Laís David e Mariana Chagas
Uma marca dos anos 2000 foi a introdução do YouTube na indústria da música. Além do grande consumo de videoclipes, a plataforma foi palco para a descoberta do que viriam a se tornar grandes nomes da música, como Justin Bieber e Shawn Mendes. E foi este o berço de Madison Beer, que lança em 2021 seu álbum de estreia, Life Support.
Originalmente de Nova Iorque, Madison ganhou destaque em 2012 ao divulgar covers de músicas soul na internet. Assim, ela conseguiu rápida ascensão e, em menos de um ano, foi contratada pelo empresário Scooter Braun e lançou seu single de estreia, Melodies. O bubblegum pop não alcançou bons números nos charts e levou à demissão de Beer. Apesar do ocorrido, Madison não desistiu e lançou seu EP As She Pleases de forma independente.
Com seu terceiro single, Home With You, a cantora ficou no top 20 das rádios americanas de pop, se transformando na primeira artista mulher e independente a atingir tal feito. Ela conseguiu atingir bons números e uma nova equipe. 3 anos depois, com muito mais maturidade, mas mantendo sua originalidade e talento, a jovem entrega aos fãs o tão esperado Life Support.
A era teve início conturbado. Contratada agora pela Epic Records, Beer lançou Dear Society em 2019, na esperança de poder divulgar a obra completa ainda em 2020. No entanto, a pandemia atrasou o calendário original de lançamento e, para Madison, o plano era esperar uma época mais oportuna para o lançamento ser seguido por uma turnê. Os meses passaram e, sem expectativas do fim do isolamento social, pareceu ser mais honesto divulgar seu material ainda em 2021. Sem dúvidas, ela fez a escolha correta. Life Support é um dos melhores debuts dos últimos tempos.
O grande nome por trás da produção detalhista do disco é Leroy James Clampitt, conhecido no meio artístico como Big Taste. O neozelandês produziu todo o álbum junto de Madison, que também assina como co-compositora e co-produtora das 17 faixas. Para uma artista de sua idade e alcance, é difícil exercer tanto controle criativo a ponto de produzir suas próprias canções. É talvez esse toque que deixa a obra tão introspectiva – muita das vezes, Life Support parece mais uma porta para o diário das angústias triviais de Madison do que apenas músicas pop mainstream.
Diagnosticada com transtorno borderline em 2019, Beer sempre foi muito aberta sobre sua saúde mental e não teve medo de introduzir a temática no álbum – e é por isso que a canção Effortlessly soa tão angustiante. A letra detalha a primeira experiência de Madison com medicamentos psicotrópicos – o sentimento de impotência ao perceber que ações cotidianas exigem de você mais do que você pode oferecer é assustador. Longe de vocabulários complexos ou alegorias confusas, é na simplicidade que Beer conquista seu martírio: “me machuque para que eu sinta/eu costumava fazer essas coisas tão facilmente, de alguma forma”.
O mesmo tema é discutido em Stay Numb and Carry On. Reiterando o título da música como um mantra, ela aborda seu transtorno de personalidade borderline seguido dos momentos de anedonia que a seguem. Com uma das produções mais agitadas, Beer parece desistir de encontrar meios saudáveis de lidar com seu próprio vazio. Em um álbum recheado de sentimentos, a faixa foge da curva ao discutir a falta deles: “eu me tornei insensível/meu coração não pode evitar, mas me pergunto onde está o sentimento/então só fico entorpecida e sigo em frente’’.
Sour Times soa como uma versão madura de Home With You. Se a primeira foi uma tentativa juvenil de se afastar de um pretendente incômodo, a última interpola esse conceito em uma carta franca de incapacidade emocional. Com o sample perceptível de Tame Impala, a canção se distancia de uma balada comum e utiliza de percussões sintéticas para demonstrar o peso de não estar preparada para se envolver emocionalmente com alguém.
Durante toda a sua carreira, Madison foi alvo de escândalos em torno de sua imagem pública. As controvérsias – de cirurgias plásticas até uma possível similaridade com Ariana Grande – a acompanham desde sua adolescência e, como detalhado em todo disco, formaram seu caráter. E ela não hesita em mostrar sua insegurança na obra: Stained Glass, primeiro single promocional do álbum, é o auge lírico de Madison. É emocionante escutá-la se comparando com um vitral, que em toda sua ternura, não mostra profundidade entre suas cores. É uma mensagem de promoção de empatia, e, de longe, uma ótica sobre a cultura do cancelamento que tanto a perseguiu.
Uma das sonoridades notáveis do álbum é a grande influência retrô dos anos cinquenta. Emotional Bruises é uma balada doo-wop, similar a suas contemporâneas mainstream Love on the Brain de Rihanna e This Love de Camila Cabello. Madison disserta sobre um amor abusivo de forma inventiva, como uma contagem regressiva anunciando o fim do relacionamento. A narrativa transforma a canção em um take cinematográfico onde não se vê a hora do fim: “porque esta é a quinta vez que eu te aceito de volta/é a quarta vez que temos uma recaída/é a terceira segunda chance que eu dei a você’’.
Uma das partes interessantes da produção das músicas é que Madison utiliza de diversos artifícios sonoros em suas composições. Iniciando com um som de papel rasgando, o primeiro verso de Emotional Bruises ecoa o som de uma carta sendo escrita e desfeita, em resposta à letra sobre ela não saber como pôr seus turbulentos sentimentos em palavras. E quando ela cita o nome do álbum, Life Support, é a sirene do monitor cardíaco que carrega o fim do verso.
Além da sonoridade do álbum, é fácil de perceber que os vocais de Madison são vigorosamente inspirados em artistas como Lana Del Rey e Ariana Grande. O maior exemplo é em Blue, produção à la Jack Antonoff. Usufruindo de metáforas com maquiagem e cores, ela traça linhas entre os objetos e relacionamentos que estão fadados a acabar. Já Default é tão curta que soa como um interlude que permeia o álbum, remetendo aos tons angelicais que marcaram o início da discografia de Del Rey, além de uma pitada da escuridão adolescente do universo de Lorde em Pure Heroine.
Uma das táticas artísticas que Beer introduziu em seu álbum é a ideia de que compor uma música é muito mais que escrever sobre relacionamentos falhos, amores incondicionais ou uma briga inconsequente. É também viajar por histórias e percorrer caminhos distintos, o que a artista faz muito bem em Homesick. Substituindo-se por um eu-lírico alienígena adotado por pais humanos, ela mostra muito bem o sentimento de não se encaixar bem em um ambiente e, em êxtase, partilhar desse sentimento com alguém. São temas corriqueiros, mas que fogem do senso comum com as alegorias descritas pela cantora.
Madison também é uma ávida consumidora de cultura pop – suas citações transbordam em sua obra, como foi com a referência certeira de Clube da Luta sob o violão sereno de Tyler Durden. Em Life Support, Madison não deixou escapar a chance de encaixar uma homenagem ao seu desenho favorito, Rick e Morty – fã assumida, é com um trecho da série que ela finaliza Homesick. Ela também referencia Matrix em Follow the White Rabbit, canção menos interessante da obra. O baixo repetitivo e os vocais dos versos que antecedem o refrão soam ásperos demais comparados às outras faixas de Life Support e poderiam ser melhor trabalhados com uma produção diferente.
E carregando o lugar de maior hit do álbum graças ao TikTok, Selfish é o diálogo mais sincero da artista. Nada fica de fora quando Madison confessa que passou quase dois anos ao lado de seu parceiro, mesmo sempre sabendo, no fundo, que não deveria estar ali. “Eu não deveria te amar, mas não pude evitar”. O momento mais interessante é, ironicamente, quando a canção acaba. Madison a finaliza com um grande suspiro – o ouvinte parece sentir o alívio que foi trazido por esse desabafo.
Além da parte mais sentimental, três faixas abastecem o lado alegre do álbum. Good in Goodbye, Baby e Boyshit são os hits radiofônicos da obra. Good in Goodbye, primeiro single de Life Support, exibe grande personalidade, apesar de parecer uma mistura de Ellise e Melanie Martinez. Baby é a canção que carrega menos autenticidade – as harpas e harmonias não compensam a letra clichê e destoam das outras composições mais inteligentes. Boyshit é a mais sagaz entre as três e o destaque pop: “você pode ter um jeito com as palavras/mas eu sou uma mulher /eu não consigo te entender/porque não falo essa linguagem merda de moleque”. Foi uma grande escolha para single e poderia até substituir Good in Goodbye como carro-chefe do CD.
Everything Happens for a Reason finaliza o disco em um grande tom de melancolia: a produção simplista e quase country mostra seu verdadeiro potencial vocal, muitas vezes escondido entre superproduções, synths e vocoders. Com uma pegada de despedida, Beer parece aceitar que tudo ocorre por um motivo. Em geral, Life Support é um ótimo começo para a carreira de Madison e tem tudo que um debut precisa: hits radiofônicos, baladas comoventes e composições originais.
Life Support é uma jornada entre a adolescência e a maioridade, o amor e a indiferença, a dor e a autoestima. A dicotomia de Beer ajuda a construir uma obra que expõe com tanta veracidade o que é estar vivo. Para uma artista que sempre sofreu com a exposição digital, Madison consegue provar sua individualidade sem exageros e toma partido em suas próprias narrativas. Não é perfeito – e nem tenta ser. É apenas a exposição de sua própria vulnerabilidade e um grito por socorro que, ao fim, parece ser ouvido.