Nathan Nunes
Poucos nomes são tão aclamados dentro do Cinema atual como o do diretor Robert Eggers. Seu primeiro filme, A Bruxa, foi um interessante sleeper hit, isto é, aquele caso onde o sucesso é construído no boca a boca. Tendo também revelado ao mundo a excepcional atriz Anya Taylor-Joy, o debute de Eggers fez em bilheteria o equivalente a dez vezes do seu orçamento de modestos quatro milhões de dólares, colocando-o no mapa e deixando altíssimas expectativas para o seu próximo projeto. Felizmente, ele superou todas elas com O Farol, onde já trabalhou com atores mais conhecidos como Willem Dafoe e Robert Pattinson. Notório pela fotografia em preto e branco e aspecto 4×3, o segundo longa do cineasta foi mais um sucesso de crítica, mas nem tanto de público.
Agora, três anos depois de seu último lançamento, Eggers retornou às telas com O Homem do Norte (The Northman), de uma forma que não poderia ser melhor e mais significativa. Eggers, discípulo de uma geração de diretores independentes catapultada pela produtora queridinha dos cinéfilos A24, chega em seu épico viking ostentando um orçamento de noventa milhões de dólares, do qual ele se apropria para contar uma história nos mesmos moldes do Cinema autoral dessa mesma geração. Em outras palavras, o filme, que é sobre vingança, é também uma vingança ao sistema atual de produção dos grandes estúdios de Hollywood.
Baseado nas histórias da mitologia nórdica de Amleto (que acredita-se terem servido de inspiração para Hamlet, de Shakespeare), o filme acompanha o príncipe viking Amleth (Alexander Skarsgård) em sua jornada para vingar seu pai Aurvandill (Ethan Hawke), resgatar sua mãe Gudrún (Nicole Kidman) e matar seu tio Fjölnir (Claes Bang), que usurpou o trono de seu irmão quando Amleth ainda era criança. Em seu caminho, o protagonista ainda vai cruzar com a feiticeira Olga (Anya Taylor-Joy), que lhe ajudará em sua busca por vingança.
Um dos aspectos que mais chamam atenção é a autenticidade para com a cultura nórdica retratada, tanto técnica quanto simbolicamente. No primeiro sentido, design de produção e figurinos são extremamente ricos em detalhes da época, além de estarem sempre muito mais a serviço da história do que a frente dela. Já no segundo, as tradições mitológicas são muito valorizadas, como tudo que envolve a ritualística e as línguas faladas naquele período. O esforço é visível e aumenta ainda mais a credibilidade do filme como um todo.
Ainda assim, é interessante notar como Eggers, juntamente com o roteirista Sjón, subverte as narrativas medievais tradicionais. Um exemplo está no arco narrativo do protagonista, que sofre uma virada na metade da rodagem e é levado a se questionar sobre seu propósito naquele mundo, onde honra e glória somente eram conquistadas na morte. Nesse sentido, o filme se alia bem a outro conto medieval recente e igualmente sensacional: A Lenda do Cavaleiro Verde, de David Lowery. Tanto o Amleth de Skarsgård quanto o Gawain de Dev Patel são homens que lidam com o fato de terem seus caminhos predestinados e a ausência de escolha como consequência disso, o que somente enriquece a profundidade de ambos enquanto personagens.
Outro fator que se encaixa dentro da visão subversiva do diretor é a participação das personagens femininas na narrativa, que estão sempre à frente dos homens e nunca à mercê deles. Olga, por exemplo, funciona como contraponto ao impulso de sacrifício masculino pungente na cultura da época, ao colocar seus objetivos de vingança em segundo plano e a preservação da sua própria vida e futuro em primeiro lugar. Já a rainha Gudrún representa bem a astúcia necessária para se sobreviver enquanto mulher na sociedade intrinsecamente machista e opressora da época, em uma interpretação fenomenal de Nicole Kidman, embebida de uma malícia enigmática.
Tecnicamente falando, Eggers busca um sentimento imersivo na maneira como dirige, algo que só é potencializado pela experiência de se assistir ao filme nos cinemas. A movimentação de câmera adotada pelo diretor em conjunto com o diretor de fotografia Jarin Blaschke é suave, retilínea e clínica, com as tomadas sempre se alongando na intenção de hipnotizar o espectador sensorialmente, em que se destacam também o design de som estridente e a trilha sonora berrante de Robin Carolan e Sebastian Gainsborough.
Chama atenção também a maneira como o diretor explora a violência de forma crua e sem glamour. Mesmo na tangente do sadismo, ele ainda consegue dar as dimensões de seu impacto psicológico, como em uma cena onde primeiro são mostradas as reações das pessoas de horror e espanto e somente depois o objeto de brutalidade ao qual elas estão reagindo, fruto de um excepcional trabalho de efeitos práticos.
No que diz respeito ao elenco, é impossível não falar da fantástica performance de Skarsgård, repleta de uma fúria bestial surpreendentemente gritante e introspectiva, ao mesmo tempo. Tudo recai sob a sua linguagem corporal animalesca, sua fala sempre carregada e sussurrada e a selvageria de seus momentos de ação. Claes Bang também não deixa barato na pele de seu nêmesis, com uma impenetrabilidade e uma crueldade que nunca deixam de impressionar. Por fim, temos participações marcantes e bem interpretadas de Ethan Hawke e Willem Dafoe.
Dito todos os elogios, nem tudo é perfeito em O Homem do Norte, e o maior problema do filme é o seu ritmo lento e por vezes vagaroso demais. São duas horas e dezessete minutos de duração marcadas por um começo e um ato final muito fortes, mas um período específico na metade (definido pela participação de Björk na trama) que é particularmente estafante de se acompanhar. Contudo, esse elemento também é um símbolo da autoralidade que Eggers imprime em cena e carrega da sua experiência pregressa no Cinema independente.
Ao priorizar essas escolhas menos comerciais em um filme de escopo tão massificado, Eggers também está se aproveitando da máquina de produção dos grandes estúdios para expor sua voz, utilizando todos os milhões de seu orçamento, criando um produto de extremo requinte nos mínimos detalhes e vendendo-o como mais um blockbuster de ação, apenas para subverter a expectativa do público casual. Em resumo, o cineasta dos ovos fez uma jogada de mestre, além de mais uma excelente obra para ser adicionada ao seu currículo, um dos melhores da atualidade.