Caroline Campos
A luta contra a dependência está longe de ser uma caminhada tranquila. De acordo com o levantamento de 2013 feito pela Universidade Federal de São Paulo, Unifesp, mais de 8 milhões de brasileiros são dependentes de drogas como o álcool, a cocaína e derivados. Luz Acesa, documentário do cineasta Guilherme Coelho, seleciona 5 dessas pessoas para coletar relatos sensíveis e acolhedores sobre o vício e sua recuperação – o começo, o fundo do poço, a busca por ajuda e o apoio da família.
O resultado final foi exibido na 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, na seleção de filmes gratuitos da Mostra Brasil. Guilherme, documentarista reconhecido em festivais como o de Berlim e do Rio, acompanhou reuniões de um grupo de mútua-ajuda para o uso abusivo de álcool e drogas no Rio de Janeiro. O que era para ser um filme de ficção, fez o cineasta mudar os rumos e voltar para o gênero que havia o consagrado, tamanha a experiência e a transformação pela qual passou nos encontros.
Assim, conhecemos Rogério, Ricardo, José Ricardo, Fernanda e Zé Henrique, cada um com visões diferentes da própria dependência e das perspectivas de recuperação. As entrevistas são bem conduzidas, dando a sensação de proximidade e conforto com os personagens, todos extremamente abertos em relação às trajetórias instáveis e impressionantes. Em apenas 70 minutos, a atmosfera de resistência que Luz Acesa oferece atrai o espectador – principalmente aqueles que já presenciaram o abismo da droga, seja com um familiar ou com o eu próprio.
Rogério é um artista plástico que ressignifica embalagens de remédio com pinturas. Entre os entrevistados, é o único que acredita que o vício não é uma doença, mas, sim, um hábito muito inserido no meio social. Em certo momento, Guilherme pergunta o que na vida se resolve ao parar de beber. “Não resolve nada. Só melhora”, afirma Rogério, dono de brincadeiras e sugestões para com a câmera e repleto de animação contagiante para o carnaval de luzes na noite do Rio.
No entanto, Fernanda, única mulher entrevistada pela equipe, enfatiza o contrário. “É uma doença incurável, progressiva, de término fatal e o pior – mata desmoralizando”, declara corajosamente a atleta, que resolveu dar a cara a tapa e vencer o anonimato em que mulheres se colocam durante o uso de substâncias. Para elas, o machismo deixa mais difícil pedir ajuda, até mesmo dentro de reuniões. Fernanda tem um destaque necessário na narrativa, que trabalha a relação dela com Ricardo e José Ricardo, que se conheceram em visitas à clínica onde ela estava internada.
Tal relação ganha um encontro no final do longa. Ricardo, que está limpo há mais de 20 anos, relata como a pressão, a inadequação na família e a baixa autoestima levaram-no a se isolar do seu meio social e encontrar nas drogas um mundo acolhedor – infelizmente, é o padrão onde as substâncias se proliferam. Hoje, ele é padrinho de José Ricardo, que mora no Morro dos Prazeres, zona Sul do Rio – suas histórias ressaltam a criminalidade na cidade, desde a violência policial até a tentação ao passar pelo ponto de drogas todo dia no caminho do trabalho.
Zé Henrique, entretanto, recebe foco em apenas algumas cenas na obra. O aposentado conta a dificuldade de viver uma vida careta, sem entorpecentes. Com a falta delas, somos obrigados a nos voltar a nós mesmos para encarar os problemas e desafios que o dia-a-dia nos impõe. Mas, quando os resolvemos, o mérito é nosso, sob nosso controle. “Quem bebe social… mente”, brinca Zé Henrique.
Todas as cinco histórias são marcadas pela luta para sobreviver, e, depois, para conseguir voltar a viver. Luz Acesa mostra como o acolhimento é vital para a recuperação e que nenhum dos viciados deixa de ser forte por ter se perdido nesse meio. A direção de Coelho é fluida e intercala bem os momentos com a cronologia das histórias, utilizando a sensibilidade que o tema merece. A batalha não é fácil, e ter força, uma hora, cansa.
Luz Acesa é um retrato de esperança. É entender a rede de apoio que cerca cada ser humano e saber que, algumas vezes, é necessário recorrer a ela – não é à toa que o cineasta opta por entrevistar membros das famílias, também. O vício coloca em prova nós mesmos e o amor que temos pela vida, e a obra de Guilherme Coelho traz a humanidade necessária que os adictos já são tão privados. No fim, há uma luz; e enquanto ela estiver acesa, sabemos que o caminho pode ser encontrado.