Sabrina G. Ferreira
A narrativa de Four Good Days tinha tudo para ser óbvia e seguir o roteiro clássico de um filme com essa abordagem, entretanto o que se vê é um show de atuações, e um recorte instigante do problema apresentado. Baseado em fatos reais, o longa dirigido por Rodrigo García (Em Terapia, Questão de Vida), mostra a trajetória de Molly (Mila Kunis), uma mulher jovem viciada em drogas, que retorna para a casa da sua mãe, Deb (Glenn Close), em busca de ajuda para vencer sua dependência química. Após levar a filha à reabilitação, pela 15ª vez, elas descobrem um método novo e intensivo de cura para o vício, mas para iniciar o tratamento, Molly precisa ficar quatro dias sem usar nenhum tipo de droga.
Esta é a premissa de Four Good Days, que fez sua pré-estreia no Festival de Sundance em 2020, e agora concorre ao Oscar 2022 na categoria de Melhor Canção Original com Somehow You Do, composta por Diane Warren, mulher mais nomeada aos prêmios da Academia sem nunca ter ganho. Graças ao trabalho de longa data na área de trilhas sonoras, com as faixas icônicas There You’ll Be de Pearl Harbor, e I Don’t Want To Miss A Thing de Armagedom; até o momento foram 13 indicações, e infelizmente, nenhuma vitória.
Apesar da trama previsível e sem grandes surpresas, o destaque mesmo é a dupla de protagonistas. Mila Kunis e Glenn Close desempenham seus papéis de forma impecável, recriando uma dinâmica familiar repleta de emoções, que vão desde o passado até o presente, envolvendo decisões, erros e perdão por parte das duas, enfatizando o relacionamento de ambas e criando várias cenas comoventes de mãe para filha (e vice-versa).
Enquanto temos Glenn Close interpretando uma mãe traumatizada pelas ações de sua filha no passado – é perceptível pela sua casa, que é toda é acionada por alarmes – e até mesmo culpada por ter abandonado a família quando as filhas eram adolescentes e necessitavam de uma figura materna, Mila Kunis vive a filha que tinha tudo para ter um futuro promissor. Mas, após um acidente esportivo, se vê submetida a um tratamento à base de opióides e agora, se encontra dependente e totalmente destruída pelas drogas, em uma circunstância que lhe arruinou a vida e o casamento, e que a afastou dos dois filhos, e frequentemente, culpa a mãe pela falta de apoio e seu vício na adolescência.
Para quem está acostumado com o semblante de Mila Kunis em outros trabalhos como em Cisne Negro, é assustadora a imagem da atriz, que com o auxílio de maquiagem, e um corpo exageradamente magro e curvado, na condição de alguém que já não consegue suportar o peso de seu próprio esqueleto, parece realmente uma pessoa devastada pela dependência química. Fica evidente o sofrimento da protagonista quando o ex-marido, papel de Joshua Leonard, traz seus filhos para uma visita e vemos um vislumbre da vida que ela poderia ter tido se tivesse seguido outros rumos.
Quanto ao roteiro do vencedor do Prêmio Pulitzer em 2014, Eli Saslow, e do próprio García, o texto não é nem um pouco diferente de outras produções recentes que tratam desta mesma temática, muitas vezes exagerando ao mostrar a verdade nua e crua de uma família que vive inúmeros problemas por ter um filho viciado em drogas. As situações são quase sempre as mesmas, e qualquer pessoa com conhecimento deste tipo de comportamento já deduz tudo o que virá no decorrer da narrativa. Entretanto, não deixa de ser um tema complicado e pesado e ao mesmo tempo importante de ser sempre lembrado e exposto.
No desfecho, após as várias tentativas e a irredutível crença de Deb na recuperação da filha quando mais ninguém acreditava, temos por fim a concretização de um final feliz. Depois de uma recaída e uma overdose, Molly consegue se desintoxicar das drogas e ter a chance de lutar pelo seu futuro como filha e como mãe. Four Good Days é sobre a impaciente amargura de que tudo o que foi conquistado poderá acabar assim, do nada. O milagre da cura para o vício seria a espera durar um pouco mais, e os dias tornarem-se meses, e anos. As mães continuarão acreditando, e os filhos seguirão tentando.