas, vem a sensação de um soco no estômago para quem entendeu o recado do filme, ou pior, já viveu situação parecida.