Senti na pele aquele brilho tocar e pelo Cavaleiro da Lua fui me apaixonar

Imagem retangular do personagem Cavaleiro da Lua. Ele veste um traje cinza com gorro e capa, que imita mumificação. O rosto está coberto e os olhos são brancos. No peito, está um círculo dourado com escrita hieroglífica. Nos pulsos, há duas pulseiras grandes e douradas. Ele segura dois discos de metal no formato de luas crescentes.
Cavaleiro da Lua estreou com a segunda maior audiência do Disney+, perdendo apenas para Loki (Foto: Disney)

Júlia Paes de Arruda

Ainda que as expectativas fossem altas, Cavaleiro da Lua não parecia ser algo próspero no primeiro momento. Comparado a outras obras do catálogo, a mais recente série do Disney+ seria mais uma com pouco potencial atrativo ao olhar – especialmente por ser a primeira produção da Marvel depois do épico Homem-Aranha: Sem Volta para Casa. Entretanto, figurinos belíssimos, atuações incríveis e cenários mágicos propiciaram que o roteiro de Jeremy Slater se tornasse uma das obras mais fascinantes do estúdio.

Lançada no final de março, Moon Knight foge do padrão de outras produções de Kevin Feige. Em momento algum, o blip é mencionado, deixando de lado todo o enredo da cansativa linha temporal dos heróis mais poderosos do mundo. Aliás, estar longe deste universo possibilitou maior liberdade criativa à série, já que, depois da mitologia nórdica e greco-romana, chegou a vez do MCU explorar as divindades egípcias. A direção de Mohamed Diab, nascido em Ismaília, no Egito, foi fundamental para que o resultado não caísse nos estereótipos da sua cultura, caracterizando cenários e costumes autênticos.  

Adaptando os quadrinhos de mesmo nome, Moon Knight nos apresenta, a princípio, o protagonista Steven Grant. Diferentemente das HQs, Steven é um funcionário do museu de Londres, trabalhando veementemente para se destacar na seção egípcia. Atrapalhado e inseguro, ele não possui a pose de um herói como conhecemos. Nos primeiros episódios, tudo se mostra confuso e tedioso, bem como o comportamento de seu ilustre personagem. Com o desenrolar da narrativa, seu amadurecimento é impressionante, tornando-se uma personalidade cada vez mais admirável e querida.

Foto promocional da série Cavaleiro da Lua. Ao centro, está o Senhor da Lua. Com o rosto coberto por um pano branco e uma lua bordada na testa, ele veste um terno branco com gravata também branca. Ao lado esquerdo e mais atrás, está a silhueta esmaecida do Cavaleiro da Lua. Ao lado direito e mais atrás, está a silhueta do ator Oscar Isaac, vestindo um moletom branco.
Os trajes do Cavaleiro da Lua e do Senhor da Lua foram homenageados no jogo Fortnite (Foto: Disney)

É óbvio que nada disso poderia acontecer sem a atuação exemplar de Oscar Isaac (X-Men: Apocalipse e Star Wars: O Despertar da Força). O guatemalteco encarna com muito fôlego seu papel, o qual possui transtorno dissociativo de personalidade. Assim, somos muito bem servidos com um Steven Grant e um Marc Spector impecáveis. Marc é o oposto de Steven: sendo um ex-mercenário, ele é meticuloso, calculista e extremamente frio. Gestos, expressões e até mesmo os sotaques entre os avatares do deus Khonshu transitam nas cenas com muita naturalidade, como se realmente estivéssemos cara a cara com dois atores de performances diferentes. 

A atuação de Ethan Hawke também não é desmerecida. O ator, que debutou sua entrada no MCU interpretando Arthur Harrow, já foi indicado quatro vezes ao Oscar, sendo duas vezes como roteirista na categoria de Melhor Roteiro Adaptado por Antes do Pôr-do-Sol (2004) e Antes da Meia-Noite (2013). Em Cavaleiro da Lua, Hawke constrói um personagem de muitas camadas, líder de um culto fervorosamente devoto à deusa Ammit. Por não haver um vilão específico nos quadrinhos, incorporou-se aspectos de outros antagonistas que também possuíam aspirações morais realistas, como foi o caso de Killmonger e o próprio Thanos. Sendo assim, ele consegue cativar o público do início ao fim, passando cada nuance com maestria.  

Não dá para deixar de mencionar a magnífica evolução de Layla El-Faouly, interpretada por May Calamawy. A atriz, de ascendência egípcia e palestina, concebe uma figura fascinante, largando seu status simplista de esposa do Marc para a primeira heroína de origem árabe do universo da Marvel. Fora de seu belíssimo traje, Layla é destemida e inteligente, não deixando de transparecer suas emoções e de medir esforços para lutar por seus objetivos – originando o pacote completo para um avatar de um deus.

Gif de uma cena de Cavaleiro da Lua. Ao centro, está a atriz May Calamawy, de cabelos castanhos cacheados e longos. Seu traje é branco com detalhes em dourado metálico. Ela está parada com as mãos ao lado do corpo e abre as asas do seu traje, de penas douradas metálicas.
Com todo respeito à Luísa Sonza, mas as definições de MULHER DO ANO XD foram atualizadas para Layla El-Faouly (GIF: Disney)

O grande pecado de Cavaleiro da Lua, além de ter sido ofuscada por outras novidades da Marvel, é tentar incorporar uma história de longas horas, em poucos minutos. Quando o ápice acontece, no quinto episódio, O Manicômio, o enredo se encerra com lutas rápidas e insatisfatórias, que poderiam facilmente ser melhor equilibradas com uma extensão de capítulos. Além disso, não foi uma boa ideia soltar o final do seriado no mesmo dia do tão esperado lançamento de Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, encobrindo o desempenho da produção com o público. 

Na verdade, o CGI de Cavaleiro da Lua também é um grande elefante (ou hipopótamo) na sala. Enquanto temos uma elegante performance do cineasta egípcio Karim El Hakim como Khonshu (acompanhado da brilhante dublagem de F. Murray Abraham), a definição de Ammit acaba se tornando cômica. Ainda que a cena de seu despertar seja atraente, não faltou comparações com nossa Cuca nas redes sociais. Esse assunto ficou ainda mais evidente depois do lançamento do trailer de She-Hulk, em que a Marvel sofreu diversas críticas a sua computação gráfica, comparando a super heroína com outra personagem verde icônica

Apesar disso, não há como negar que a fotografia do seriado seja deslumbrante. No terceiro episódio, O Tipo Amigável, Khonshu – considerado o protetor dos viajantes noturnos -, surge com um mapa estelar incrível para guiar seu avatar. O diretor responsável, Gregory Middleton, cria uma paisagem magnífica, incorporando tons de roxo e azul, que possivelmente só seriam vistos em um cenário ideal de observação astronômica. Esse capítulo acaba sendo um dos melhores de Cavaleiro da Lua apenas por essa cena que, pessoalmente, é uma das mais lindas que o estúdio já nos apresentou.

Gif de uma cena noturna de Cavaleiro da Lua. O Senhor da Lua está ao lado direito, com as mãos levantadas para o céu. Seu traje é completamente branco, da cabeça aos pés. No lado esquerdo, está a materialização do deus Khonshu, também com as mãos levantadas para cima. Ele possui a cabeça óssea de um pássaro de bico longo, veste roupas cinzas em tiras e segura um cajado na mão esquerda. Os dois mexem lentamente a mão esquerda para que o céu estrelado gire no sentido anti-horário.
Sandy & Junior já diziam: se a lua toca no mar, ela pode nos tocar (GIF: Disney)

Mesmo com certas ressalvas, Cavaleiro da Lua é uma das séries originais do Disney+ mais bem estruturadas e instigantes. Com um enredo primoroso e muito bem alimentado, não há dúvidas que a obra trouxe um toque de elegância no extenso cardápio do universo Marvel. Ainda que não haja indícios – até o momento – de ligação de Marc Spector e Steven Grant (ou, quem sabe, Jake Lockley) com o MCU, os poucos episódios valem “a luz que banha a noite e faz o sol adormecer”. 

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