Estante do Persona – Novembro de 2022

Arte retangular de amarelo limão. Ao centro há uma estante branca com três prateleiras. A primeira prateleira é dividida ao meio, a segunda prateleira é dividida em três e a terceira prateleira é dividida em três. Na parte superior lê-se em preto 'estante’, na primeira prateleira lê-se em preto 'do persona', à direita nessa prateleira está a logo do Persona, um olho com íris na cor amarelo limão. Na segunda prateleira, ao meio, está a capa do livro “As intermitências da morte” ao lado de 9 lombadas brancas. Na terceira prateleira, à direita, está o troféu com a logo do persona. Na parte inferior lê-se em branco ‘novembro de 2022'.
Do autor lusitano José Saramago, As Intermitências da Morte foi a provocação em cores fúnebres do Clube do Livro de Novembro (Foto: Companhia das Letras/Arte: Aryadne Xavier/Texto de abertura: Jamily Rigonatto e Vitória Gomez)

“A morte voltou para a cama, abraçou-se ao homem e, sem compreender o que lhe estava a suceder, ela que nunca dormia, sentiu que o sono lhe fazia descair suavemente as pálpebras. No dia seguinte ninguém morreu.”

José Saramago

Com as festividades de final de ano quase batendo em nossas portas, o Clube do Livro do Persona não poderia deixar de se encontrar nos aspectos da existência. Apreciando As Intermitências da Morte de José Saramago, nossos leitores se colocaram a refletir sobre as linhas que rondam o fim da vida. A escolha do texto foi ainda mais especial porque o literato completaria 100 anos no dia 16 de novembro de 2022. 

No livro, somos guiados para um cenário em que a morte deixa de chegar, seja para os homens mais velhos ou para as vítimas de acidentes que agonizam em camas de hospital. O autor desenrola reflexões sobre como morrer interfere nas noções humanas de livre arbítrio e continuidade. Aqui, a morte ganha ares personificados e, em certo ponto, da narrativa pode ser tocada como alguém de carne e osso – ou melhor, apenas de osso.  

Entre as significações, Saramago abre um mundo de possibilidades sem fechar nenhum ciclo, mas expõe o quanto as pessoas podem bambear quando a vida se torna um inconveniente. A proposta audaciosa da obra brinca com o papel da religião na sociedade e usa uma linguagem direta para abrir brechas e possibilidades no íntimo de quem o lê. A morte enquanto protagonista é tão real quanto qualquer ser humano: sente, reage e ama. No fim, resta o começo e como um circuito tudo se repete, já vivemos isso antes.  

Se nossos leitores testemunharam os fins, novembro oferece seus cumprimentos aos começos com a entrega troféus aos destaques da Literatura brasileira: o Prêmio São Paulo de Literatura e o Jabuti. Na primeira semana do mês, o Prêmio São Paulo, criado em 2008 e concedido pelo Governo do estado, revelou seus vencedores. Com dez finalistas nas duas categorias, o troféu de Melhor Romance do Ano de 2021 foi para Antonio Xerxenesky, pela obra Uma tristeza infinita, da Companhia das Letras. Rita Carelli levou Melhor Romance de Estreia do Ano de 2021 por Terrapreta, da Editora 34. Em ambas categorias, as escritoras foram a maioria: na primeira, dos 10 concorrentes, somente três são homens; na segunda, quatro.

Já no Jabuti, as 20 categorias, divididas em quatro Eixos que abarcam a totalidade do processo de produção editorial, tiveram seus finalistas anunciados na segunda semana de Novembro. Aqui – e aparentemente em 2021 no geral -, o destaque foi para o protagonismo feminino: na categoria Romance Literário, no Eixo Literatura, as cinco concorrentes eram escritoras. Natalia Borges Polesso, com A extinção das abelhas, Andréa Del Fuego, com A pediatra, Micheliny Verunschk, com O som do rugido da onça, Aline Bei, com Pequena coreografia do adeus, e Tatiana Salem Levy, com Vista chinesa, disputaram a estatueta – as cinco também foram concorrentes em Melhor Romance do Ano de 2021 no Prêmio São Paulo.

Com a disputa estabelecida, no dia 24 foi a vez da jornalista e apresentadora Adriana Couto chamar os vencedores ao palco do Theatro Municipal de São Paulo para receber o troféu em formato de jabuti. O grande destaque da noite foi para Luiza Romão, com Também guardamos pedras aqui, consagrado como o Livro do Ano de 2021. A obra também conquistou a categoria de Poesia. Em Romance Literário, uma das modalidades de maior destaque na premiação, o nome chamado foi o de Micheliny Verunschk, pelo seu O som do rugido da onça.

A cerimônia ainda contou com uma homenagem à Sueli Carneiro. Com o troféu de Personalidade Literária do Prêmio Jabuti 2022, a escritora, filósofa e ativista, uma das maiores representantes do feminismo negro no Brasil, é a primeira fora do eixo Literatura a receber a honraria.

As celebrações resolveram se estender e, em clima festivo, a Flip – Festa Literária Internacional de Paraty – trouxe diversas personalidades do nicho para conversas acaloradas e conexões ímpares. Em sua 20ª edição, o festival seguiu a linha do Jabuti e contou com presença feminina em peso. A argentina Camila Sosa Villada esteve presente no evento e participou de uma Mesa sobre questões de gênero. A autora de O parque das irmãs magníficas trouxe interpretações importantes sobre o cenário do ativismo e os estigmas vinculados às travestis.

Um dos destaques entre os convidados foi a francesa Annie Ernaux, autora de O Acontecimento e vencedora do Nobel de Literatura em 2022. A escritora, que chama atenção com a ascensão do gênero da autossociobiografia, trouxe reflexões importantes em um bate papo ocorrido depois da exibição do filme Os Anos do Super 8

E se o jeito transgressor de Annie teve voz no festival, os aspectos subversivos nunca se fazem faltantes no Persona. Agora, veja mais das linhas fora da curva indicadas pela nossa Editoria no Estante do Persona e aproveite o fim do ano para se deliciar nos tons vibrantes daqueles que as pintam.


Livro do Mês

Capa do livro As intermitências da morte, de José Saramago. A imagem, de fundo amarelo, contém o texto As intermitências da morte, escrito à mão, em tinta preta. Acima, de forma centralizada, em fonte de cor preta, está escrito José Saramago. Abaixo, de forma centralizada, está o logo da editora Companhia das Letras.
Lançado originalmente em 2005, As intermitências da Morte pode ser lido como um ensaio alegórico sobre a finitude (Foto: Companhia das Letras)

José Saramago – As intermitências da Morte (208 páginas, Companhia das Letras)

No dia seguinte ninguém morreu” – As intermitências da Morte se inicia assim: de repente, num certo país, as pessoas simplesmente param de morrer. Nessa primeira parte, os paradoxos e discussões filosóficas acerca da ausência da morte são apresentados e a Morte com M maiúsculo, então, decide suspender suas atividades, como forma de punir as pessoas que a negam. Contudo, para falar da morte, é preciso estar vivo; por isso, aqui, José Saramago personifica a morte em um ser esquelético, de forma irônica e alegórica, revestindo-se da linguagem para cuidar dos diversos destinos que ela pretende cessar (como a epígrafe de Ludwig Wittgenstein anuncia).

Ainda assim, aquilo que, a princípio, parecia uma bondade, na verdade se revela um pesadelo: o fim da morte não é o mesmo que o fim do sofrimento, e aqueles que se encontram “moribundos” – no limiar entre a vida e a morte, doentes e em um eterno estágio terminal – jamais poderão descansar. É, porém, no sétimo capítulo que a própria Morte encaminha uma carta a uma emissora de televisão, a qual deverá ser lida para comunicar seu retorno, agora que sentiram sua ausência. A partir desse momento, todos que estiverem à beira do falecimento receberão uma carta, comunicando o fim da vida. Porém, no capítulo dez de As intermitências da Morte, um postal destinado a um violoncelista retorna ao remetente, e neste momento a morte é, de fato, humanizada. Assim, a história se mistura entre o falso e o verossímil, da forma que somente Saramago sabe fazer.


Dicas do Mês

Capa do livro Carrie Soto Está de Volta. A capa é uma fotografia em um quadra de tênis de saibro. No centro, vemos uma atleta, de blusa e saia brancas, com o cabelo preso em um rabo de cavalo, sacando. É possível notar várias bolas de tênis no chão ao seu redor na cor amarela. Na parte inferior da imagem está o título “Carrie Soto” em fonte cursiva e, abaixo, “está de volta” em uma fonte sem serifa na cor amarela. No canto superior direito, há a frase “Da aclamada autora best-seller do New York Times
“Vivemos em um mundo onde mulheres excepcionais precisam perder tempo esperando homens medíocres” (Foto: Paralela)

Taylor Jenkins Reid – Carrie Soto Está de Volta (352 páginas, Paralela)

Em seu último lançamento e nono romance, Taylor Jenkins nos leva a um cenário diferente em Carrie Soto Está de Volta. Após nos contemplar com o mundo do surf, do rock e do Cinema, vivenciamos agora a brilhante história de mais uma mulher que nunca existiu: Carrie Soto, a tenista aposentada de 37 anos que decide voltar às quadras para quebrar seu próprio recorde – ou melhor, não deixar que ninguém o roube. 

Em uma jornada difícil e surpreendente, a atleta não facilita para ninguém. Com uma carreira marcada por muita teimosia e determinação, não é fácil gostar de Carrie dentro ou fora das quadras, mas é quase impossível não admirá-la. Atrás de seu próximo título e agarrando-se como nunca em seu passado vitorioso, a personagem é obrigada a enfrentar sua maior adversária de todos os tempos: ela mesma. 

E mais uma vez, Taylor entrega personagens cativantes e, principalmente, imperfeitos. Em Carrie Soto Está de Volta, apesar da evidente necessidade de algumas sessões de terapia e boas férias, não há como largar a mão da maior atleta da história para acompanhá-la em uma trajetória que qualquer perfeccionista irá se identificar. – Clara Sganzerla


Capa do livro Sempre vivemos no castelo. A capa é uma ilustração. Na parte esquerda, vemos uma forma retangular roxa, que se estende por toda a capa e se assemelha a uma porta aberta. Ao centro e na parte direita, vemos um retângulo amarelo. No canto superior direito, dentro do retângulo amarelo, vemos as palavras
“Não gosto de tomar banho, nem de cachorros nem de barulho. Gosto da minha irmã Constance, e de Richard Plantagenet, e de Amanita phalloides, o cogumelo chapéu-da-morte. Todo o resto da minha família morreu” (Foto: Alfaguara)

Shirley Jackson – Sempre vivemos no castelo (176 páginas, Alfaguara)

Mary Katherine, Constance e Julian moram sozinhos na mansão Blackwood. Isso porque, antes de serem só os três, a grande família morreu envenenada por arsênico, e o trio agora vive isolado da cidade, como párias. Sob o ponto de vista fértil de Merrycat (o apelido da caçula), a autora Shirley Jackson torna o cotidiano aparentemente monótono de Sempre vivemos no castelo um conto de suspense sob as lentes do Horror.

Aos 18 anos de idade, tendo crescido sem convivência com outras pessoas além da família e vendo sua irmã mais velha, Constance, ser inocentada pelo assassinato dos parentes, Mary vê o mundo quase como uma criança. Seu fluxo de consciência imaginativo, mesclando o que presencia objetivamente a seus intrusos pensamentos acerca do ambiente, das pessoas que cruzam seu caminho e das suas intenções, fica difícil distinguir o que é real. Para a menina, o enxerido primo Charles, que chega desavisado e bagunça a rotina da casa com sua presença expansiva, é um fantasma. Ou um demônio. Ou os dois. Por detrás dos olhos de Merrycat, a família Blackwood ganha curiosos contornos de dúvida.

Na verdade, Sempre vivemos no castelo se aproveita justamente da incerteza. A obra, publicada originalmente em 1962 e com uma nova edição em 2022, pela editora Alfaguara, nunca apresenta um fato concreto: desde a inocência de Constance quanto a quem está vivo ou não, o livro atiça para as possibilidades e, deixando o leitor inquieto, se desenvolve a partir da não resolução delas. Dona de outros sucessos e uma das maiores influências do gênero, Shirley Jackson é mestre em deixar o Terror vir da imaginação de quem se deixa mergulhar na narrativa. – Vitória Gomez


Recebido pela parceria da Companhia das Letras com o Persona, o romance de estreia de Caio Fernando Abreu ganha um posfácio assinado por Natalia Borges Polesso em sua nova edição (Foto: Companhia das Letras)

Caio Fernando Abreu – Limite branco (200 páginas, Companhia das Letras)

É crua a vida, e a escrita de Caio Fernando Abreu irrompe em uma tentativa implacável de capturá-la. Sob a luz do próprio amadurecimento do autor, Limite branco é atravessado por referências de um leitor assíduo e de um coração, pulsante por toda sua obra, ávido à existência e ao sentir. O romance de estreia do escritor é um registro que ressoa sua própria experiência, mascarada pelo personagem e alter-ego Maurício, com as dores e delicadezas do crescer. 

Em capítulos intercalados, dois momentos da vida do personagem são enquadrados em estilos distintos; nos pares, a infância é rememorada, na terceira pessoa, com o conforto e um sentimento de caseira interioridade, tecida por poetas como Adélia Prado e Carlos Drummond de Andrade. Já nos ímpares, se situa um diário íntimo e visceral da adolescência enquanto um período de extrema sensibilidade, no qual os mais simples e oriundos eventos são estopins a deslumbramentos e assombrações, em que a espiritualidade, o afeto e iminência da descoberta são apanhados por pelas palavras que buscam reproduzir a vivacidade dessas emoções, tal qual uma das escritoras favoritas de Caio, Clarice Lispector.

De uma noite desesperadora de sono tomada por uma sudorese febril a um atestado da presença de Deus, ao observar a rua de sua janela, reluzente depois da chuva, são variados os aspectos do amadurecimento no livro de Caio Fernando Abreu. Escrito quando tinha apenas 19 anos, Limite branco – título escolhido com a ajuda de sua amiga Hilda Hilst – foge do comum de romances de formação, como os trânsitos existenciais de J.D. Salinger, para a construção de uma passagem a vida adulta demarcada pela delicadeza do silêncio e pela maneira que são borrados os limites: do entre o eu e mundo – tão estranho! – que o cerca. – Enzo Caramori


Arte retangular em tons de azul. No canto superior esquerdo, está escrito “New York Times Bestseller” em letra cursiva e na cor azul claro. No centro, está escrito o nome da autora “Clare Vanderpool” em letra cursiva e na cor bege, e também o título do livro “Em algum lugar nas estrelas” em letra cursiva e na cor branca. Ainda no centro, entre o trecho “Em algum” e o trecho “Lugar nas estrelas”, há uma bússola na cor bege. Centralizado, abaixo do título do livro, há um barco na cor branca. Dentro do barco, há um menino, em pé, de camisa branca, e um menino, sentado segurando um remo, de camisa preta. Por toda a arte, há detalhes na cor azul que representam constelações, tais como: Ursa Maior logo abaixo do título, Orion, Lepus, Columba e Taurus no canto superior direito, e Cetus, Phoenix e Toucan no canto superior esquerdo.
Em algum lugar nas estrelas entra no seleto nicho literário infantojuvenil que faz crianças rirem e adultos chorarem (Foto: Darkside)

Clare Vanderpool – Em algum lugar nas estrelas (288 páginas, Darkside)

A autora estadunidense Clare Vanderpool, ao escrever Em algum lugar nas estrelas, conquista sua licença poética para reiterar uma valiosa lição na convivência humana: o que importa, no fim, são os amigos que se faz no caminho. A obra se consolida como um marco na literatura infantojuvenil, não só pelo fato de ter sido best-seller no New York Times, mas por ter sido capaz de sensibilizar diversas camadas sociais, desde o Ensino Fundamental até os CLTs. 

Quando Jack se muda para um internato em Maine, além de lidar com as incertezas a respeito de um ambiente desconhecido, deve encarar as facetas melancólicas da morte da mãe e do distanciamento emocional do pai. Apesar do caos silencioso digno da denominação de solidão, ele encontra um candidato ao título de “amigo”: Early Auden, um menino tão discreto e tímido quanto a solitude de Jack. Os dois percorrem, juntos, um caminho de autodescoberta no qual a fantasia e a criatividade infantis se consagram.

Clare Vanderpool expõe com maestria as ramificações da infância em uma jornada pautada em identidade, pertencimento e memória. Em outros termos, Jack Baker e Early Auden protagonizam a história cuja desenvoltura reside no contraste entre a simplicidade da escrita e a complexidade do tema. A obra é uma experiência que desperta na criança vontade de procurar aventuras extraordinárias e, no adulto, a vontade de buscar o que ficou para trás. De qualquer forma, ambos objetos de desejo podem ser encontrados Em algum lugar nas estrelas. – Ana Cegatti


Capa do livro Sócios no Crime, escrito por Agatha Christie. É uma arte com fundo preto. O nome da autora aparece na parte superior, escrito em letra cursiva. No meio da imagem, dois dados aparecem; um está com o número seis em vermelho, o número três e o número cinco em preto; o outro, está com o número seis também está em vermelho, o número dois e o número quatro em preto. Na parte inferior, o título do livro aparece em letras de forma, em caixa alta.
Com saudade dos seus tempos de aventura e investigação, Tommy e Tuppence retornam em seu segundo livro para resolver um caso de espionagem (Foto: L&PM)

Agatha Christie – Sócios no Crime (279 páginas, L&PM)

Depois de descobrirem o paradeiro de Jane Finn e a identidade de Mr. Brown – o misterioso Adversário Secreto –, Tommy e Tuppence estão de volta em Sócios no Crime. A coleção de contos escrita por Agatha Christie, lançada em 1929, continua a história da dupla de investigadores recém-casados, que, a pedido de Mr. Carter, da Inteligência Secreta, assume a direção da agência Os Detetives Brilhantes de Blunt.

Sob as personas do detetive Theodore Blunt e da secretária srta. Robinson, Tommy e Tuppence começam a investigar pequenos casos, enquanto esperam a aparição do espião N°16, comparsa do real Theodore Blunt, que, por sua vez, foi preso por Mr. Carter e sua equipe. E, ao usar técnicas de outros detetives da literatura policial, como as de Sherlock Holmes e de Hercule Poirot, o par de aventureiros tenta responder à pergunta: quem seria o espião Número 16? – Laura Hirata-Vale


Capa do livro Via Ápia, de Geovani Martins. Na imagem, há o desenho de três corpos negros dançando, em um fundo de cores cinza, branco e preto. Abaixo, próximo ao centro, está escrito Romance, em fonte de cor preta. À direita, está escrito Via Ápia, em fonte de cor branca com contornos pretos, e Geovani Martins, em fonte de cor preta. Abaixo está o logo da editora Companhia das Letras, em cor preta.
Recebido na parceria com a editora Companhia das Letras, o primeiro romance de Geovani Martins guarda todos os méritos que o consagraram nos contos em 2018 (Foto: Companhia das Letras)

Geovani Martins – Via Ápia (344 páginas, Companhia das Letras)

Fenômeno imediato desde que O Sol na Cabeça (2018) foi publicado e um dos convidados da Flip deste ano (dividindo uma mesa com a vencedora do Nobel, Annie Ernaux), Geovani Martins vem de Bangu – bairro suburbano do Rio de Janeiro –, mas também morou na Rocinha e Vidigal (onde vive até hoje), comunidades de favelas na zona sul da cidade. Sua experiência pessoal, indissociável de sua obra, se junta à trama de Washington e Wesley em Via Ápia, seu romance de estreia, no qual acompanhamos os personagens na Rocinha do antes, durante e depois da instalação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), entre 2011-2013.

Em capítulos curtos, ao estilo de Machado de Assis – uma das principais referências de Geovani Martins –, enxergamos perspectivas cruzadas, em que cinco jovens (contando Washington e Wesley) vivenciam primeiras experiências no amor, na amizade, no amadurecimento e na inibição de seus próprios sonhos frente a violência instaurada pelo Estado, numa “guerra às drogas” fracassada desde o início. Ao enviar sua tropa de choque à Rocinha, pelos olhos de Martins, o Estado parece apresentar uma única resposta aos problemas da desigualdade social no Brasil: a morte.

Mas, seguindo a narrativa habilidosa de Via Ápia, na qual os diálogos impulsionam a trama, os impactos da UPP na vida dos moradores resvalam em todos os sonhos. Dividido em três partes, acompanhamos a expectativa da comunidade em relação à invasão; a ruidosa instalação da UPP; e a silenciosa partida da polícia e a retomada dos bailes funk que “fazem o chão da favela tremer”. Criador de diálogos impecáveis e verossímeis, Martins aponta que a resposta dos moradores é e sempre foi outra: “a vida, sempre ela, nunca a morte”. – Bruno Andrade


Capa do livro Gótico Nordestino, do autor Christiano Aguiar. A capa é preta, tem em vermelho o nome do autor no topo e o nome do livro, em branco, abaixo. A ilustração do centro é um círculo que mostra um homem e seu reflexo maligno, montado em animais e segurando armas.
Gótico Nordestino venceu o Prêmio Clarice Lispector de Contos da Biblioteca Nacional em 2022 (Foto: Alfaguara)

Christiano Aguiar – Gótico Nordestino (133 páginas, Alfaguara)

São 9 os brilhantes contos que Christiano Aguiar precisa para situar suas histórias de medo, mistério e morte no interior brasileiro. Afinal, aliado a uma escrita visual e polvorosa, junto da curta duração das tramas, o livro vencedor do prêmio de Contos da Biblioteca Nacional é um prato a ser devorado fumegante, sem espaço para respiros ou breves pausas. De cara, uma pequena travessia entre duas residências é palco de muita tensão.

Já em As Onças, conto pós-apocalíptico que une a mitologia da epidemia com a fauna nacional, Aguiar coloca na mesa todo seu arsenal literário: emoção se transforma em lamento, que logo se transfigura na surpresa digna de arregalar os olhos e suspender o queixo. Gótico Nordestino é o atrativo maior no mar de criatividade do autor e da escassez de narrativas fantasmagóricas e sobrenaturais que fogem de clichês ou mazelas narrativas. – Vitor Evangelista


Capa do livro Modernismos 1922-2022. A imagem é composta por uma arte que tem um conjunto de números 22 sobrepostos. Os tons vão de rosa a lilás e vermelho a laranja. Ao centro, o nome do livro está grafado em preto. No canto superior esquerdo, está o nome da organizadora. No canto inferior direito, está o logo da editora.
O centenário da Semana de Arte Moderna também foi lembrado aqui no Persona, através de uma série especial que reflete sobre o legado de 1922 na Arte e na Cultura brasileira (Foto: Companhia das Letras)

Gênese Andrade (Org.) – Modernismos 1922 – 2022 (896 páginas, Companhia das Letras)

Na história do Brasil, poucos eventos são tão culturalmente divisores quanto a Semana de Arte Moderna. Tanto em sua relevância como marco artístico-cultural quanto nas controvérsias sobre o seu caráter disruptivo, o evento de 1922, bem como suas origens e desdobramentos, já são temas constantes no ambiente de discussões do país, mas ocupam um lugar especial em seu centenário, conforme bem identifica Modernismos 1922 – 2022.

A publicação especial da Companhia das Letras para os 100 anos da Semana de 22 é mestre em identificar as vértices do debate sobre o movimento no país, cujo início oficial é atribuído à série de apresentações, debates, exposições e movimentações que aconteceram na capital de São Paulo entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922. São 29 ensaios inéditos, assinados por 29 autores diferentes, que analisam o desenrolar desses 100 anos com direção de Gênese Andrade.

Além de se organizar a partir da experiência de uma das principais referências sobre o tema da atualidade, o livro traz as contribuições de nomes consagrados no ramo do estudo da História e Cultura brasileiras, como Lilia Schwarcz, José Miguel Wisnik, Walnice Nogueira Galvão e Regina Teixeira de Barros. Os temas abarcam as representações raciais, locais e de gênero e os discursos políticos, sociais e estéticos das Artes Visuais, da Música, da Literatura e da Arquitetura modernista, olhando para cem anos atrás a fim de compreender cem anos à frente. – Raquel Dutra


Capa do livro Não há silêncio que não termine da autora Ingrid Betancourt. Na imagem, o fundo é composto por tons de verde que variam na forma de um enorme borrão distorcido. Ao centro, o nome da escritora aparece em letras grandes e vermelhas. Um pouco abaixo, está o título do livro na cor preta. Já na parte inferior, há o subtítulo “Meus anos de cativeiro na selva colombiana” marcado em preto. Por último, o logo da editora Companhia das Letras.
Ingrid Betancourt tentou concorrer à presidência da Colômbia novamente em 2022, mas acabou desistindo (Foto: Companhia das Letras)

Ingrid Betancourt – Não há silêncio que não termine (556 páginas, Companhia das Letras)

Há duas décadas, a então candidata à presidência Ingrid Betancourt era sequestrada pelas FARC, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. Presa em cativeiro durante seis anos, o seu início promissor na política se desfez, porém, os tormentos vividos na selva colombiana foram registrados na história através do livro Não há silêncio que não termine, publicação que selou a relevância internacional do acontecimento. 

Na obra escrita em primeira pessoa, a autora transporta o leitor para o ambiente inóspito da lama atraente e das folhas sufocantes que a fizeram refém. Betancourt, habituada com a presença de referências culturais no seu convívio familiar, escolheu um trecho do poema Para todos de Pablo Neruda para compor o título e trouxe o dom das palavras de Gabriel García Márquez para o seu estilo. – Nathalia Tetzner


Capa do livro Céu noturno crivado de balas, do autor Ocean Vuong. Na imagem, o fundo é cinza e há um homem nu sentado de lado no chão, curvado para frente, abraçando suas pernas e apoiando sua cabeça nos joelhos. Há galhos de folhas saindo de suas costas e de seus pés.
Em Céu noturno crivado de balas, Vuong consegue fazer com que os silêncios de seus versos falem com a mesma força de suas palavras (Foto: Âyiné)

Ocean Vuong  – Céu noturno crivado de balas (227 páginas, Âyiné)

Dois anos. Esse foi o tempo em que o poeta vietnamita Ocean Vuong passou em seu país de origem antes de migrar para os Estados Unidos com sua mãe e avó – a única família que tinha. Nascido em um país do qual não se lembra, com um pai que nunca chegou a conhecer e fazendo perguntas que nunca poderiam ser respondidas, ele fez o que a maioria de nós faríamos: criou seu passado e parte dessa criação está materializada em Céu noturno crivado de balas.

Os trinta e cinco poemas que compõem a obra se dividem em dois grandes temas: a guerra do Vietnã e o amor, e como a guerra e o amor se encontram em diversos pontos. Vuong possui uma capacidade incrível de criar imagens e fazer com que os silêncios de seus versos falem com a mesma força de suas palavras; escrevendo sobre a batalha, a família ou sobre o sexo, todas as suas composições contêm a aura da perda causada pela violência, pelos mal-entedidos ou pelo simples correr das folhas do calendário. Ao transitar por diversos campos simbólicos, Céu noturno crivado de balas oferece múltiplas possibilidades de leitura, tratando-se de um processo constante e infinito de elaboração que parte justamente de uma ressignificação da linguagem. – Raquel Freire


Capa do livro Rota 66 A História da Polícia Que Matava. Na imagem há um policial da divisão ROTA com os braços cruzados e o símbolo da corporação em destaque no ombro direito. A imagem está em preto e branco e o título e subtítulo estão na parte superior direita.
Caco Barcellos choca e emociona com a descrição da violência policial (Foto: Record)

Caco Barcellos – Rota 66 – A História da Polícia Que Mata (352 páginas, Record)

Rota 66 – A História da Polícia Que Mata liga inúmeros assassinatos cometidos pela Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA), divisão da Polícia Militar do Estado de São Paulo, ao escândalo de 1975 pela execução de três jovens de classe alta. O caso é investigado a fundo pelo jornalista Caco Barcellos, que descobre um grupo de matadores agindo com o aparente aval da polícia.

A obra ganhou o prêmio da categoria Reportagem do Prêmio Jabuti de 1993 e foi adaptado para uma série pela Globoplay em 2022. Rota 66  é envolvente a ponto de nos fazer criar uma sensação de cumplicidade com os participantes da trama e choca com a descrição das arbitrariedades cometidas pelos agentes de segurança e pela total falta de confiança entre esses servidores e a população. – Guilherme Dias Siqueira


Capa do livro Vê se cresce, Eve Brown.Na imagem há a ilustração de uma garota negra de estatura média, ela tem tranças lilás até a cintura e veste uma calça jeans azul clara com uma camiseta verde e um tênis branco. Ao seu lado há a figura de um homem branco de cabelos curtos loiros, ele veste uma calça preta e uma camisa social branca. O fundo é azul e atrás dos personagens tem uma trilha de notas musicais. Na parte superior está escrito em roxo “Da mesma autora de Acorda pra vida, Chloe Brown”. Na porção central aparece o título da obra em roxo e branco. No espaço inferior central aparece o nome da autora em letras brancas.
Recebido do Persona na parceria com a Companhia das Letras, Vê se cresce, Eve Brown é o terceiro livro da trilogia Irmãs Brown (Foto: Companhia das Letras/Paralela)

Talia Hibbert – Vê se cresce, Eve Brown (296 páginas, Paralela/Companhia das Letras)

Eve é a caçula das três irmãs Brown. A personagem tem a presença de um furacão: imprevisível e capaz de derrubar tudo. Pelo menos é isso que seus pais veêm quando, depois de inúmeras tentativas de definir um rumo para sua vida, a moça não consegue se encontrar em nada – talvez ela nem quisesse isso. Assim, a única opção da mulher de tranças lilás é ir atrás de estabilidade, como prova de que os julgamentos a seu respeito estão errados. É assim que Eve Brown entra de cabeça em uma aventura na qual o autoconhecimento é o destino e nós somos os acompanhantes, carregando sorrisos tímidos no canto da boca.

O livro – traduzido no Brasil por Lígia Azevedo – explora mais do que as nuances de um clichê adorável ao expor o protagonismo autista e se desviar de muitos estigmas. A leitura é fluida e aconchegante, fazendo com que conheçamos aspectos diferentes da representatividade, enquanto nos apaixonamos pelo enredo cativante. No destino de Eve, há muito mais que algumas pombas brancas voando para o lugar errado.  

O texto de Talia Hibbert ainda ganha espaço para trabalhar o clássico dos romances juvenis com um enemies to lovers extremamente carismático. Ver a protagonista bagunçada e o metódico Jacob Wayne se encontrando nas diferenças abre portas para encarar divergências com outros olhos. Se Vê se cresce, Eve Brown gostaria que sua personagem fosse um pouco mais madura, isso não só acontece com excelência como também nos engrandece junto dela.  – Jamily Rigonatto

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