Bussundismo: a filosofia criada por quem realmente aproveitou a vida 

A imagem mostra Bussunda com a camisa amarela (principal) da Seleção. Bussunda está em um campo de futebol. Ele é um homem branco, gordo, careca, sorridente e faz um gesto de “paz e amor” com as duas mãos. Bussunda preenche quase toda a imagem, porém é possível observar que atrás dele há outros homens com a camisa da Seleção Brasileira.
A caricata imitação de Ronaldo Fenômeno era o grande trunfo de Bussunda: o artista imitou o camisa 9 da Seleção com tanta maestria que mesmo quem não ligasse para futebol era incapaz de o levar a sério (Foto: Globoplay)

Gabriel Gomes Santana

Meu Amigo Bussunda chega ao catálogo do Globoplay provocando um mix de emoções no espectador, na mesma sintonia da música Não Aprendi Dizer Adeus. Composta por quatro episódios, esta minissérie documental resgata depoimentos, vídeos, fotos e trabalhos exclusivos da vida do icônico humorista brasileiro que nos deixou cedo: Cláudio Besserman Vianna, o Bussunda.

O documentário nada mais é do que um mergulho na vida pessoal do artista, referência máxima para muitos comediantes no jeito de se fazer humor para a televisão. Conduzido por Cláudio Manoel, parceiro de longa data de Bussunda, Júlia Besserman (filha de Vianna) e Micael Langer, o roteiro mais parece uma grande roda de amigos que se juntam em um domingo para dar boas risadas com memórias marcantes sobre a vida de um colega que se foi. A obra é uma homenagem do melhor amigo e de uma filha que viram em Bussunda muito mais que um gordinho divertido. Ele era uma pessoa apaixonante em vários aspectos. 

É justamente essa a impressão que tive ao assistir à minissérie. Para entendermos a força da saudade que este renomado artista nos deixou, somos convidados a conhecer primeiro quem foi Cláudio Besserman, para depois assimilarmos a grandeza de suas maluquices e piadas. Neto de imigrantes poloneses judeus, Bussunda passou grande parte de sua infância e juventude em uma colônia de férias da comunidade judaica e, lá, ganhou notoriedade por dois aspectos: o fato de não tomar banho e de ser extremamente carismático. O famoso apelido veio da fusão de seu sobrenome, Besserman, com “imundo”, adjetivo que lhe era empregado frequentemente.

Bussunda no auge de sua juventude, com uns vinte e poucos anos de idade tocando violão na sala de casa. O jovem aparece sorridente, magro, com um cabelo longo, sem camisa, com um violão no colo, sentado em uma cadeira no meio de uma sala de estar. A imagem também retrata um quadro colorido com uma pintura abstrata.
“Eu tenho uma reputação à lazer” – Bussunda fazia esse trocadilho sempre que alguém o chamava de vagabundo na juventude – será que hoje em dia ele seria alguém grunge ou cringe? Fica aí o questionamento (Foto: Globoplay)

Conforme os episódios avançam, é fácil perceber como ele se tornou uma persona tão aclamada. Sua personalidade antes da fama já demonstrava o motivo de sua identificação com o povo brasileiro. “O Cláudio não precisava abrir a boca pra falar nada, apenas seus gestos corporais já roubavam nosso sorriso de uma maneira espontânea”. É justamente essa espontaneidade que o fez se juntar a um grupo de amigos da faculdade que, anos mais tarde, se tornaria o principal programa de comédia da televisão brasileira. 

O fato do Casseta & Planeta ter surgido no fim da década de 1980 e ter feito sucesso durante mais de vinte anos no meio televisivo, torna a assimilação de Bussunda com o programa não apenas inevitável, como também é notório o quanto a essência das esquetes, imitações, piadas e de todo o conteúdo do grupo surgia de ideias mirabolantes dele. O programa era ele 24 horas por dia, alguém preocupado em levar nada a sério. Essa era a sua missão e talvez a razão pela qual sua genialidade surgia através do retrato das coisas simples.

É interessante como Meu Amigo Bussunda conseguiu selecionar momentos de Bussunda entrevistando famosos com a maior naturalidade do mundo. Dá pra perceber que o Cláudio Besserman era tímido, o Bussunda não. Um exemplo que transparece sua “cara de pau” se dá quando ele faz uma pergunta de duplo sentido a ninguém menos que Ayrton Senna, em 1992. Além do ídolo da Fórmula 1, o ex-jogador Zico também foi alvo das piadas de Bussunda. A relação do artista com o ídolo rubro-negro ficou tão próxima que Zico aparece no documentário dando seu depoimento sobre a relação amistosa dos dois.

Imagem dos sete integrantes do grupo Casseta e Planeta em preto e branco. Eles estão amontoados, se abraçando e sorrindo para a câmera. 
Formado em 1987 devido uma fusão de dois jornais universitários da UFRJ, o grupo Casseta & Planeta teve sua formação original com os seguintes integrantes: Bussunda (centro), Cláudio, Hubert e Marcelo (à direita) e Hélio, Reinaldo e Beto Silva [Foto: Globoplay]
Se eu pudesse resumir em uma palavra essa obra, diria que ela é surpreendente. Alguns elementos me chamaram atenção pela forma com a qual o humorista era conectado e profundamente interessado com a cultura popular: música, política, jornalismo e futebol, ele era um  caldeirão de zoação de todos essas áreas, com a diferença de que ele possuía um elevado grau de propriedade sobre esses assuntos. Estudante jubilado da faculdade de Jornalismo da UFRJ, fã ousado de Tim Maia e apaixonadamente flamenguista, Bussunda representava o que há de mais estereotipado do cidadão carioca gente fina. Aquele brother que só fala besteira, mas com um certo fundamento, sabe?

Entretanto, foi por meio das sátiras que nosso saudoso brincalhão concretizou sua arte de fazer os outros rirem. Incontáveis foram as suas imitações e paródias, ainda que, se analisadas a fundo, nem eram tecnicamente boas. A perfeição nas atuações dele estava ligada à capacidade de extrair o melhor do que era escrachado. A maestria de Bussunda se pautava em expor a chatice da vida real ao ridículo, tentando, de alguma maneira, suavizar o cotidiano conturbado de quem viveu no Brasil dos anos 1990. Tarefa esta que lhe rendeu tanto reconhecimento que era difícil para o comediante se desvincular do Bussunda e ser apenas o Cláudio nos momentos de sua vida privada.

A foto exibe Cláudio Manoel e Bussunda posando em frente da Torre Eiffel. Cláudio é um rapaz baixinho, negro e careca. Cláudio está ao lado esquerdo da imagem, vestindo camiseta de gola “v” vermelha e uma camisa jeans azul. Ao lado direito temos Bussunda com uma camiseta amarela, fazendo um gesto de punho cerrado típico do movimento punk-rock. 
A perigosa dupla das telinhas tinha uma amizade tão forte que Cláudio Manoel fez questão de dirigir o roteiro para poder homenagear seu fiel escudeiro da maneira mais leve possível, no entanto é difícil não chorar (Foto: Globoplay)

Recomendo esta obra-prima a todos que, neste momento difícil, precisam rir. As risadas, como sabiamente destacou Paulo Gustavo antes de nos deixar, são um ato de resistência. Bussunda tentou nos mostrar isso à sua maneira. Afinal, um homem que lidava bem com seu porte físico, mesmo não se adequando aos padrões convencionais estéticos, só poderia ser irreverente por si só. Seu lado cômico demonstrava muito seu lado humano, sensível. Dentre suas diferentes facetas que são lembradas por seus amigos e familiares, a comum entre todas elas era o olhar que o mesmo depositava sobre o mundo.

Sobre esse olhar único e subjetivo, Júlia, filha de Bussunda, direciona o último trecho do documentário a partir de um viés no qual o protagonista enxergava uma filosofia de vida bastante peculiar, Bussundismo: mandamentos que ele seguia fielmente. O principal deles era não se preocupar com nada que não valesse à pena. E obviamente, o artista reconhecia que poucas coisas de fato valem a pena. E isso não significa ausência de consciência pelo coletivo, aos olhos de Bussunda a vida era preciosa demais para preocupações fúteis e as pessoas deveriam aprender a reconhecer seus erros. 

A imagem é dividida em duas fotos (partes). Ao lado esquerdo, a primeira foto retrata Júlia Besserman hoje em dia, com seus 27 anos de idade. Ela é branca, magra e usa óculos. Ela está com uma camisa de manga larga laranja, batom vermelho e óculos azul. Na foto à esquerda temos um retrato antigo de Bussunda. Ele veste camisa polo verde escura e ao seu lado direito está a pequena Júlia ainda criança. Ambos estão apontando a língua para a câmera.
Júlia considera algumas brincadeiras feitas por seu pai um tanto problemáticas, mas reconhece que todas elas faziam parte de um contexto da época e que seu pai provavelmente as repensaria se estivesse vivo hoje em dia (Foto: Globoplay)

Aos 43 anos de idade, no meio de uma Copa do Mundo (2006), o Brasil se despedia de uma lenda. Bussunda nos deixou com tantas incógnitas, semelhante às que foram deixadas por Paulo Gustavo este ano. Não aprendemos e não tivemos tempo de dizer adeus a quem tanto nos fez bem. Como seria o Casseta & Planeta sem suas peripécias, bizarrices e seu jeito torto de denúncia mesclado com ironia? “Uma tremenda sacanagem aí, fala sério!”. Pois bem, devemos agradecer os envolvidos na produção deste documentário, tanto pelo excelente trabalho biográfico como pela proeza de ter reunido vários colegas e amigos de Bussunda desde a época de sua infância. O encerramento de Meu Amigo Bussunda é um grande até logo, ou como diria Bussunda: um beijo na bunda.

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