Mariana Chagas
Em maio de 2015, Sarah J. Maas apresentou o começo de sua saga Corte de Espinhos e Rosas. Com um universo mágico cheio de personagens fascinantes e romances abrasadores, a escritora conquistou um público gigante no mundo todo. A história se tornou a queridinha dos leitores de fantasia e hoje é difícil um bookstan nunca ter, pelo menos, ouvido falar dela. Anos depois de ter lançado o final da trilogia principal, a autora nos leva de volta para Prythian, em uma sequência que, não apenas fez justiça aos livros anteriores, como também conseguiu superar todos eles.
Desde que as irmãs Archeron voltaram à cena no final de Corte de Névoa e Fúria, Sarah já sabia que, em suas histórias, ainda havia muito para ser contado. A escritora comentou diversas vezes sobre o seu apego emocional por Nestha Archeron, e escolheu a feérica-ex-humana para nos guiar em Corte de Chamas Prateadas. Com bastante presença dos personagens já conhecidos e aparição de novas figuras, Sarah discute as questões mais profundas de cada um e nos presenteia com uma obra linda sobre saúde mental e superação.
A história se inicia meses após os acontecimentos finais de Corte de Gelo e Estrelas, conto lançado no meio de 2018. Uma das últimas cenas conta com a presença de Nestha, e não deixa dúvidas de que a guerra ocorrida afetou a jovem de uma forma que os outros personagens não conseguem entender. O final cativante construiu uma ponte para o quarto livro da saga, deixando os fãs ansiosos por anos. Não é de se estranhar, então, que em pouco tempo Corte de Chamas Prateadas se tornou Best-Seller.
No Brasil, a tradução ficou na mão de Mariana Kohnert, também responsável por outras obras da autora. A pré-estreia foi altamente cobrada pelos fãs e, depois de meses de suspense, a Galera Record anunciou o início das vendas no dia 22 de abril. Em menos de 24 horas, a edição com brindes foi esgotada e precisou ser reabastecida, comprovando o sucesso do livro antes mesmo deste ser lançado.
Com tantos problemas, a protagonista se afasta de sua família e amigos. E em uma desesperada tentativa de ajudar a irmã, Feyre lhe obriga a morar na Casa do Vento, junto a Cassian. Apesar de discordar completamente, ela não tem outra opção além de seguir as ordens. Nestha não queria se aproximar de ninguém, muito menos do Illyriano, com quem já teve um início de romance. E é nesse contexto hostil que Sarah apresenta o livro em sua sinopse.
Diversos são os traumas que assombram Nestha, e estes são refletidos em suas atitudes explosivas e personalidade fechada. Em entrevistas, Sarah contou que a trajetória da personagem foi, em partes, baseada em sua própria luta contra seus problemas de saúde mental. Em um universo fantástico no qual termos como depressão e ansiedade não existem, a autora conseguiu mostrar de forma coerente a situação delicada em que a protagonista se encontrava.
Um dos pontos melhores desenvolvidos foi o trauma de Nestha com o fogo. A morte do pai a levou a temer o barulho do estalar das fogueiras de uma forma que ela prefere passar frio ao escutar o que se parece tanto, na sua cabeça, com um dos momentos mais sofridos de sua existência. O interessante é reparar que ninguém, além dela, reconhece seu medo irracional do elemento. Sarah descreve perfeitamente o sentimento de ter uma fobia, não conseguir compartilhar com ninguém e muito menos se livrar dela.
Mesmo carregando seus fardos, a personagem começa a ir encontrando meios de passar seus dias com mais leveza. Se antes ela usava de sexo e bebidas para se alienar, agora a jovem encontra formas mais saudaveis de se distrair. O modo tão real em que a feérica tenta fugir de seus problemas representa a complicada e árdua situação que é encarar a luta de recuperação de transtornos psicológicos. Lentamente e sem mal perceber, Nestha vai encarando essa luta – e ganhando.
Gwyn e Emerie são quem acompanham a jovem no seu trajeto. As três se conhecem no começo do livro e, treinando juntas, criam um vínculo parecido com o que Feyre construiu com seus amigos, o inner circle. Novamente, a escritora entrega uma amizade linda, forte e verdadeira, que se transforma em uma família. As três feéricas demonstram bem o que é achar uma pessoa que se conecta tanto contigo a ponto de te fazer esquecer como era existir antes desse encontro.
Se Sarah J. Maas falha na construção de plots inovadores ou desenvolvimento de guerra, ela com certeza acerta na hora de trabalhar personagens e relacionamentos. Não há outra palavra além de esperança para descrever o que as três garotas transmitem para o leitor. Cada uma levando sua própria mala cheia de dificuldades, as garotas se dividem para carregar o peso de uma forma que nos faz sentir vontade de entrar nas páginas e fazer parte daquele grupo de colegas.
E se por um lado Nestha é apresentada ao significado de amizade, por outro ela vai conhecendo a beleza, grandiosidade e riscos da palavra romance. A tensão sexual entre a jovem e Cassian existe desde o primeiro embate, e ao ficarem presos na mesma casa, comendo, treinando e vivendo juntos, a chama entre eles cresce de uma forma que nenhum dos dois consegue evitar se queimar.
Entre provocações, brigas e xingamentos, a dupla tenta esconder o que já estava escancarado desde o começo: que gostam um do outro. Como todos os clichês de um enemies to lovers (de inimigos para amantes, em tradução literal), o relacionamento dos dois é intenso. Fica impossível não torcer pela união deles, por qualquer interação que seja. Sarah nos faz se apaixonar por Nestha, Cassian e mais ainda por Nessian.
E além das relações que Nestha vai criando e desenvolvendo durante a história, a mais complicada – porém necessária – é com si mesma. Enquanto entramos na cabeça da jovem, em seus medos mais puros e pensamentos mais profundos, é impossível não se emocionar. Muitos são os livros que têm saúde mental como tema, mas Corte de Chamas Prateadas consegue tratar o assunto com uma delicadeza e sinceridade que não parece ser possível dentro de um mundo fantasioso.
O arco de cura da protagonista não é linear, muito menos fácil. Entre os 80 capítulos, momentos de melhora e de piora se alternam, mostrando como é incerto e cheio de curvas o caminho em busca da felicidade e bem estar. E apesar de tentar tanto, nada impede Nestha de ter suas recaídas, a ponto de levá-la para os momentos mais sensíveis e difíceis do livro, onde são apresentados seus pensamentos suicidas.
Tal assunto precisa ser tratado com responsabilidade e cuidado, já que pode ser um gatilho para muitas pessoas. Sarah J. Maas consegue expor o tema de forma tão leal que por um momento o leitor esquece que a protagonista é uma feérica morando em um universo mágico. Humanidade é passada em cada linha e em cada palavra das confissões de Nestha Archeron, quando ela, aos prantos, se abre pela primeira vez.
E a resposta que ela recebe leva uma mensagem para quem estiver lendo: é preciso pedir ajuda. Por mais difícil que seja, por mais que falte coragem, se abrir com alguém não é apenas importante, mas fundamental. E é naquela cena, perto de um lago no meio das montanhas, que Nestha parece conquistar a força que faltava para não desistir. É um momento em que a personagem para de lutar contra si para começar a lutar por si. E é o instante mais lindo do livro, senão da saga.
E como é típico de Sarah J Maas, a parte de ação fica toda para o final. Nos últimos capítulos de A Court of Silver Flames, Nestha é jogada em um desafio que testará todo o conhecimento e força que ela adquiriu em seus treinamentos e, junto a suas amigas, ela mostra que ser uma mulher em um mundo que constantemente duvida do poder de seu gênero pode ser ainda mais difícil do que parece.
Nestas cenas há também um momento emocionante de confissão entre o trio, onde cada uma compartilha sua história. Juntas, as feéricas se confortam e se fortalecem. Se durante o livro tinham receio de encarar o mundo, a decisão de escalar a montanha parece ser o divisor de águas na vida de todas. O desejo que a protagonista havia feito, dias antes, se tornava real: “I wish for us to have the courage to go out into the world when we are ready, but to always be able to find our way back to each other. No matter what.”
Os conflitos da protagonista com Rhysand são muito marcantes. Parceiro romântico de Feyre, o personagem é apresentado com nada além de perfeição durante o começo da saga. O seu jeito carismático conquista os leitores e os outros personagens rapidinhos. Menos Nestha, é claro. Pela primeira vez, temos a visão do jovem como um adversário. É engraçado ter um novo ponto de vista dessa figura que é tão amada. A própria escritora contou ter se divertido ao escrever Rhys agindo como um babaca, já que ele segue sendo um de seus personagens favoritos.
E o endgame mais esperado vem quando Nestha e Cassian cedem aos seus sentimentos. Nessian é, sem dúvidas, o casal que mais serviu angústia na saga. Entre brigas e passar quase um ano sem conversar, foi de se acreditar que ambos poderiam acabar separados. Por conta disso, no instante em que Nestha confessa seu amor pelo guerreiro, o leitor consegue, até que enfim, soltar o ar que mal sabia que estava segurando. Paz e amor reinam entre os dois, e é impossível não ficar com um sorriso bobo encarando as páginas.
E é com essa onda de leveza que Corte de Chamas Prateadas chega ao seu fim. Mais do que um final feliz, o desfecho é apenas o começo da história de Nestha Archeron, como a própria autora contou em uma live. O processo de luta continua, com seus altos e baixos, até o final da vida de uma pessoa – ou feérico. A protagonista leva 757 páginas para conseguir olhar sua imortalidade com esperança. Quando o leitor fecha o livro, é certeza que levará uma parte dessa esperança consigo. Afinal, se Nestha conseguiu subir a montanha, todos nós podemos também.
Excelente resenha do livro. Amei a historia e gostei muito da sua resenha. Parabéns pelo trabalho.
Não gostei muito deste volume, se arrastou muito neste casal, deixando sem finalisar outros personasgens e enredos, ia bem e nesse, me desencantou, ela se perdeu…
Mas o foco é a história de Nestha e seu relacionamento com Cassian, não fazia sentido abordar profundamente outros casais, até porque, terão seus livros privados..