Melhores discos de Abril/2017

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Adriano Arrigo, Gabriel Leite, Matheus Fernandes e Nilo Vieira.

De volta do recesso com os dois pés no peito! Esprememos até a última gota, inclusive nos feriados, para trazer a seleção mais top possível. Ainda que a safra do mês anterior tenha sido mais empolgante, abril trouxe alguns dos discos mais aguardados no mainstream, além de pepitas underground. Cá vão nossos favoritos:

 

actress

Actress – AZD

outsider house, techno

Actress é o pseudônimo do produtor britânico Darren J. Cunningham que já conta com cinco discos completos em sua carreira. Seu último disco, AZD, é uma junção de conceitos, sons e o melhor do outsider house, termo usado para diferenciar uma produção eletrônica, porém barulhenta, introspectiva e levemente conceitual. Em AZD, Cunningham mostra uma obra um pouco hermética em seus conceitos, mas que se abre quando analisadas somente pelos sons emitidos.

Podemos começar na dupla “NIMBUS” e “UNTITLED 7”. Nelas, minimalisticamente há a construção de um cenário nebuloso numa pista de dança que não parece terrestre. “X22RME” apresenta camadas que dialogam com a cenário montado em “BLUE WINDOW” e, assim, formam uma certa homogeneidade ao disco que parecem girar em torno de um cenário nebuloso. Como prova, temos o universo a parte de “DANCING IN THE SMOKE”. Dance, hear my record spin, diz a voz na música enquanto curtos-circuitos, guerra de naves e um som nauseante vai dirigindo a faixa mais interessante do disco.

São muitas as histórias interessantes que AZD traz. E quando estamos falando de Actress, é difícil decifrá-las completamente. Mas o triunfo de disco reside nas faixas que tomam o imaginário do ouvinte, mesmo que, muitas vezes, elas estejam focadas no interior de Cunningham. (AA)


arca

Arca – Arca

experimental, pop, eletrônico

Com a possibilidade de usar sua própria voz como instrumento, em Arca, o novo disco homônimo do jovem produtor venezuelano Alejandro Ghersi, temos a construção de ambientações obscuras em equilíbrio com um alto teor homoerótico. As faixas “Piel”, “Corage” e “Anoche” são momentos em que esse ambiente cresce lentamente até serem flechados por sua doce e sofrida voz. O sado-pop de “Desafío” diz ama-me, ata-me e decapitado / olha-me, penetre-me e devora-me. No disco, parece que o imaginário homoerótico funciona como forma de libertar os demônios de Ghersi.

De outro lado, as experimentações puras que marcam sua carreira continuam. Em “Santer” (que parece ter escapado de Xen, seu disco de 2014) “Urchin”, “Castration” e nos chicotes de “Whip” vemos, mais uma vez, o brilhar desse jovem produtor latino que mostra há algum tempo sua potência em agregar material não convencional a música pop internacional. Somadas ainda as suas performances em vídeo, Arca é uma das melhores produções experimentais do ano até o momento e que vem como um perturbado meteoro atingir em cheio o ano de 2017. (AA)


feist

Feist – Pleasure

folk indie lo-fi

Um argumento recorrente para desqualificar obras pouco complexas do ponto de vista técnico é o de que “qualquer um poderia ter feito isso”. Desde A fonte de Duchamp a Kurt Cobain, detratores caem no mesmo discurso preguiçoso e conservador, como se a arte estivesse condicionada a uma série de regras ou métodos práticos, tal qual a ciência.

A ala alternativa da música sofre esse tipo de crítica desde sempre. No caso do folk, artistas como Neutral Milk Hotel e The Microphones originaram uma espécie de fórmula do folk “hipster” – gravação propositadamente precária, instrumentações minimalistas, interpretação visceral –, mais subjetivo que técnico, mas não menos complexo por isso.

Pleasure, primeiro álbum da canadense Feist desde 2011, exemplifica bem essas qualidades. A crueza das onze canções traz um intimismo peculiar; é quase possível visualizá-la tocando com sua banda em um quarto ou em uma espelunca qualquer – “Any Party”, inclusive, é encerrada por barulhos que remetem a um bar. Feist vai da quietude a la Neil Young (“A Man is Not His Song”) à fúria nua e crua de PJ Harvey (“Pleasure”) com a fluidez e a consistência de poucos, fazendo de Pleasure uma audição mais que satisfatória. (GL)


Gas_-_Narkopop

GAS – Narkopop

ambiente

Fundador do quintessencial selo eletrônico Kompakt, Wolfgang Voigt é conhecido além de seus inúmeros codinomes no mundo do técnico pelo projeto ambiente Gas. Em seus clássicos discos Zauberberg, Konigsforst e Pop, ajudou a redefinir o gênero nos anos 90, com a mistura de samples orquestrais manipulados e influências de techno em meio a complexas paisagens sonoras.

Depois de um hiato de 17 anos, Voigt retoma o projeto com Narkopop, um disco denso e cheio de texturas. Em um clima mais sombrio que o antecessor, Narkopop constrói um cenário meditativo, mas hostil, através do drone e dos samples distorcidos de suas 10 faixas, todas sem título. (MF)

joey badass

Joey Bada$$ – All-Amerikkkan Bada$$

hip hop

Em tempos marcados pela ascensão do conservadorismo político que inclui, entre outras coisas, o assassinato sistemático de minorias, o hip hop tem mais do que nunca reforçado seu papel como porta-voz das injustiças históricas que acometem a população negra. Joey Bada$$ se mostra profundamente sintonizado a esse contexto em All-Amerikkkan Bada$$.

O segundo disco do rapper do Brooklyn tem em seu DNA o boom bap jazzístico do medalhão Illmatic, de Nas, e o discurso forte do clássico moderno To Pimp a Butterfly, de Kendrick Lamar. Joey pode não ser tão profundo quanto os rappers supracitados, mas mensagens do cunho de All-Amerikkkan Bada$$ são sempre fundamentais. Uma boa pedida, inclusive para quem não é familiarizado com o gênero. (GL)


kendrick

Kendrick LamarDAMN.

hip hop

Em questão de um mês (ou de um single), o disco que não esperávamos para 2017 se tornou o mais aguardado do ano. Não pra menos: é o novo integrante da discografia mais consistente da década, e sucessor de uma das poucas unanimidades musicais dela, To Pimp a Butterfly. Como o rapper “repentinamente” daria sequência a um trabalho tão épico?

A fim de evitar que a grandiosidade ascendente de sua carreira descambasse para a pompa, a resposta veio com um álbum mais cru. A produção mostra um retorno às raízes do hip hop, mas utilizando de parâmetros do presente, da mesma forma que o discurso afiado trata de questões contemporâneas tendo a ciência de suas estruturas de origem.

Com um repertório mais conciso e uma abordagem que ainda se mostra ambiciosa em seu minimalismo, Kendrick Lamar se mantém isolado como o grande músico dos anos 2010. Seja em hits bombásticos ou no conjunto cuidadosamente arquitetado, com bases secas ou repletas de camadas, ele é gigante por si só. Até mesmo o hype ficou pequeno. (NV)


sufjan

Sufjan Stevens – Carrie & Lowell Live

indie folk

Com o advento do YouTube, hoje o espectador pode não apenas acompanhar concertos em tempo real como é capaz de acessar um extenso catálogo de registros de seu artista de escolha, e assim montar uma coletânea pessoal com performances e faixas seletas. Lançamentos ao vivo, especialmente de artistas mais recentes, acabam sendo substituídos por um link para streaming.

No entanto, toda regra tem exceções. É o caso da nova empreitada do multi-instrumentista Sufjan Stevens, que alia um set matador a novas roupagens para as canções. O intimismo de Carrie & Lowell ganha ares expansionistas, com seu violão suave dividindo espaço com fritações de teclado no melhor estilo King Crimson e seções barulhentas à la Godspeed You! Black Emperor. O poder do original é realçado, ao passo em que o produto novo se mostra legítimo ao ir além.

A banda de apoio (composta por 5 pessoas, que parecem valer por 50), afiadíssima – meu destaque pessoal vai para os vocais de apoio, de fazer até pedra se emocionar -, acompanha o alto nível de Sufjan e a bela produção do palco não poderia ser mais correta. De brinde, ainda tem um cover divertido de “Hotline Bling” no fim, pra aliviar as lágrimas inevitáveis. (NV)

Sufjan Stevens – Carrie & Lowell Live from Asthmatic Kitty Records on Vimeo.


V/A – Miracle Steps (Music From the Fourth World 1983-2017)

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ambiente

Cunhado por Jon Hassell, compositor conhecido por suas colaborações com La Monte Young, Terry Riley e Brian Eno, o termo “Fourth World” (quarto mundo, em tradução literal) simbolizaria a união entre as técnicas do minimalismo vanguardista com a música não-ocidental e suas particularidades. Essa ideia culminaria em Possible Musics, álbum em parceria com Brian Eno.

A partir desse conceito de um quarto mundo musical surge a compilação Miracle Steps, organizada pelo selo escocês Optimo. Aqui são reunidos 35 anos de artistas de diferentes países que misturam sons eletrônicos com a percussão dos ritmos africanos, flautas árabes e até os banjos do bluegrass, parte esquecida da música americana. (MF)


V/A – Mono No Aware

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ambiente

Em um mês com discos de nomes consolidados como GAS e Ryuichi Sakamoto, o ambiente também mostra sinais de sua renovação na compilação Mono no Aware, organizada pelo selo experimental PAN.

No álbum, cujo nome significa “a sensibilidade com a efemeridade das coisas”, 16 faixas de artistas ainda pouco conhecidos atacam o gênero por diversas frentes, de colagens sonoras ao pop hipnagógico ao drone, em um intricado trabalho de curadoria que dá coesão quase perfeita aos trabalhos. Vale lembrar, há poucos anos um dos destaques eletrônicos da década, Oneohtrix Point Never, era presença certa nesse tipo de compilação, motivo para ficar de olho no futuro dos participantes. (MF)


xosar

Xosar – Xymeria

eletrônico

Ok, vamos tirar essa pedra do caminho logo: é longo, bem longo, muito longo. Não é demérito algum, visto que as novas 17 faixas da produtora Sheela Rahman fornecem variação suficiente (temos ambientações vaporwave, batidas techno e pitadas de house) para o disco se sustentar. Felizmente, o conceito futurista onipresente nos 84 minutos do álbum amarra as diferentes facetas dele em uma identidade única, evitando que o projeto caia no já famigerado formato de álbum-playlist.

Não é uma audição fácil e muito menos imediata, mas muito recompensadora para aqueles que tiverem paciência e insistirem. O futuro soa nebuloso e classudo; disponível de graça via Bandcamp, é um filme cyberpunk mais convincente que o remake de Ghost in the Shell. (NV)

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