Persona Entrevista: Anita Rocha da Silveira

Diretora de Medusa relembra o processo de produção do filme e comenta sobre a experiência no Festival de Cannes

Arte retangular horizontal de fundo vermelho. No lado esquerdo, foi adicionado o texto "PERSONA ENTREVISTA" na vertical, repetidas vezes. No centro, foi adicionada uma foto em preto e branco da diretora Anita Rocha da Silveira. No lado direito, foi adicionada uma imagem do poster de seu filme, Medusa, e acima, foi adicionado seu nome, "anita rocha da silveira".
Finalizando os trabalhos de cobertura da 45ª Mostra de Cinema em São Paulo, o Persona Entrevista recebe Anita Rocha da Silveira, diretora de Medusa (Foto: Reprodução/Arte: Jho Brunhara)

Caroline Campos e Vitor Evangelista

Em formato híbrido, a 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo possibilitou oportunidades de ouro para a equipe do Persona. Entre cabines de imprensa de filmes com sonho de reconhecimento no Oscar e um esperado encontro presencial dos membros da Editoria, tivemos a oportunidade de não apenas conferir a vibração descomunal de Medusa, como também de entrevistar sua realizadora, a majestosa diretora Anita Rocha da Silveira.

Narrando a história de Mariana, uma jovem que se rebela frente a um ambiente conservador e tóxico marcado pelo extremismo religioso, o segundo longa da carioca se pauta na revolta e na reverência às figuras femininas que povoam os quatro cantos da tela. O roteiro começou a ser escrito em 2016, conta Anita, iluminada pelo sol do fim de tarde. “Toda essa onda conservadora que ocasionou na eleição dele, já tava tudo desenhado lá”, confidencia, referindo-se ao presidente e às consequências do processo de impeachment de Dilma Rousseff que vêm se acumulando nos últimos anos.

A imagem retangular é uma cena do filme Medusa. À frente já uma piscina azul claro e logo acima e no centro várias mulheres estão sentadas observando uma mulher loira sentada no centro com um dos pés mergulhados na piscina. De fundo há uma casa branca com muitas plantas ao redor.
O roteiro começou a ser escrito em 2016, mas o processo só acabou na hora das filmagens: “a história é a mesma desde 2017”, confirma Anita (Foto: Bananeira Filmes)

A ideia primária era desenvolver a relação do conceito de bela, recatada e do lar, com o sentimento de submissão pelo qual as mulheres religiosas, nesse caso neopentecostais, se viam inseridas. Anita queria cutucar o ideal de “um certo modelo de mulher submissa ao homem como algo positivo, algo a ser seguido”. Mas tudo começou um pouco antes do processo de escrita, em 2015, quando leu uma história de um grupo de meninas que se juntaram para bater em uma colega por conta de fotos vulgares.

Com isso, a diretora acabou se deparando também com o mito da Medusa, figura mitológica amaldiçoada por Atena depois de se deitar com Poseidon – em algumas versões, ser estuprada pelo deus dos mares –, eternizada a viver com cobras no lugar de cabelo e transformando em pedra qualquer um que ousasse cruzar olhares consigo. “Fiz o filme para falar do machismo estrutural, como ele é parte da sociedade e como ele é projetado em todos nós de alguma maneira”, resgata Anita.

Entre Medusa e Mariana, a letra M vira constante nesse conto moderno de terror. “É o M de Mulher, né? Como se cada uma fosse uma parte, onde uma se reflete na outra. E no final passa a mensagem de uma certa união feminina, como se todas fossem parte de um todo”, comenta a diretora, revelando sua inspiração em Suspiria, de Dario Argento, que envolve uma complexa relação entre mulheres e alguns trocadilhos com a letra S.

A imagem quadrada é uma foto da diretora Anita Rocha da Silveira. Centralizada, Anita é uma mulher branca, jovem, magra, de cabelos curtos e penteados. Ela está com um grande sorriso no rosto, possui sobrancelhas finas e um rosto longo. Ela segura com sua mão direita um caderno e pode ser vista da cintura para cima, enquanto usa uma camiseta preta. Ao fundo vemos um set de filmagens com outros integrantes da direção.
Anita já é nome conhecido entre cineastas brasileiros de Terror (Foto: Anita Rocha da Silveira)

E como se tornou costume nas entrevistas que detalham os processos criativos do Cinema nacional, a questão de financiamento e verba não foi fácil na concepção de Medusa. Com dinheiro reduzido, a equipe resolveu prosseguir mesmo assim, rodando todo o longa em apenas 28 dias. A resposta imediata veio em uma cidadezinha francesa que atende por Cannes e respira Arte todo meio de ano. 

O retorno para o Festival de Cannes foi também o momento de entrar em uma sala de cinema, sentar na poltrona e ser fisgado pela catarse coletiva. Para isso, a equipe precisou ficar em quarentena por duas semanas, mas tudo valeu a pena, de acordo com Anita, que sorria ao detalhar a aclamação de Medusa no antigo continente. Depois de lá, o longa foi prestigiado no Festival de Toronto, fez uma passagem exclusiva com direito a ingressos esgotados na Mostra de São Paulo e, agora, está fincando sua máscara branca no Festival do Rio.

Quando tocamos na tecla do ar distópico de Medusa, a diretora prefere definir sua criação como ambientada em um universo paralelo, porque tem muitos exageros óbvios, mas baseados no mundo real. As falas ditas pelo personagem de Thiago Fragoso são todas retiradas de sermões existentes e disponíveis em vídeos na internet. Consciente de como transmitir sua mensagem, a diretora define que Medusa se passa num lugar isolado, mas que reflete o Brasil como um todo.

A imagem retangular é uma cena do filme Medusa. Centralizado à direita há uma mulher com uma roupa toda branca e uma máscara branca que mostra apenas seus olhos. Ela está coberta por uma luz vermelha e está num lugar escuro e com muitas folhas.
“Prefiro dizer que é um filme situado num universo paralelo, mas que se passa atualmente” (Foto: Bananeira Filmes)

Em seu filme de estreia, Mate-Me Por Favor, Anita optou por inundar a conclusão em melancolia, e quase repetiu a fórmula na produção de 2021. No esboço inicial, o final era pessimista, mas a realidade brasileira se tornou tão sombria que ela quis fazer algo positivo. Quando evoca uma libertação física e emocional das mulheres protagonistas, o filme sublinha a imagem de Medusa no imaginário popular, uma figura berrante, que dá um grito de raiva e não de medo. “Para mim, é um final de mudança, de transformação. Como despertar e liberar tudo aquilo que está reprimindo”, ela complementa. A cicatriz é elemento de transformação, não de vergonha ou prisão.

E, infelizmente, Medusa bebe das mais pútridas águas dessa tal realidade. Assistindo ao avanço neopentecostal para dentro das entranhas da política brasileira, movimento responsável por grande parte do diálogo com a atual onda conservadora, a cineasta ressalta o quão perigoso essa relação íntima pode vir a ser. O problema, segundo Anita, está em interpretar a Bíblia a seu bel prazer, de uma maneira machista, homofóbica e que leva apenas o ódio ao diferente. Se a nossa libertação vier assim como nos momentos conclusivos de Michele e as Preciosas, só nos resta esperar pelos créditos finais.

A imagem retangular é uma cena do filme Medusa. Ao centro vemos duas mulheres mais ao fundo da foto, sendo parcialmente cobertas por um matagal. À esquerda há uma mulher branca, loiro e de cabelos longos e encaracolados, ela está com uma feição amedrontada e abraça sua amiga à direita, uma mulher negra, de cabelos pretos, enrolados e longos, que também possui uma feição preocupada e com medo. Ao fundo vemos uma floresta enquanto está de noite.
Melissa, de Bruna Linzmeyer, se torna a Medusa amaldiçoada por suas iguais (Foto: Bananeira Filmes)

 

Se você pudesse escolher 3 mulheres para trabalhar junto em um filme, vivas ou mortas, quem seriam e por quê?

Anita: “Vou ter que parar para pensar agora. A Madonna, por que não? Se pode sonhar alto, por que não a Madonna? Que está aí inovando desde sempre. Quem mais? A primeira que me veio à mente foi a Madonna. Adoraria trabalhar um dia com a Fernanda Montenegro, que eu acho uma grande atriz. E com a Viola Davis, sonhei alto, hein”.

 

Se você pudesse adaptar outro mito histórico, qual seria?

Anita: “Não sei agora (risos), acho que vou por outro caminho”.

 

Quais são seus próximos passos depois de Medusa?

Anita: “Estou começando a desenvolver dois projetos ao mesmo tempo, mas muito embrionários. Um já mais caro, então acho que na situação atual do Brasil, que os lançamentos são quase inexistentes para o Cinema, seria complicado. Eu comecei a desenvolver um outro, mas de momento eu estou, enfim, tentando me estabilizar como diretora, alguns outros trabalhos como diretora, porque até então eu tenho trabalhado mais como roteirista e agora, com o segundo longa, vou também tentar conseguir trabalhos em séries e pros outros, dirigindo, porque a minha paixão está mesmo no set. Enquanto isso estou desenvolvendo esses dois projetos, mas o financiamento é complicado no Brasil e, para mim, ter liberdade criativa é algo essencial. Daqui a pouco eu vou escolher qual dos dois eu vou tocar, mas eu sou uma pessoa que não consigo fazer mais de um projeto ao mesmo tempo não. Só faço um de cada vez”.

 

Depois de passar por Cannes, Toronto e pela Mostra de SP, Medusa está em exibição no Festival do Rio.

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