Raquel Freire
“Se fôssemos os mais durões, os mais fortes, os mais bem-sucedidos, nada poderia nos atingir”. Esse é o mantra no qual os irmãos Von Erich foram criados. Entre a sala de estar, em que o espaço dedicado às armas do pai é protegido por uma cruz pendurada na parede, e o ringue, onde a pressão e a tensão são duas constantes, não há lugar para a vulnerabilidade. É por isso que esses homens encontram refúgio uns nos outros – e é por isso, também, que eles perdem o controle quando infortúnios acontecem e esse apoio não é o suficiente.
Garra de Ferro, terceiro longa do diretor Sean Durkin, é baseado em uma história real. Von Erich é um sobrenome clássico no ramo da luta livre nos Estados Unidos e a trajetória da família iniciou-se na década de 1950, quando o patriarca fez sua estreia no esporte. Apesar de ter traçado uma jornada de sucesso, Fritz Von Erich (nome comercial de Jack Adkisson) não conquistou seu principal objetivo: o título de maior lutador do país. Então, a forma como ele reage a essa frustração é treinando todos os seus filhos para que eles, ao seguirem seu legado, consigam o que nunca pôde quando jovem.
Quem começa a assistir o filme sem saber dos bastidores logo percebe que as cenas mais intensas não acontecerão no ringue. Elas têm como palco o círculo familiar, o que fica evidente quando o pai começa a listar a ordem de seus filhos favoritos (sem brincadeira alguma), enquanto eles fazem uma refeição juntos – e todos agem como se isso fosse normal. A cena exemplifica de maneira extraordinária o tom nervoso e desordenado que Durkin estabelece logo no início de Garra de Ferro e que, mais adiante, se mostra como um reflexo da mente de cada um dos irmãos Von Erich diante da situação em que estão inseridos.
O arco narrativo gira em torno de Kevin, maravilhosamente interpretado por Zac Efron, o mais velho do clã. Embora ocupasse o segundo lugar no ranking de seu pai, é ele quem seguia estritamente cada passo de Fritz. Kevin parecia ter todo o seu caminho traçado, até que o treinador muda de ideia e dá aos seus irmãos um destino que deveria ser seu. No momento em que a suposta ‘maldição’ de sua família começa a agir, sua ‘síndrome de irmão mais velho’ fica mais forte do que nunca, e ele passa a se torturar gradativamente com a ideia de que tudo poderia ser diferente. Efron revela uma atuação extraordinária no longa, capaz de distanciar o ator da lembrança dos musicais adolescentes nos quais ele estrelou.
O sucesso dele se dá, em muitos pontos, pelo apoio daqueles que deram vida aos outros membros da família Von Erich, compondo um forte elenco. Jeremy Allen White, Harris Dickinson e Stanley Simons como os demais filhos impressionam a todo momento, e Lily James como o par romântico de Zac Efron foi uma escolha perfeita. Holt McCallany presenteia o público com mais uma incrível performance assumindo o pai autoritário e emocionalmente inacessível, ao passo que Maura Tierney, como a matriarca, possui o papel mais fraco do filme.
Em Garra de Ferro, todos os músculos masculinos expostos na tela não foram fotografados para provocar apreciação ou prazer, mas para representar um sacrifício. Aqui, os corpos são mais uma fonte de estresse do que qualquer outra coisa, apresentando-se como ferramentas a serem aperfeiçoadas para o ringue – e, depois, destruídas pelo que acontece dentro e fora dele. O preparo físico de Zac Efron foi o mais notório: ele, em particular, adquiriu um biotipo corporal que beira ao horror, com veias proeminentes sob as protuberâncias de seus bíceps de He-Man, refletindo o compromisso do ator com a autenticidade.
Para além dos corpos bombados, o trabalho da estilista Jennifer Starzyk foi indispensável para recriar o cenário do Texas dos anos 1980, época em que se passa a história. As peças básicas que passeavam pelo country e o rock and roll realçam o estilo de vida comum que os Von Erich, jovens ainda no começo da carreira, levavam, e as cores dos calções de lycra, somados às perucas de um dos piores cortes de cabelo da história, arrancam risadas em meio às tragédias que se desenrolam.
A fotografia e a trilha sonora são, também, pontos cruciais para criar a ambientação e para expor, nos detalhes, a ideia do contraditório que Durkin cria. A década é recriada por Mátyás Erdély com um brilho cintilante, como se toda a história se desenrolasse dentro de uma cabine gigante de bronzeamento artificial. Em contrapartida, apesar de estar recheado de hits do country e do rock dos anos 1970 e 1980, a música-tema de Richard Reed Parry é extremamente melancólica, o que acaba por ressaltar o sofrimento dos irmãos até o final.
Ainda que o diretor tenha consultado a família antes de iniciar as gravações e Kevin, o único irmão vivo, tenha apoiado publicamente o lançamento do filme, é importante destacar que alguns pontos foram deixados de lado. Havia, no total, seis filhos, e um deles não chegou à idade adulta – o mais velho, Jack, faleceu em um acidente quando criança e é mencionado em alguns momentos. A obra, no entanto, omite completamente Chris e combina alguns detalhes de sua vida com os de Mike, o irmão mais próximo de sua idade. Essa escolha parece insensível, mas em uma história composta por tantas perdas, acaba sendo um alívio.
Ao longo da obra, a ‘maldição’ da família é citada diversas vezes. Entretanto, se realmente existiu alguma, ela se deu inteiramente pela postura que o pai assumiu com seus filhos. Garra de Ferro é, em sua essência, sobre um pai abusivo e sobre os reflexos que isso gera, apresentando essas problemáticas através de uma bolha de ternura compartilhada pelos irmãos Von Erich.