Ana Júlia Trevisan
Como continuar a carreira após um hit? Como produzir o segundo álbum quando o primeiro conta com a música que estourou nas rádios e marcou toda a trajetória da discografia? Era nesse embate que os Los Hermanos se encontravam após seu disco de estreia ter emplacado Anna Júlia, a famigerada fim de festa que tirou o Grammy de Chico Buarque e, até hoje, é responsável por registros em cartório (vide a pessoa que vos escreve).
É em meio às brigas da banda, confusão com a gravadora e uma aliança fiel com fãs que, em 2001, nasce Bloco do Eu Sozinho, reforçando ainda mais a parceria musical entre Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante, e marcando toda a escola de MPB unida ao rock alternativo construída pelos cariocas. Quebrando os próprios padrões, um dos discos mais importantes da música nacional alternativa foi criado e dita até hoje o rumo do gênero, servindo como fonte, direta ou indiretamente, dos trabalhos nacionais que o sucedem.
Se no começo de Los Hermanos o rock se faz presente e memorável, em Bloco do Eu Sozinho a banda aposta na poesia com um leve toque de samba. Mesmo sem abandonar as guitarras e bateria, o álbum se desprende daquilo que havia sido proposto no anterior, não forçando a repetição da fórmula mágica dos singles que os levaram para as paradas nacionais e para os principais programas de TV.
Solidão, términos conturbados, paixões, indiretas, são esses os cordões que o Bloco segue. Os sentimentos, tratados de maneira menos mercadológica, passam a sensação de liberdade em amplos aspectos. Se, em 1999, a primavera se foi levando o amor, em 2001 somos tomados pelas cicatrizes e traumas desse fim. As canções crescem conforme o álbum avança, e a melancolia envolvida aos sons do baixo se mantém do início ao fim.
Os instrumentos de Bruno Medina e Rodrigo Barba tem sua incontestável importância dentro da produção. Não é qualquer um que faz o trabalho de Barba, que tocou o samba miudinho na bateria. Mas, são Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante que constroem toda a imensidão do disco. Juntos, a dupla divide as composições, guitarras e os vocais, que são a peça-chave do diferencial irresistível de Bloco do Eu Sozinho. É o desalento misturado ao amargo sabor da saudade e traduzida nos exatos arranjos que nos aproxima das lembranças de Los Hermanos.
Sentimental é a canção que melhor explica a tese. Marcada como um dos momentos mais tensos do álbum, a letra quase biográfica nos invade a cada belo verso melodramático e cresce exponencialmente até chegar em seu refrão, que é o grito dos sofridos e apaixonados. É na pergunta “Quem é mais sentimental que eu?” que fãs e artistas se misturam em um ser só. É a exatidão da música explicando aquilo que não temos palavras para definir.
A gritante ruptura de Bloco do Eu Sozinho começa logo em sua primeira faixa. Quem esperava por uma música seguindo todos os padrões do mainstream e intitulada com nome feminino foi surpreendido por Todo Carnaval Tem Seu Fim. Nela, o rock, o indie e o ritmo carnavalesco se mesclam para formar uma das melhores canções da banda. Ela chega com os dois pés na porta mostrando para que o álbum veio ao mundo, encerrando toda a produção do disco de 1999 e declarando que, a partir dela, os instrumentais serão mais completos, complementares e melódicos.
Todo Carnaval Tem Seu Fim é seguida por A Flor, que, carregada de beleza, traz uma sonoridade diferente, reiterando a dedicação e a destreza que a banda teve em construir o Bloco. Os metais que abrem a música ajudam a composição da letra a explodir. O choque entre o coração de Marcelo Camelo e a razão de Rodrigo Amarante reverbera em seus versos nada sutis, que contam a história de uma desilusão amorosa.
Após as duas canções deixarem suas digitais, quem ganha espaço é a absurda Retrato Pra Iaiá. Com sua simplicidade, ela é o primeiro respiro do álbum, trazendo uma melodia mais despojada, sem perder toda a beleza que é marca registrada de Bloco do Eu Sozinho. É essa tríade que abre o disco e prende o ouvinte de maneira intimista, dançando entre personalidades e fazendo brotar todos os questionamentos da dualidade entre presente e futuro.
O desamor também é decorrente do Bloco do Eu Sozinho. Assim Será e Adeus Você doem em lugares diferentes. A falsa superação de alguém que não consegue enganar a si próprio é um tapa na cara de quem se envolve na suave sonoridade das duas canções. Tão Sozinho traz o mesmo tema de forma mais drástica. A mão pesa no instrumental e o rock vem veloz e furioso. Aos que já estavam se sentindo viúvos de um bom barulho dos Los Hermanos, a música, que destoa do resto do álbum, é encarada como um presente.
Mas é na leveza que o Bloco se encontra. A letra de Casa Pré-Fabricada revela toda a sensibilidade de Marcelo Camelo. De forma simples e direta, a guitarra serve apenas de adereço para a poesia da canção. Já no sambinha Veja Bem Meu Bem, o eu-lírico conversa diretamente com o ouvinte. Somos descaradamente trocados pela saudade, que ganha seu desprazeroso espaço causando uma quebra inesperada na letra da canção, reafirmando que o disco é composto por versos ímpares.
Com um álbum tão pessoal e de desagrado do mercado, o Los Hermanos não perde a oportunidade de criticar a indústria fonográfica. Cadê Teu Suin? é uma das mais sagazes da banda. Com uma letra rápida e recheada de jogo de palavras, a música pode soar estranha na primeira vez, mas ganha seu sentido quando conhecemos a história de Bloco do Eu Sozinho. Com a primeira versão do disco rejeitada pela Abril Music, os Los acertam em criticar o andamento insano da gravadora, que prejudica a originalidade dos compositores.
Os caras ainda fazem bonito e cantam alguns versos em francês (aposto um rim que essa foi ideia do Rodrigo Barba). Ok que o francês de Amarante beira a precariedade, mas a engraçada Cher Antoine é um alívio na porradaria emocional que o conjunto dessa obra representa. Mais uma Canção tenta lidar com todo o sentimentalismo de uma maneira mais sóbria. Os sopros quase esquecidos durante o álbum servem para acalmar a melodia dessa faixa, que conta a história de maneira literária e simbólica.
Para entender todo o dinamismo do álbum e o porquê dele ter mudado o rumo da Música brasileira em 2001, Fingi na Hora de Rir basta. A música sintetiza o jogo instrumental em letras românticas – com intenso toque sombrio – que é proposto nesse trabalho de Los Hermanos. Com uma composição que facilmente se encaixaria num samba, os arranjos não lineares e com forte apoio no baixo resumem a transformação provocada por Bloco do Eu Sozinho no dito indie brasileiro.
O que hoje entendemos como rock alternativo brasileiro – ou, até mesmo, como a nova MPB – deriva desse álbum carnavalesco melancólico, que completa seus vigésimo aniversário em um ano que não enchemos nosso corpo de glitter nem fomos para a rua, beijar e comprar quatro latas de cerveja por dez reais. É, mais uma vez, o destino gostando de ser poético com um povo sofrido.
Los Hermanos criaram quatro álbuns distintos, fugindo da sonoridade das Primaveras e Anna Júlias. Cada trabalho da banda tem seus destaques com efeito de suas particularidades, e Bloco do Eu Sozinho conquista seu espaço por ser um disco definitivo da carreira. Quem decidiu acompanhar os Los mesmo depois desse álbum, fugiu das mesmices do rádio e presenciou a supremacia das rimas amorosas que influenciaram toda uma geração. Bloco do Eu Sozinho ainda é responsável por abrir as portas para aquele que é o melhor disco da banda: Ventura.