Henrique Marinhos
John Wick 4: Baba Yaga reflete e pode ser definido pelo seu subgênero neo-noir, em sua exploração das complexidades do ser humano, desde seus conflitos internos até sua moral ambígua no contemporâneo. Ainda que a subcategoria o descreva tão bem, a ação e o suspense se sobressaem em função de sua construção, tanto pela direção de Chad Stahelski, à atuação do veterano Keanu Reeves. Em contrapartida às motivações triangulares – de construção simples, capazes de suportar grandes tensões e únicas –, todo desenrolar da narrativa segue a busca do protagonista pela vingança de um passado e uma esperança destruídos em atos simplórios em sua prequela, que ocasionaram uma sequência de desestruturações de escala mundial, reais e fictícias.
O epílogo da saga, de quase três horas, passa a impressão de ser insuficiente para fãs da trama e excessivo aos não familiarizados. Com cenas de ação intensas e quase longas demais, o filme amarra as pontas soltas da narrativa – como fazem os assassinos de aluguel – e apresenta adições orgânicas que, felizmente, ainda carregam suas nuances individuais, independente de sua trajetória.
Entre os novos personagens de Baba Yaga, se destacam Caine (Donnie Yen), um assassino cego da alta cúpula e velho amigo de John, que faz referência ao personagem Zatoichi da série de filmes japoneses de mesmo nome; Mr. Nobody (Shamier Anderson), um caçador de recompensas; e Akira, a filha de Shimazu Koji e concierge do Hotel Continental em Osaka, interpretada por Rina Sawayama. Sawayama foi selecionada para estrear no Cinema devido à exigência de coreografias da personagem, e suas produções XS e Bad Friend impressionaram Stahelski. O roteiro da obra também foi influenciado, segundo o roteirista Michael Finch, pelos clássicos de faroeste Era uma Vez no Oeste e O Bom, o Mau e o Feio; além dos das basilares perseguições cinematográficas feitas em Bullitt e Perseguidor Implacável.
Os diretores Chad Stahelski e David Leitch, ambos ex-dublês, trouxeram suas habilidades em artes marciais e experiência em cenas de ação para a franquia, criando sequências de luta que são consideradas algumas das melhores da história do Cinema de ação. No entanto, dessa vez apenas Stahelski continuou na direção. Assim, é fácil entender que John Wick 4: Baba Yaga não funciona sozinho. O longa é uma parte de um espaço ficcional maior e mais intrincado, cuidadosamente construído ao longo de três filmes anteriores, que inicialmente haviam sido programados para serem parte de uma pentalogia. Longe de uma pancadaria sem rumo, seu sucesso é um reflexo do trabalho anterior dos realizadores e atores envolvidos.
Bem aceita e tecnicamente impressionante, outro ponto certeiro é a fotografia, mais um trabalho primoroso entregue por Dan Laustsen, que estabelece quase uma imagética própria para cada um dos tantos países onde o filme é locado. O contraste de cenas diurnas com noturnas, bem iluminadas, constroem a atmosfera da narrativa e encaminham a um clímax ambientado pelo nascer do sol no Sacré-Cœur de Paris, que também oferece os cenários do Jardim de Luxemburgo, da Igreja de St. Eustache e da perseguição ao redor do Arco do Triunfo. A cidade das luzes ocasionou atrasos nas filmagens que se seguiram para a Alemanha, Nova York e Japão, encerrando as gravações em Outubro de 2022.
Desde sua proposta, talvez sem tantas pretensões, o desafio de como inovar em uma narrativa de ação sempre esteve à espreita, e como fechamento de uma saga principal, a superação dessa meta se tornou um dos focos da produção do último filme. Assim nasceu a cena do tiroteio no apartamento, uma das mais memoráveis da série. Filmada em uma tomada única com a câmera posicionada acima dos personagens, o take foi inspirada em uma sequência semelhante a de Hong Kong Massacre, um jogo lançado em 2019, que apresenta a ação de uma visão aérea.
Como uma cena que faz valer por si só a ida ao cinema, a equipe de produção relata que se deparou com vários obstáculos em sua criação: desde a construção – em apenas um mês – de paredes altas o suficiente para a câmera seguir o personagem por uma escada e depois flutuar sobre sua perspectiva, até a coreografia de luta e tiroteio, que foi ensaiada exaustivamente pelos dublês antes das filmagens e seguida pelo uso de uma Spidercam acima do estúdio.
O universo cinematográfico de John Wick é regido por uma sistema de leis único, repleto de regras e códigos de conduta estabelecidos nos filmes anteriores da franquia. O quarto lançamento segue os eventos de toda saga, na qual os coadjuvantes são tão relevantes quanto John Wick. A sequência já apresentou figuras marcantes como Winston, interpretado por Ian McShane, a adjudicadora (que define as regras) interpretada por Asia Kate Dillon, e Charon, interpretado por Lance Reddick.
A solidez e versatilidade de Reddick em seus papéis é uma característica que se reflete na criação de John Wick, que impressiona por ser uma junção harmoniosa de tantas facetas moldadas pelas circunstâncias do enredo. Principalmente, dentro de um gênero tão específico e característico como ação e suspense, não se limita a entreter, se destacando pela sua originalidade e complexidade.
Em seu mundo subterrâneo de assassinos profissionais, John Wick 4: Baba Yaga é inacreditavelmente composto por sequências de ação violentas e deslumbrantes, sobrepostas a uma mitologia impressionantemente construída e um profundo desenvolvimento da relação entre violência e moralidade, com destaque para a ambiguidade da justiça. Sem fôlego, é impossível que a série de filmes seja definida em poucas palavras ou com apenas em um tópico principal. A tentativa da descrição de sua composição cinematográfica em palavras sequer alcança a realidade da experiência criada pelo seu universo.