Vitor Evangelista
Com o buzz político das denúncias de abuso de Hollywood, passando pelas declarações polêmicas do presidente Donald Trump, a primeira parte da 4a temporada de Unbreakable Kimmy Schmidt discute feminismo e atualidades com propriedade. Calcada num roteiro ácido e com timing cômico impecável, a série de Tina Fey mais uma vez diverte mas sem nunca fazer deixar de refletir.
Numa estratégia inédita, a Netflix lançou seis episódios do novo ano logo depois de anunciar o encerramento da série, juntamente com um filme para finalizar a história de Kimmy, Titus e cia. Com apenas metade da leva normal de capítulos, o novo ano trata das questões de gênero que incendiam os Estados Unidos desde que a atriz Aria Argentino foi a público e denunciou as monstruosidades que o produtor e magnata Harvey Weinstein cometia com uma série de atrizes e profissionais mulheres da terra dos famosos.
O grande diferencial de Unbreakable Kimmy Schmidt é a maneira como toca no delicado assunto de abuso e da superioridade masculina no meio. Enquanto Big Little Lies aborda o tema de forma seca e abrupta, e The Handmaid’s Tale externaliza o ódio, a comédia de Tina Fey subverte tudo que foi mostrado até então, ironizando os ocorridos.
Unbreakable Kimmy Schmidt narra as desventuras e os perrengues que a personagem-título, vivida magistralmente por Ellie Kemper, enfrenta após passar anos presa num bunker com um lunático religioso que pregava o fim dos tempos. Kimmy sai do abrigo subterrâneo e parte para Nova York, para tentar viver o tempo perdido nas mãos do Reverendo (Jon Hamm, sarcástico e fenomenal).
Na Grande Maçã, ela vai morar com o dançarino gay Titus Andromedon (Tituss Burgess, no melhor papel do seriado) que aspira estrelar um musical da Broadway. Kimmy também lida com uma inquilina amargurada pelas mortes de ex-maridos, Lilian Kaushtupper, e também uma socialite com um marido ausente, Jacqueline Vorhees.
Juntos ao longo de três temporadas, o quarteto é rodeado das situações mais constrangedoras e que sempre trazem uma reflexão para o cenário atual – tanto o norte-americano quando o mundial. O quarto ano se inicia com Kimmy trabalhando na gerência de uma companhia high-tech, Titus tentando superar o ex-namorado, Lilian lidando com o luto e Jacqueline querendo começar uma carreira de sucesso.
Piadas com Weinstein, Spacey e até Cosby já eram esperadas. E, quando entregues, não decepcionam e só adicionam qualidades e méritos ao roteiro um tanto sádico que o show apresenta a cada novo episódio.
Mais uma vez quem rouba a cena são os coadjuvantes do seriado. Titus (Tituss Burgess) continua sendo o personagem mais bem escrito e que figura as melhores situações. O falso seriado com o ator Greg Kinnear, a peça de teatro escolar, a apresentação na sala de roteiristas, todos plots fenomenais sempre melhorados pela acidez magnética do ator.
Jacqueline White (Jane Krakowski) também continua em sua jornada de redescobrimento e empoderamento. A loura descendente de nativos americanos protagoniza talvez o maior descaramento do seriado ao levar para Hollywood um homem branco, sem talento algum, para trabalhar e logo de cara ele já descola diversos jobs.
Porém, seu ponto alto desse quarto ano é a dinâmica com a ex-enteada Xan (Dylan Gelula), e o papel da mãe e da mulher no mundo de hoje. Lilian (Carol Kane), no início um tanto avulsa quanto a seu papel no novo ano, se mete em intrigas familiares e promete protagonizar momentos memoráveis ao lado dos filhos de seu falecido namorado.
Ellie Kemper continua adicionando camadas à sua Kimmy e, mesmo que num apanhado geral, ela seja a personagem menos interessante – a falta de malícia sendo a principal prerrogativa –, é ela quem dita o tom e o discurso que essa primeira parte enfatiza: as mulheres se impondo e não aceitando menos do que lhes diz direito. É preciso rasgar os rótulos: mulher, rica, negro, gay, velho. Kimmy Schmidt pinta figuras humanas, suscetíveis a falhas e, principalmente, dispostas a evoluir para um bem futuro.
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