Los Hermanos: Amor e Ódio

loshermanos2A banda no show de São Paulo (foto: Vinícius Gálico)

Vinícius Gálico

O cenário musical brasileiro de 2015 foi marcado pelo inesperado reencontro da banda Los Hermanos. A princípio seria apenas uma apresentação no aniversário de 450 anos da cidade do Rio de Janeiro, mas não demorou muito para que anunciassem mais dois shows na capital carioca, a fim de atender a demanda dos fãs. O anúncio se tornou viral nas redes sociais e fãs do país inteiro mobilizaram pedidos de shows em suas cidades. A partir disso, o que era pra ser um único show se transformou numa turnê nacional.

Ao todo foram 14 shows em dez capitais de norte a sul do país, onde quase 200 mil fãs da banda esgotaram os ingressos meses antes das apresentações. O primeiro show em São Paulo, no dia 24 de outubro, marcou o recorde de público da banda: mais de 30 mil pessoas lotaram a Arena Anhembi, em show com direito à  transmissão ao vivo pela televisão.

O sucesso da turnê e sua grande repercussão colocaram mais uma vez em voga diversas discussões a respeito dos Los Hermanos. Assim como não faltaram fãs apaixonados e fiéis ao som da banda – mesmo após oito anos do anúncio do recesso do grupo (e dez anos do ultimo álbum lançado), um séquito de detratores causou alvoroço nas redes sociais com críticas às musicas, à carreira do grupo e até mesmo à vida pessoal de seus integrantes, mantendo acesas as mesmas questões já discutidas desde o início do sucesso da banda.

Os Los Hermanos lançaram seu primeiro álbum, homônimo, em 1999, um sucesso absoluto. O álbum foi produzido por Rick Bonadio – famoso por emplacar bandas  e hits de sucesso, e que mais tarde seria um dos desafetos do grupo. Foram certificados com o Disco de Ouro pelos mais de 100 mil discos vendidos (chegariam a 300 mil), e o single “Anna Júlia” foi destaque em todas as rádios, além de hit do carnaval do ano seguinte. A ascensão meteórica os levou a tocarem em festivais por todo o Brasil e a serem presença constante na televisão. A banda possuía a fórmula para o sucesso com sua inovadora mistura das batidas do Ska e Hardcore, além das letras românticas e refrães marcantes. No entanto, a cobrança da gravadora (Abril Music) por novos hits e a crescente pressão por músicas com formatos cada vez mais comerciais e vendáveis ia à contramão da proposta musical dos Los Hermanos. Atender os caprichos da indústria fonográfica nunca foi o objetivo da banda.

Bloco do Eu Sozinho foi o segundo álbum do quarteto. Lançado em 2001, representou a ruptura da banda com o mainstream e um verdadeiro fracasso de vendas. Fugindo das tensões criadas pelas cobranças de novos sucessos radiofônicos ao estilo de “Anna Júlia”, a banda decide iniciar um retiro para a composição do novo disco. Foram dois meses de isolamento total em um sítio. O projeto do álbum não agradou a gravadora, que alegava não possuir hits potenciais como o antecessor. A Abril Music exigiu diversas alterações nas composições e uma nova mixagem. Apesar disso, a banda convence a gravadora a lançar o trabalho da forma como idealizaram e sem as alterações exigidas.

De fato o que se percebe entre um álbum e outro é a reinvenção da identidade da banda. O uso de acordes dissonantes nas guitarras era cada vez mais comum, assim como a utilização dos instrumentos afinados meio tom abaixo da escala. O emprego do naipe de metais em linhas melódicas (tal qual o trombone no samba) em contraposição ao uso rotineiro de metais em formato percussivo representou outra grande inovação. A estrutura musical passa a ser pensada de modo a fugir do padrão comercial usual: abre-se mão dos refrães “catárticos” clichês em diversas de suas composições, surgem letras cada vez mais complexas e subjetivas. A banda passa a flertar constantemente com o samba e a MPB, criando um estilo de rock não só autêntico e inovador, mas intrincado e cada vez mais difícil de definir.

Tamanhas transformações no estilo e na própria identidade da banda não foram bem recebidas por todos os fãs, apesar de serem bem conceituadas pela crítica especializada da época. Isso, somado ao baixo investimento na publicidade do disco (promos, clipes e etc.) e a falência da gravadora foram as principais causas para os somente 35 mil discos vendidos. A outra face da moeda é, novamente, o rompimento da banda com o mainstream e com a própria indústria fonográfica: se por um lado perderam muitos fãs e obtiveram vendas irrisórias com o seu segundo disco, por outro estabeleceram a própria identidade, além de representarem um marco para diversas novas bandas e estilos musicais no país.

Os Los Hermanos ainda lançariam mais dois álbuns antes do seu hiato, em 2007. Ventura (2003) e 4 (2005) marcaram a consolidação da banda. Foram aclamados por crítica e fãs, além de serem sucessos de venda – mesmo com o então recente fenômeno da pirataria, ambos foram premiados com Disco de Ouro.

São muitas as questões levantadas entre os fãs e os que odeiam a banda. As mudanças na forma de pensar e fazer música, a postura do grupo para com os fãs e a imprensa, a recusa ao apelo comercial e a própria identidade da banda são ferozmente discutidas. Parece não haver meio termo, muito menos consenso.

A polêmica da vez se dá justamente em meio a nova turnê da banda, mais especificamente em São Paulo, onde o quarteto bateu o seu recorde de público. A crítica especializada não poupou palavras para afirmar que o grupo fez um show desanimado, com pouca presença de palco e contato com os fãs. Citou também a incapacidade da banda em cativar novos fãs. Ora, palavras assim só podem ter sido escritas por alguém que sequer assistiu ao show pela televisão. A realidade em meio as mais de 30 mil pessoas presentes era outra, antagônica a descrita. Não se pode condenar o grupo por não possuir “presença de palco” ou não fazer uso do contato idealizado com os fãs a fim de cativá-los, todavia compreender em uma visão mais ampla que justamente essa postura, contramão do grande mercado musical, também faz parte da identidade e visão artística dos Los Hermanos. Fazer uso das lentes da indústria fonográfica para criticar a banda é gafe semelhante à de Monteiro Lobato ante a pintora Anita Malfatti em sua crítica “Paranóia ou Mistificação?”, quase 100 anos atrás.

Assim como o show estava longe de ser “morno” – expressão utilizada pela crítica, não faltaram novos fãs na apresentação. Em um dos momentos de interação com o público, Marcelo Camelo pergunta quem estava indo a um show do Los Hermanos pela primeira vez. Os gritos e as mãos levantadas eram incontáveis. Muitos na casa dos vinte anos, jovens demais no período em que a banda estava em atividade.

A apresentação em São Paulo, que durou pouco mais de duas horas, foi composta por um extenso setlist, com 29 músicas. Percorrendo toda a discografia da banda, o show foi aberto ao som de “O Vencedor” e teve a vibrante sequência “Quem sabe – Pierrot” no encerramento. O clássico – por muito tempo ausente do repertório – “Anna Júlia” integrou o bis, para a alegria dos fãs presentes.

O grande sucesso desta turnê, assim como toda a trajetória do grupo ao longo destes 16 anos não deixam dúvidas: entre o amor de muitos e o ódio de tantos outros, seguem sendo uma das maiores e mais influentes bandas do país.

 

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