Bruno Azevedo
Após 5 anos longe dos palcos e da internet, Bo Burnham retorna com Inside, seu novo Especial lançado pela Netflix. A produção foi escrita, dirigida e estrelada por ele mesmo no ano de 2020, trancado no espaço de uma única sala e feita especialmente para ser assistida pela tela da sua TV ou celular. Com vídeos de react, cantoria em volta da fogueira, debates sociais com um fantoche de meia e diversos desabafos, o filme é uma grande bagunça organizada na forma de comédia dividida entre músicas e stand-up.
Burnham é conhecido na internet desde que seus shows ao vivo começaram a ser lançados no seu canal do YouTube. Suas músicas em tom sarcástico, piadas ácidas e humor muitas vezes depressivo ganharam popularidade rapidamente e influenciam criadores de conteúdo até hoje. E mesmo que seu portfólio antes desse Especial se resumisse a apresentações diante de grandes plateias, essa experiência se traduziu muito bem no lançamento da Netflix.
O espetáculo é, em essência, um reflexo do estado de saúde mental do comediante no momento da gravação da cena. As primeiras músicas são claramente muito mais animadas, – ele faz diversas canções com críticas ao mundo externo e piadas com o próprio privilégio branco.
A quarta faixa, How the World Works, é o exemplo perfeito de tudo isso. Ela dá a impressão de ser direcionada à crianças e até conta com a participação de Socko, um fantoche de meia fofo, mas que canta sobre genocídio e dinâmicas de trabalho abusivas.
Outras músicas dessa primeira parte focam muito na rotina do isolamento, como em FaceTime with my Mom (Tonight) ou Sexting. Mas isso muda a partir do momento em que o músico completa 30 anos, na sua sala, sentado ao lado do relógio. É a partir daí que sua depressão, insegurança e loucura ficam mais evidentes.
Toda a insanidade culmina em Welcome to the Internet, onde Burnham canta num ritmo desconcertante sobre o grande caos que é a internet, sobre todas as coisas úteis, macabras, aleatórias, nojentas e interessantes que são feitas para despertar qualquer sentimento em quem vê. “Um pouco de tudo o tempo todo” e “Apatia é tragédia e tédio é crime” são trechos da letra que resumem perfeitamente todo o sentimento da música, feita pra deixar quem assiste levemente desconfortável.
Já a depressão prevalece em All Time Low e Shit, que mesmo tratando da doença e da ansiedade no isolamento em suas letras, têm ritmos animados e acontecem em ambientes coloridos que contrastam completamente com o momento. A troca de um momento sério por uma piada de uma hora para a outra acontece mais de uma vez durante o show, e a iluminação é quase sempre a responsável por esse efeito.
Inside foi produzido como se fosse mais um dos shows ao vivo que popularizaram o comediante. Com tudo sendo filmado no espaço limitado de uma sala, é como se ele andasse de lá para cá sobre um palco em constante mudança. E assim como num show, a iluminação é essencial, utilizada na maioria das músicas e cenas de uma forma diferente e criativa, contando com projetores, globos espelhados, lâmpadas coloridas, holofotes dramáticos e até o celular, que em alguns momentos ganha um papel importante. Não só isso, mas o uso de adereços faz com que o pequeno cenário esteja constantemente mudando a cada cena, complementando as luzes. Até a bagunça dos equipamentos de gravação compõe a fotografia quando a intenção é ilustrar o caos do ambiente.
Mas mesmo que a ideia seja passar a impressão do ‘ao vivo’, isso não quer dizer que a edição não tenha seus momentos de brilhar. O filme tem a consciência de que fala com quem é acostumado com a internet, e isso leva a momentos em que uma música é objeto de um vídeo de react, que se torna objeto de um vídeo de react num loop, ou quando Burnham simula uma live jogando um jogo encenado por ele mesmo. Há momentos também em que a proporção da tela muda seja para simular uma videochamada no celular ou o clássico formato quadrado das fotos do Instagram em White Woman’s Instagram.
Sendo engraçado quando quer, intenso quando precisa e constantemente misturando as duas coisas, Inside parece ter sido feito com o objetivo de falar com aqueles que estão em isolamento há mais de 1 ano. Tratando de assuntos de grande seriedade com muita leveza e bom humor, o show de Bo Burnham é uma brisa de ar fresco necessária em meio ao caos do mundo externo e da bagunça interna da vida de cada um.