Leticia Stradiotto
Com o pé afundado no acelerador, o criativo Edgar Wright apresenta um passeio de motor que destaca-se entre as obras do gênero. Em Ritmo de Fuga, em inglês Baby Driver, realmente foge do estereótipo de outros feitos cinematográficos que envolvem crimes e carros em alta velocidade. Lançado em 2017, o primeiro filme realizado nos EUA pelo diretor tem a ambientação dos assaltos em Atlanta e resulta na combinação do romance com perseguições de carro, além de nos presentear com uma caracterização visual de tirar o fôlego.
Antes da estreia de Baby Driver, o diretor Edgar Wright ainda não estava no ápice da admiração em sua carreira, apesar de ter lançado os aclamados, e também criticados, Chumbo Grosso (2004) e Scott Pilgrim Contra o Mundo (2010), ele ainda não tinha dado seu grande “boom” entre os queridinhos de Hollywood. Entretanto, a chegada de Baby Driver nas telonas garantiu o lugar de Wright dentro do Cinema pop. Com referências da trilogia de De Volta para o Futuro, em conjunto com a espetacular trilha sonora calculada nos mínimos detalhes, a produção vibra e caminha Em Ritmo de Fuga até as atuais essências do audiovisual.
Entre fantasias e sensibilidades, a rota do filme está direcionada ao motorista de fuga, Baby, interpretado por Ansel Elgort – ator que foi acusado de abuso e agressão sexual em 2020. O personagem utiliza fones de ouvidos para abafar o zumbido que adquiriu durante um acidente de carro, responsável por sacrificar a vida de sua mãe. A partir disso, Baby orquestra a vida em inúmeras playlists cuidadosamente selecionadas em seu iPod.
Porém, a vida de Baby não tem muita melancolia, o rapaz está sempre se estreitando entre o amor e o dinheiro. Em dívida com Doc (Kevin Spacey, que, assim como Elgort, foi acusado de abuso sexual pouco depois da estreia do filme), o chefão do crime, o jovem se encontra sempre a um passo mais perto da liberdade de seu trabalho arriscado como piloto de fuga. Baby é um moço singelo e extremamente comum. Após a triste perda de sua mãe, ele encontra abrigo apenas em seu pai adotivo, Joe (CJ Jones), um gentil senhor surdo – isso, até o jovem piloto conhecer seu grande amor, Debora (Lily James).
Debora, a garçonete simpática e apreciadora de música, desperta um novo motivo para Baby continuar com as perseguições e assaltos: conseguir dinheiro para sair da vida do crime e assim construir um digno final feliz com ela. Apesar de seu amor crescente pela moça, Baby ainda tem débitos com a bandidagem, e a única forma de resolver isso é acionar o volume no máximo em alta velocidade.
No trabalho, o jovem está cercado de capangas com passados duvidosos e problemas em potencial. Combinando ação e thriller, a gangue de criminosos é composta por um elenco de grandes nomes, possuindo atores como Jamie Foxx, representando Bats, um homem imprevisível e agressivo; Jon Hamm e Eiza González, uma dupla do tipo Bonnie e Clyde; e até mesmo Flea, o baixista do Red Hot Chili Peppers atua no filme.
Durante a trama fica evidente que o trabalho de Edgar Wright foi nutrido há anos para obter um resultado tão gigantesco. Tal fato é justificado pelo script iniciado em 1995, e somente finalizado 16 anos depois. Além disso, a introdução de Baby Driver torna-se fabulosa em apenas 6 minutos de cena ao som de Bellbottoms (“o fabuloso, mais excitante”) de Jon Spencer Blues. O momento lendário é a principal base em que o filme é construído: com muita ação, som e adrenalina os companheiros de crime do protagonista estão assaltando um banco, ao mesmo tempo em que Edgar Wright está nos oferecendo uma experiência contagiante, dirigindo um grande mix entre carros e músicas, assim, criando uma conexão especial entre espectador e cenário.
Por si só, a abertura do filme demonstra toda a sua originalidade que é encontrada por quase duas horas. A corrida de Baby ao café é segmentada ao ritmo de Harlem Shuffle de Bob & Earl, com letras aparecendo magicamente nas paredes e placas. A Música é o principal elemento da produção, responsável por trazer os mais diversos sentimentos nas mais variadas cenas. É fácil dizer que o filme não é dirigido, mas sim, orquestrado por Wright. O resultado é um trabalho espetacular que mantém a adrenalina encontrada nos primeiros minutos pelas demais horas seguintes, alternando entre sequências de ações desenfreadas e cenas mais leves e, por fim, consequenciando um plano musical extremamente bem instrumentado.
Interligando música e carros velozes, o jovem Baby cria canções a partir de conversas gravadas, trabalhando como uma espécie de diretor e construindo a trilha sonora de sua vida. Porém, Em Ritmo de Fuga possui uma finalização controversa, a partir do momento em que a história perde a linha de ação é comum questionar sobre o extravio da obra e o porquê dessa ausência de linearidade. Mas, de qualquer forma, é um alívio concluir que o principal manejo foi unir o útil ao agradável: o recheio do filme é sua intensidade enquanto o soundtrack torna-se a cereja do bolo.
O desenrolar do enredo e a incessante busca pelo final feliz instigam o telespectador a seguir o filme até o fim. Por mais que o roteiro não tenha muitas inovações no gênero – com fugas e roubos ao banco – a execução é tão bem colocada que faz com que tudo pareça novidade dentro do Cinema, seja no romance musical ou nas próprias sequências de adrenalina. Os diálogos ácidos e as piadas contextualizadas na direção de Edgar Wright dão uma apimentada com um toque perfeito para a composição e identidade visual de Baby Driver.
Em Ritmo de Fuga faz aniversário com atemporalidade e ainda garante seu destaque nos principais filmes de ação. O seu significado dentro do audiovisual é a capacidade de manejar o talento para que a obra seja realmente orquestrada, unindo aquilo que nós mais gostamos: ação e Música. O esforço e trabalho de anos da direção dão origem a um filme extremamente original e com características que apenas Edgar Wright é capaz de transmitir pela Sétima Arte. Baby Driver é uma experiência sobre a eterna viagem: somente eu, minha música e a estrada.