Vitor Tenca
A cannabis faz parte da história humana por milhares de anos e tem tremendas propriedades além de sua mera utilização recreacional. Seu papel central para a compreensão do sistema endocanabinóide e sua relação especial com o sistema químico corpóreo a torna única, e ainda há muito a se descobrir. O que você sabe sobre cannabis? É com essa pergunta que o documentário La Planta, exibido na 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, vem nos instigar de uma forma sensível, informativa e, o mais importante, afirmativa.
O longa dirigido por Beto Brant nos traz logo de cara uma série das mais diversas histórias de vida. Daí que vemos toda a competência nas entrevistas de Cacho, Chuchú e Bati, Willy, Alejandro e Claudia que compartilham em suas trajetórias o tratamento de suas enfermidades à base da cannabis medicinal. Mas não é apenas a sensibilidade que toca o espectador – o choque é causado quando percebemos que, em nenhum dos casos, esse medicamento foi prescrito (vide que esse se encontra fora do receituário nacional uruguaio).
Nos casos mais específicos, uma nova batalha vem sendo travada pelo filme: o duelo entre quimioterapia e o tratamento com a maconha. Nisso se vê como existem muitos pormenores nos bastidores da utilização dessa planta, mesmo em países que já passaram por um processo de legalização. Na roda de conversa proporcionada pelo canal do YouTube da Mostra de São Paulo, Brant nos explica um pouco mais do assunto, visto que não são apenas as indústrias farmacêuticas que boicotam a cannabis, mas também os bancos que não creditam o dinheiro vindo desses fins – um exemplo real que Beto traz à tona é o fato das contas farmacêuticas no Canadá (país que investe nesses meios de produção), terem despencado em 11%.
A mescla Brasil-Uruguai permeia todos os 51 minutos de tela rolando, principalmente no que se trata dos cientistas e pesquisadores entrevistados. Por mais que os usuários desses medicamentos se mostrem dispostos a utilizar um produto provindo de uma planta, não quer dizer que as instituições públicas incentivem esses estudos, como explica cirurgicamente a neurofarmacóloga Cecília Scorza. Essa ideia é confirmada pelo químico Felipe Santos ao abordar a guerra às drogas, visto que sem um impulso governamental, o mercado clandestino mantém suprindo as demandas da sociedade, enquanto as vítimas são apenas de um lado.
Mas a produção canábica não se resume apenas a fábricas e indústrias, já que, na verdade a farmacopeia pode estar dentro de nossas próprias casas. Nos deparamos com situações desesperadoras que ganham uma alternativa por meio das produções artesanais – como o tocante caso das mães com filhos epilépticos no Uruguai mostrados no documentário, que se veem reféns desses métodos dado que a importação de remédios licenciados não é viável. Com isso, outro fator é colocado em mesa, dessa vez a questão de renda e status social que produzem uma disparidade no acesso ao medicamento legal.
E como uma espécie de marca d’água, o caráter afirmativo do filme vem para dar uma aula de concisão ao espectador. Do início ao fim, a mensagem é a mesma, La Planta não é uma denúncia, mas, sim, uma afirmação, da maneira mais positiva e interpretativa possível. Àqueles que possuem algum tipo de preconceito com os efeitos de uma simples planta, o filme é um convite, quase como um livro a ser estudado e, se não for das minhas palavras, que sejam dos próprios entrevistados: não sou psicólogo, nem médico, nem químico, nem nada, sou um ex-doente que lhes digo de coração que esta planta é o máximo.