Entre cinebiografias e ficções, a categoria de Melhor Atriz é formada apenas por figuras que esbarram na maternidade
Todo ano a categoria de Melhor Atriz gera um dos maiores burburinhos do Oscar, e em 2022 não tem como ser diferente. Além do repeteco do cenário passado, quando nenhuma concorrente fez a rapa nos precursores, a disputa de agora vê 5 mulheres consagradas na indústria, em papéis fortes, encorpados e marcantes. E, como coincidência do destino, todas interpretam mães. Porém, como a ausência de correlações entre as suas obras e a categoria principal denota um ponto negativo da Academia: ela parece não se importar o suficiente com histórias sobre a figura da mulher.
Diferente da disputa masculina, onde 2 dos 5 indicados tem os filmes na briga pelo prêmio máximo, Melhor Atriz vê um descaso com suas produções. Se somadas todas as indicações angariadas por Os Olhos de Tammy Faye, A Filha Perdida, Mães Paralelas, Apresentando os Ricardos e Spencer, chegamos ao número 11. Ataque dos Cães, filme mais reconhecido da noite, soma 12. Duna, o segundo colocado, tem 10. Qual o problema do Oscar com os filmes sobre mulheres? E não é como se não houvessem mulheres protagonistas nos indicados a Melhor Filme. Rachel Zegler (Amor, Sublime Amor), Emilia Jones (CODA), Alana Haim (Licorice Pizza) estão todas lá, mas não aqui.
Na verdade, a leva de 2022 foi tão boa que seria possível construir uma lista com outras cinco atrizes merecedoras de reconhecimento. Além das já citadas, entrariam tranquilamente na disputa os trabalhos de Tessa Thompson (Identidade) e Renate Reinsve (A Pior Pessoa do Mundo). Enquanto West Side Story e Licorice Pizza têm mais de uma pessoa no posto de principal, são filmes contados sob o ponto de vista predominantemente masculino. CODA, por outro lado, escrito e dirigido por uma mulher, tem ponto de vista feminino, mas sua protagonista só foi reconhecida no júri do BAFTA.
Existe uma resistência maciça em reconhecer narrativas femininas. Não faz nem três anos que vários votantes da Academia se recusaram a participar das exibições de Adoráveis Mulheres, de Greta Gerwig. O motivo nem é preciso dizer, certo? Passa ano, chega ano e o cenário continua desfavorável para elas, por mais que recordes sejam quebrados e barreiras, ultrapassadas. Em 2022, a maioria da categoria de Atriz é formada por filmes biográficos, enquanto os dois quintos restantes provêm de narrativas fictícias.
Jessica Chastain dá vida a uma Tammy Faye que experimenta tudo, da ascensão à queda e o esquecimento, tornando o que era uma figura caricata e cômica para a mídia em uma mulher fragilizada mas nunca covarde. Olivia Colman se engancha em Maggie Gyllenhaal e transpõe a mística de Elena Ferrante para as telas na forma de uma ácida Leda, a figura materna mais controversa da temporada. Penélope Cruz é recrutada por Almodóvar para revisitar os traumas da ferida do franquismo pelos olhos de Janis e, no percurso, reavaliar o significado da maternidade e os limites de um amor incondicional.
Nicole Kidman é colocada nas saias e na peruca ruiva de Lucille Ball e, na semana de mentirinha mais conturbada da vida do casal por trás de I Love Lucy, a personagem é posta à teste, sendo atravessada pela ideia de ser mãe, tanto na vida real quanto nos televisores de todos os americanos. Por fim, Kristen Stewart encara a Princesa Diana de peito aberto e postura de campeã. Quebradiça, mas resiliente, a Lady enxerga nos filhos os únicos pontos de calcificação dos ossos sentimentais que lhe foram estraçalhados. Juntas, Tammy, Leda, Janis, Lucille e Diana representam a exuberância e a intensidade das mulheres e das mães no Oscar 2022.
Jessica Chastain por Vitor Evangelista
De fato, Jessica Michelle Chastain pode fazer de tudo. Surgindo na TV em pequenas participações, que passam por Plantão Médico (E.R.), Veronica Mars e Law & Order, foi em 2011 que o mundo teve o prazer de vê-la numa tela grande. O filme da vez era A Árvore da Vida, o apogeu de Terrence Mallick; mas se engana quem pensa que a ruiva parou por ali. Naquele mesmo ano, Chastain trabalhou em O Abrigo (Take Shelter) e no que provavelmente se tornou seu papel mais conhecido até então, responsável por sua primeira indicação ao Oscar: Histórias Cruzadas (The Help).
Embora levante discussões que dizem respeito ao caráter e as intenções da história até hoje, foi na obra de Tate Taylor que Chastain subiu um degrau na escada de Hollywood. Dois anos mais tarde, e dessa vez guiada pela direção de Kathryn Bigelow, parecia ter chegado a hora da atriz receber o prêmio da Academia pela performance arrebatadora e claustrofóbica de A Hora Mais Escura (Zero Dark Thirty), mas a extravagância e a espontaneidade de uma Jennifer Lawrence no foguete da popularidade acabou caminhando, aos tropeços, até o palco e o envelope premiado daquela edição.
Dali em diante, a artista experimentou o terror em Mama, os dois lados do amor no experimental The Disappearance of Eleanor Rigby: Them, o perfeccionismo em Interestelar, o perigo em O Ano Mais Violento e o horror em A Colina Escarlate. Em 2017, protagonizou a estreia como diretor de Aaron Sorkin, A Grande Jogada. Porém, o salto de popularidade aconteceu mais tarde, com o combo X-Men: Fênix Negra e It: Capítulo Dois. Em 2021, além de estrelar e produzir o filme com faro de prêmio, Chastain cortou o coração e fez sangrar a dor ao lado de Oscar Isaac na minissérie Cenas de um Casamento, que pode render uma indicação inédita ao Emmy.
O projeto de Tammy Faye surgiu como forma de documentário na virada do século, e não demorou para que, alguns anos depois, Chastain adquirisse os direitos da obra e transformasse essa oportunidade em um veículo até a temporada de premiações. Prestigiada com menções no círculo da crítica, ela se viu aclamada e premiada em termômetros como o Critics Choice Awards e, mais importante ainda, o Sindicato dos Atores, parcela mais farta entre os votantes da Academia. O motivo de tanto burburinho e condecorações é o trabalho dedicado que ela desempenha no filme de Michael Showalter.
Longe de se destacar por questões de narrativa ou de roteiro, Os Olhos de Tammy Faye é o show particular da ruiva, que ficou irreconhecível para viver a televangelista mais famosa dos Estados Unidos. Com empenho e longas horas na cadeira de maquiagem, Jessica desapareceu para que Tammy viesse à vida. Entretanto, por mais que os exageros e as bochechas excessivamente rígidas chamem atenção, é no tratamento das sutilezas que o trabalho da atriz melhor ganha forma. Em um momento onde vê a vizinha atacá-la com ódio e repugnação, Tammy escolhe a outra via e a repreende com zelo e afeto.
Chastain internaliza tudo que sua personagem sofreu, uma mulher alvo de críticas desde sua aparência até os negócios que fazia na TV, e o grande esquema de corrupção que colocou o marido na cadeia. Mesmo que a maternidade não seja figura central da trama, a questão da gravidez se revela um ponto de fricção do texto e, para além da visão mais simplista da mãe como progenitora, a produção ressalta o caráter materno de Tammy para com seu público, cativo e grudado ao aparelho televisor a cada vez que ela louva a Deus e, no processo, busca redenção. Redenção da população feroz, do Deus misericordioso, do expurgo da alma, e Chastain atravessa cada estado de desordem e dor com euforia, perseverança e muita fé.
Olivia Colman por Bruno Andrade
Antes de ser reconhecida como uma atriz multifacetada, capaz de dar vida a qualquer papel com maestria, Sarah Caroline Olivia Colman foi frequentemente retratada pela mídia britânica como uma promissora atriz de Comédia. A carreira da artista inglesa teve início em séries cômicas do Reino Unido, com o começo definitivo no seriado Bruiser (2000), da BBC, mas com a verdadeira aclamação pelo público na sitcom Peep Show (2003). Isso porque, ao longo de sua carreira cinematográfica, diretores e produtores demoraram para compreender sua versatilidade. Quando a atriz começou a desvincular-se da pecha de “atriz de Comédia”, foi colocada em outra caixinha: atriz para interpretar “Mãe”. O primeiro longa de Colman foi uma animação, Terkel in Trouble (2004), no qual deu voz a mãe do protagonista; no ano seguinte, fez um pequeno curta-metragem, One Day, em que também interpretou uma mãe. Porém, em Tyrannosaur (2011), a crítica inglesa entendeu o que Olivia Colman era capaz de fazer – embora, ao longo dos anos seguintes, sua representação como “Mãe” continuasse sendo explorada.
A atriz foi uma das estrelas em Fleabag (2016-2019), série na qual atuou como a madrasta da personagem homônima (Phoebe Waller-Bridge), e isso somente um ano depois de ter trabalhado pela primeira vez com o diretor grego Yorgos Lanthimos, no longa A Lagosta (2015). A parceria foi próspera, e em 2018, em decorrência de sua fabulosa interpretação da Rainha Anne em A Favorita – que, curiosamente, perdeu 17 filhos em sua vida (algo representado no longa) –, recebeu todos os holofotes. Houve, então, sua primeira indicação ao Oscar, seguida por sua primeira vitória. No discurso emocionante, revelou que treinava no espelho o que falar no momento em que abraçasse a estatueta, mas isso muitos anos antes, quando trabalhava como faxineira em residências domésticas e o sonho de viver da atuação parecia distante. Daí em diante, Colman não deixou de figurar nos principais prêmios do Cinema, e em 2022, com esta nomeação ao Oscar, soma 3 indicações num período de apenas 4 anos. No ano passado, ela também levou um Emmy Awards por sua interpretação da Rainha Elizabeth em The Crown.
Na adaptação do fabuloso livro de Elena Ferrante, Olivia Colman atinge um tipo sutil de grandeza, na qual elegância e força se cruzam, rendendo uma atuação primorosa. Na obra, ela dá vida a Leda – interpretada em sua juventude por Jessie Buckley –, uma mulher que decide passar suas férias em uma ilha grega e começa a ser confrontada diariamente, e de diferentes formas. Sob o comando de Maggie Gyllenhaal, A Filha Perdida emplaca, pela primeira vez, duas atrizes indicadas ao Oscar nas principais categorias após interpretaram a mesma personagem em um mesmo filme, além de ser o único longa, na lista das mulheres indicadas a Melhor Atriz, dirigido por uma mulher. A atuação de Colman também rendeu indicações ao Globo de Ouro, SAG Awards e Critics Choice Awards.
Leda é uma personagem complexa, que põe em voga, desde o início, questões sobre a maternidade, além de estar cercada por simbologias. Primeiramente, suas férias são conturbadas com a chegada de uma truculenta família na praia, cuja relação entre a jovem Nina (Dakota Johnson) e sua filha criança – que carrega uma boneca – trazem lembranças de sua própria relação familiar, quando, também na juventude e em uma idade possivelmente similar a de Nina, Leda deixou as duas filhas sob o cuidado do marido e seguiu sua vida longe delas. É interessante notar como diversas “filhas perdidas” orbitam a vida de Leda: suas próprias filhas sanguíneas, Bianca e Marta; a visão que Nina nutre acerca de Leda, enxergando-a como um ideal a ser seguido (como se fosse uma filha vislumbrando a mãe); a boneca perdida pela filha de Nina, que é “adotada” pela própria Leda; e a relação conturbada que a personagem teve com sua mãe na infância. Talvez a parte mais importante de A Filha Perdida seja a representação da autoconsciência angustiante que Leda possui – possivelmente o que levou Colman novamente à indicação de Melhor Atriz.
A personagem sabe como será – e de fato é – julgada por suas relações afetivas, tem ciência de suas escolhas e, mesmo assim, não consegue deixar de enxergar em Nina uma mãe que, em breve, terá seu futuro comprometido por expectativas que não pertencem a ela. Por essa razão, Leda não consegue deixar de ver a representação virtual do que foi o seu próprio passado, mas, quando é indagada sobre o tempo que passou longe das filhas, também não consegue mentir: “Foi maravilhoso, eu faria tudo de novo”. Junto a isso, a direção de Gyllenhaal reflete uma certa urgência de proximidade, inserindo closes intensos nos rostos das personagens e fazendo uma demonstração constante da quebra de espaço que Leda sofre (como na cena em que Lyle [Ed Harris] vai até sua casa para cozinhar uma lula, ou quando a personagem confunde seu carro com o do marido de Nina). Agora pense na carreira de Olivia Colman – seus altos e baixos na Comédia, sua representação constante de mães no Cinema e seu discurso do Oscar de 2019 –, e me responda: quem faria uma Leda melhor?
Penélope Cruz por Raquel Dutra
O nome de Penélope Cruz é precedido por uma das maiores afeições de Hollywood. Ela começou bem cedo, quando apresentava programas de auditório juvenis na Espanha aos 16 anos. Em 1992, dois anos depois de sua estreia na TV, ela brilhou pela primeira vez nos cinemas com Jamón, jamón, que apesar do sucesso da crítica, a colocou no lugar de “símbolo sexual” quando tinha apenas 18 anos, firmando uma fama que a perseguiria pelos seus trabalhos seguintes. Quando a indústria cinematográfica descobriu o apelo de Cruz, a colocou para estrelar Blow e Vanilla Sky, ambos de 2001, ao lado de nomes como Tom Cruise, Tilda Swinton e Johnny Depp (com quem trabalharia novamente em alto-mar) – antes de sua monstruosidade.
No entanto, sempre presente em produções independentes na Europa e aos poucos conquistando o apreço da crítica e circuitos de festivais, ela construiu seu nome através de trabalhos como Não Se Mova (2004), que a indicou ao Goya, o prêmio mais importante do Cinema espanhol que a acompanha desde sua estreia cinematográfica. Tudo mudou quando ela venceu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante em 2008 por Vicky Cristina Barcelona, direcionando todos os agradecimentos ao infame Woody Allen, cujas denúncias já eram deflagradas na época.
Mas foi pouco antes da virada do século que ela encorpou sua carreira e conheceu seu par perfeito – e não, não estamos falando de seu companheiro de vida e de Oscar 2022 Javier Bardem. Em 1997, Cruz participa de Carne Trêmula, seu primeiro trabalho com Pedro Almodóvar. A partir dali, a atriz iniciaria sua trajetória como a fiel intérprete das personagens femininas do diretor espanhol, seguindo com sua passagem um pouco mais notável em Tudo Sobre Minha Mãe (1999). O apogeu foi em 2006, com Volver, quando Penélope já era a atriz favorita declarada do cineasta e convenceu o Festival de Cannes, retornou vitoriosa ao Goya, estreou no Oscar no BAFTA, sendo lembrada também pelo SAG, Critics Choice e Globo de Ouro, num circuito impecável que ela voltaria a percorrer mais de 15 anos depois.
No universo Almodóvariano pela oitava vez, Penélope Cruz é Janis, o centro de Mães Paralelas, que direciona a experiência do diretor com personagens femininas e no tratamento da maternidade para criar uma analogia ao passado, presente e futuro da Espanha. Poupando detalhes da trama envolvente do filme, ao lado de Ana (Milena Smit), a protagonista Janis nos apresenta uma mãe cheia de camadas de dores e sabedoria, exatamente como deve ser um retrato que se propõe a contemplar uma das vivências mais complexas da humanidade. Mas para um contexto que tende a rejeitar a apreciação de histórias sobre experiências femininas, a indicação da protagonista de Mães Paralelas ao Oscar – onde também foi nomeado pela trilha sonora de Alberto Iglesias – ensaia uma imagem vanguardista, mas acaba demonstrando o mesmo conservadorismo de sempre da Academia.
É que a narrativa do espanhol, por mais representativa e sincera que seja, ainda parte de uma perspectiva masculina e um tanto adocicada pela sua identidade exuberante. Graças ao tato e respeito que tem pelas suas personagens, Almodóvar é conhecido por driblar os crimes do male gaze. Então, longe de ser um defeito, isso é o que coloca a performance deslumbrante de Penélope Cruz à frente de personagens mais incisivas, criadas a partir da identificação direta de mulheres, como a de Olivia Colman na obra dirigida por Maggie Gyllenhaal a partir da adaptação do romance de Elena Ferrante.
A isso, soma-se também o já conhecido apreço que envolve Penélope Cruz, como uma das poucas atrizes de língua não-inglesa que encontra espaço no ambiente majoritariamente norte-americano, e o carinho que o mundo tem pela obra do diretor, especialista em construir belíssimas histórias identificáveis e em emplacar seus atores na premiação da Academia. E apesar de não ter sido lembrada nos prêmios precursores, Penélope Cruz é a continuação de uma tendência criada lá no Festival de Veneza, onde o filme estreou já garantindo o seu lugar como a Melhor Atriz de 2021 e prometendo a sua indicação ao Oscar. Dentre as mães de 2022, a Janis de Almodóvar e Cruz ascende como a beleza mais atraente que pode existir da vivência complexa de uma mulher com a maternidade.
Nicole Kidman por Vitória Silva
Nicole Kidman tem se provado cada vez mais como uma das grandes camaleoas do ramo da atuação. Com uma carreira que já acumula quase 40 anos, é difícil ver o nome da australiana cair no esquecimento, em qualquer momento que seja. Sua notabilidade na indústria iniciou-se em 2001, com o aclamado musical Moulin Rouge, que rendeu sua primeira indicação ao Oscar, já na categoria de Melhor Atriz. E não demorou muito para que ela conseguisse se consagrar, de fato, perante à Academia.
A primeira conquista ao careca dourado ocorreu no ano seguinte, na mesma categoria, pela performance quase irreconhecível como a lendária escritora Virginia Woolf, em As Horas. A caracterização impecável provocou até uma menção por Denzel Washington ao anunciar a vencedora: “Por um nariz, Nicole Kidman”. E foi um feito ainda mais poderoso considerando que, durante as gravações, a atriz estava passando por um período de depressão, decorrente do divórcio turbulento com o ator Tom Cruise, pai de seus dois filhos mais velhos, Isabella e Connor. De certa forma, essa fase ainda encontrou-se pessoalmente com a trajetória da própria personagem a quem deu vida.
Quase 20 anos depois, o cenário já não era mais tão frutífero para a atriz. Já com 54 anos, Nicole passou por um significativo apagamento em sua carreira, considerando uma indústria que despreza mulheres mais velhas para ganharem papéis de destaque. A idade sempre foi motivo de insegurança para a própria, que por muito pensou que não teria mais sucesso após os 30 anos, mas não foi suficiente para que caísse no esquecimento. Na atualidade, Kidman tem engatado em um projeto atrás do outro. Sua parceria com o produtor David E. Kelley rendeu seus sucessos mais recentes no meio televisivo, com Big Little Lies, – com o qual conquistou dois Emmys – The Undoing e Nove Desconhecidos. Em seus futuros lançamentos, está o provável retorno ao universo de Aquaman e a nova série antológica da Apple TV+, Roar, das mesmas criadoras de Glow.
Em meio a avalanche de novas produções, Kidman integrou o novo filme de Aaron Sorkin, Apresentando os Ricardos, produzido e distribuído pelo Amazon Prime Video. Ainda na onda de afeição por narrativas históricas, o diretor decide centrar-se no notável casal Lucille Ball e Desi Arnaz, protagonistas de I Love Lucy, uma das sitcoms mais importantes da história da Televisão norte-americana. Com um roteiro e direção que, mais uma vez, bagunçam os acontecimentos da realidade, unidos aos mesmos flashbacks frenéticos de Os 7 de Chicago, e narradores que não ajudam em muita coisa, Sorkin cria uma salada mista confusa e problemática. Mesmo em meio a uma escolha não muito certeira, Nicole Kidman encontra seu espaço para brilhar na pele da intérprete de Lucy Ricardo.
Afinal, a produção não poderia focar em outra pessoa senão um dos rostos mais memoráveis do meio televisivo. O longa tem como premissa a polêmica filiação da atriz ao Partido Comunista, que emenda nas crises de seu casamento com o personagem de Javier Bardem e em uma gravidez inesperada. Com uma obra que não decide em que tema se aprofundar, a atriz acaba por dominar todos os espaços, com uma atuação admirável, que escancara minuciosamente os trejeitos e as diferentes facetas de Lucille Ball, em frente e por trás das câmeras. Mas que dificilmente será suficiente para condecorá-la como Melhor Atriz novamente, levando em consideração as sucessivas perdas ao longo da temporada de premiações depois de vencer o Globo de Ouro.
No aspecto da maternidade, a personagem também sai perdendo se formos comparar a outros nomes da categoria. Porém, não é de se tirar o mérito por completo, por Apresentando os Ricardos retratar um dos atos mais revolucionários da história da Televisão, em que se trouxe pela primeira vez uma mulher grávida para as telas, numa época em que o conservadorismo asqueroso não era capaz de aceitar qualquer alusão sexual – quem dirá vindo de uma figura feminina.
Kristen Stewart por Vitória Lopes Gomez
Em pleno 2022, existe alguém que não saiba quem é Kristen Stewart? Com pouco mais de trinta anos, a atriz já pode se considerar veterana: entre atuação, roteiro e direção, vinte deles foram dedicados ao Cinema. Começando cedo, aos 11 anos, a atriz estreou em Encontros do Destino (2001) e, um ano depois, ganhou destaque com seu papel em O Quarto do Pânico (2002). Daí pra frente, não teve pra ninguém. Stewart participou de dramas, suspenses e até ficção científica, alternando entre grandes produções, como Zathura: Uma Aventura Espacial (2005), e outras independentes, como Na Natureza Selvagem (2005).
Até que emplacou o papel que a levou ao estrelato: como Bella Swan, na franquia de cinco filmes adaptados da Saga Crepúsculo, Kristen Stewart se tornou mundialmente famosa já aos 18 anos, e a atriz mais bem paga de Hollywood em 2011. O sucesso a levou a outros blockbusters, como A Branca de Neve e o Caçador (2012), mas, no meio tempo, a atriz alternava as grandes produções com filmes menores e selecionados à dedo, como The Runaways (2010) e Na Estrada (2012). Porém, entre as críticas e os ataques pelo papel da protagonista da franquia de vampiros, e os relacionamentos amorosos e aspectos da vida pessoal da artista virando um espetáculo midiático, ela escapou de Hollywood.
A decisão de Kristen Stewart, porém, foi certeira. Se afastando da indústria hegemônica e blockbusterizada dos Estados Unidos, ela se dedicou, novamente, a produções independentes e artísticas. Sua colaboração com o diretor francês Olivier Assayas a rendeu um César como Melhor Atriz Coadjuvante por Acima das Nuvens (2014), a tornando a primeira estadunidense a receber o troféu do Oscar francês. Para Sempre Alice (2014) a rendeu elogios e visibilidade ao premiar Julianne Moore com o Oscar de Melhor Atriz. Personal Shopper (2016), de Assayas e protagonizado por Stewart, concorreu à Palma de Ouro do Festival de Cannes. Entre esses e outros pontos altos em sua carreira, Kristen Stewart finalmente foi reconhecida por sua versatilidade e passou a escolher a dedo seus papéis. Recentemente, ela participou do remake de As Panteras, do suspense Ameaça Profunda, da comédia natalina Alguém Avisa? e, agora, do premiado Spencer.
Vinte anos depois de seu início, Kristen Stewart chegou ao Oscar. Indicada em praticamente todas as competições da temporada de premiações de 2022, mas esnobada do SAG Awards, a descrença na nomeação da atriz se converteu em glória. Entre tantas possíveis aparições de Spencer e seus realizadores nas indicações da Academia, a dela, na categoria Melhor Atriz, brilhou como a única. No filme, Stewart assume o desafio de interpretar a Princesa Diana, personalidade que já ganhou inúmeras releituras, e, na versão da norte-americana, chega o mais próximo possível no que diz respeito à postura e aos maneirismos da Lady Di real.
Porém, parte importante do papel – e da persona a qual se inspira – é a maternidade, e Kristen Stewart não é mãe. Mesmo assim, enquanto se aprofundava nas nuances da personagem, a atriz soube imediatamente que a dedicação dela pelos dois filhos, os príncipes William e Harry, seria parte essencial do retrato o qual mirava. Como a própria artista afirmou, a ligação entre os três era latente e, se ela não pudesse transmitir nas telas essa relação, não conseguiria interpretar a figura real da Princesa corretamente.
Foi com a atriz à frente do filme que a produção recebeu seu maior número de indicações. Outras menções, menos constantes e mais dispersas entre as premiações, incluíram Melhor Diretor, para Pablo Larraín; Melhor Fotografia, para Claire Mathon; e Melhor Filme (que não se repetiram no Oscar). A estrela, além dos reconhecimentos e do sucesso da crítica, também foi homenageada com um Tributo à sua Carreira no Gotham Awards, premiação de filmes independentes. Em Spencer, Kristen Stewart não só transmite a máxima devoção de Diana pelos filhos, em uma performance arrebatadora, como prova que seu lugar é fazendo os papéis que ela bem entender.