“Eu sou Groot” – Groot
Júlia Caroline Fonte
A última década foi bem polêmica para a indústria cinematográfica, o boom dos filmes de heróis gerou vários conflitos entre os cinéfilos mais conservadores e os amantes da cultura pop. Os super-heróis foram os responsáveis por lotar as salas de cinema no mundo todo, principalmente devido às grandes mudanças nos Estúdios Marvel. Foi nessa década que heroínas e personagens não convencionais conquistaram seu lugar, como aconteceu com o grupo de deslocados conhecidos como Guardiões da Galáxia, que completa 5 anos de seu segundo filme.
Guardiões da Galáxia Vol. 2 apresenta uma nova fase da equipe formada pelos ex-criminosos mais perigosos – ou atrapalhados – da galáxia: Peter Quill (Chris Pratt), Gamora (Zoë Saldaña), Drax (Dave Bautista), Rocket (Bradley Cooper) e o então bebê Groot (Vin Diesel). Após derrotar Ronan, salvar Xandar e recuperar a Joia do Poder, o grupo se dedica a proteger a galáxia – e roubá-la também. Porém agora, a narrativa se volta para uma velha incógnita: o pai de Peter Quill.
Em meio a diversos conflitos e desentendimentos dentro dessa nova família formada pelo grupo, eles seguem concluindo diversas missões pelo espaço. Até que por um descuido de Rocket, se envolvem em uma grande confusão com os Soberanos e, durante uma perseguição, se encontram com Ego (Kurt Russell), um homem misterioso que diz ser o pai de Peter. É a partir daqui que o grupo se divide, Rocket e Groot ficam no planeta em que caíram para consertar a nave e manter Nebulosa (Karen Gillan) prisioneira, porém são capturados por Yondu (Michael Rooker) e os saqueadores. Enquanto isso, Peter, Gamora e Drax seguem com Ego para seu planeta, junto de Mantis (Pom Klementieff) uma extraterrestre com poderes empatas que ajudam seu mestre.
O filme traz a identidade única da série, só que agora de forma mais marcante. O que de início parecia ter sido um teste de um novo estilo de história de herói é assumido em seu segundo volume; que investe sem medo ao explorar o visual colorido e marcante, bem como o humor característico dessa narrativa que cativou o público. Tal abordagem tornou-se uma questão controversa para muitos fãs, que alegam que a obra ficou “infantil” devido a maior quantidade e frequência de piadas. No entanto, e assim como no primeiro filme, essa perspectiva cômica ocorreu na medida certa, de forma que fizesse sentido com seus personagens e com a narrativa como um todo.
A explosão de cores ganha destaque nessa obra, tanto em seus cenários quanto na caracterização das personagens. A mistura entre atual, antigo e futurista é muito bem desenvolvida em seu visual, acrescido a uma trilha sonora ideal, algo que já se tornou clássico para os Guardiões da Galáxia. Suas músicas contribuem para a construção do tempo e espaço da narrativa, além do tom proposto por ela, como também estão presentes na realidade dos personagens, com o tão amado walkman do Senhor das Estrelas, responsável por tocar os melhores clássicos das décadas de 70 e 80.
Mas, com certeza, o destaque de Guardians of the Galaxy Vol. 2 fica para o arco das personagens que, após a apresentação no primeiro volume, são muito mais aprofundadas, e aqueles que antes estavam de passagem ganham destaque: é o caso de Nebulosa e Yondu. Os conflitos encontram seu ápice nessa inusitada família de heróis, e questões delicadas e complexas são trazidas à tona. A começar por Peter Quill, com a vida assombrada pela difícil morte da mãe e pelo fantasma do pai. Forçado a lidar com o repentino aparecimento de uma figura paterna, ele prefere fechar os olhos para sua volta – e os ouvidos para Gamora, cuja desconfiança de Ego prova-se correta – criando assim uma complicada crise em seu relacionamento com ela e os demais membros do grupo.
Simultaneamente, a guerreira mais feroz da galáxia precisa lidar com outro obstáculo intenso: a obsessão da irmã por uma vingança mal direcionada. Cansada de brigar, Gamora tenta de uma vez por todas se resolver com a irmã, que revela pela primeira vez que o pai é o motivo de seu rancor, evidenciando algo que ambas têm em comum. É nesse momento que descobrem um problema maior, e se unem para salvar os amigos, e toda a galáxia dos planos de Ego. Tal necessidade promove um princípio de mudança na relação de Nebulosa com sua irmã adotiva, e consequentemente, com toda equipe.
Drax por outro lado, não tem um desenvolvimento tão marcante quanto no primeiro filme, que já trouxe muito a respeito da vida do ex-criminoso. Fazendo-se presente mais como um alívio cômico, não deixa de criar um vínculo com Mantis, construindo uma divertida e sincera relação (às vezes sincera até demais). Baby Groot também não ganha um aprofundamento maior nessa narrativa, uma vez que seu momento não traz muito espaço para isso, estando ali para protagonizar os momentos mais fofos e engraçadinhos do filme, o que muda na cena pós-créditos quando entra na assustadora fase adolescente.
A teia de conflitos é cada vez mais emaranhada quando paramos para pensar em Rocket Raccon: perdido em si mesmo, ele tenta a todo custo se provar para outros, principalmente o Senhor das Estrelas, escondendo-se atrás de uma máscara, que logo é descoberta por Yondu, com o qual passa a se identificar. Esse último, antes não muito querido pelos fãs, passa a arrancar lágrimas do público em situações de vulnerabilidade e sentimentalismo, como quando declara sua paternidade para Peter. Porém, nada se compara ao emocionante e colorido funeral que ele recebe após salvar o filho e se tornar um Guardião da Galáxia; uma poética redenção para a personagem.
A confusão sempre é grande quando se trata dos Guardiões da Galáxia, e sempre sobra mais espaço para outras brigas. Irritar os Soberanos não foi das melhores ideias de Rocket, e desde o início da narrativa, eles são inseridos de modo sutil e sem o foco da trama inicial, porém, de forma a não comprometer os outros conflitos da narrativa. Cria-se assim provável gancho para o terceiro e último filme, uma vez que Ayesha (Elizabeth Debicki) introduz a criação de Adam, personagem já conhecido das HQ’s da Marvel; deixando assim o mistério da aparência e papel desse personagem no universo.
Porém, sabemos que o multiverso da Marvel é extremamente extenso, e as histórias dos heróis passaram a se cruzar nos últimos anos, principalmente com os dois últimos filmes da série Vingadores. É neles que os Guardiões passam a fazer parte de algo maior – sofrendo perdas no caminho – e ganham notoriedade entre outros personagens, mesclando sua jornada com Thor e levando a história do grupo através de outros caminhos. Um presente para os fãs ansiosos por vê-los na batalha contra Thanos.
O que pode preocupar seu público é como a história será trilhada no novo volume da série. Essa mistura com outras narrativas e o suposto envolvimento dos Soberanos e Adam Warlock na continuação faz questionar quais rumos serão tomados no cinema, bem como a forma como os personagens lidarão com a ausência de Gamora, a transformação de Nebulosa após a perda da irmã e do pai, a influência da passagem de Thor e a nova fase de Groot. Guardiões da Galáxia Vol. 3 está previsto para chegar nos cinemas em 2023, mas já está gerando muitas especulações e ansiedade entre os fãs, bem como um clima de despedida.
Porém, a futura sequência passou por uma situação polêmica envolvendo seu diretor e roteirista, James Gunn. Tweets antigos contendo conteúdos ofensivos, foram revividos, incluindo piadas relacionadas principalmente à estupro e pedofilia. Resultando assim na demissão de Gunn da produção do terceiro filme, o qual já estava escrevendo. Contudo, tanto os atores do longa quanto a imprensa se posicionaram fortemente em defesa do diretor, resultando em sua recontratação um dia após entrar para a equipe de Esquadrão Suicida, dos estúdios da DC.
Guardiões da Galáxia Vol. 2 consegue ser uma sequência perfeita para uma série do gênero, deixando uma grande marca no Cinema na última década, de modo que evidenciou uma mudança bem-sucedida da imagem que tínhamos dos super-heróis, e mostrando que esse universo tem espaço para todo tipo de personagem – que podem espelhar muito de nós mesmos. O filme conseguiu fascinar seu público e trabalhar bem com toda a complexidade trazida por cada membro da equipe de ex-criminosos, assim como sua desafiadora jornada, que pode ser mais difícil e dolorosa do que qualquer batalha espacial.