Agata Bueno
Às vezes, o rumo de uma história leva um personagem comum do céu ao inferno, transformando-o num mocinho ou num bandido. Em certos enredos, dois passados ordinários podem se cruzar e dar lugar a um único e excruciante presente, que vai além do maniqueísmo dos livros de faz de conta. Em Black Bird, por sua vez, a angústia que acompanha cada indivíduo da trama não foca em heróis ou vilões, mas deixa claro o que é certo e o que é errado; e como os caminhos se cruzam, independentemente do seu passado. Uma percepção que ultrapassa as ideias de bem e mal – se é que é possível separá-las -, e questiona o quão ingênuo ou arrogante alguém pode ser.
Inspirada numa história verídica, a produção da Apple TV+ acompanha James Keene (Taron Egerton) numa corrida contra o tempo para obter uma confissão do suspeito de um assassinato, Larry Hall (Paul Walter Houser). Entre sonhos embaçados e situações reais e implacáveis, Keene aceita uma oferta para se livrar da sentença de dez anos, deixando de lado sua presunção para entrar no labirinto da mente de Hall. Enquanto eles dançam entre a realidade e os cenários fantasiosos, a verdade vem à tona. E com ela, um rastro de tensão crescente a cada passo.
À medida que brincam de gato e rato na prisão, Larry e Jimmy conduzem a audiência num espetáculo de tirar o fôlego. Em meio às decisões do tribunal, as investigações e a tensão num ambiente de segurança máxima surge um sentimento excruciante vindo da dúvida entre uma pausa para respirar ou continuar um episódio seguido de outro. Ao longo dos seis capítulos que mostram a jornada dos dois lados da justiça, explorando os crimes, a dor e a ausência sem pressa, mergulhamos no sangue frio de um assassino e queimamos junto do delator no inferno.
A angústia que acelera a cada cena, a cada movimento e a cada respiração é o suficiente para premiar a atuação de Taron Egerton na categoria de Melhor Ator em Minissérie ou Telefilme. Assim como a tensão crescente, o tempo de Jimmy passa cada vez mais rápido. É uma luta contra o relógio e a insanidade. Tique taque, tique taque. Egerton, entretanto, concentra-se na complexidade de seu personagem sem pressa, transitando entre a pele de um bad boy para a vulnerabilidade de um mocinho. As trocas de perspectivas entre o denunciado, o delator e a simples ausência das vítimas não criam uma posição de antagonismo; mas toda a situação que envolve os crimes tornam James Keene um anti-herói.
Paul Walter Houser não fica para trás. Larry Hall afunda em seus sonhos vívidos, rasgando palavra por palavra enquanto asfixia qualquer um que esteja prestando atenção aos detalhes. A audiência entra para a contagem de vítimas. E a narrativa não o inocenta. Os flashbacks da vida antes da prisão não chegam aos pés do silêncio que resta de suas vítimas. O ator concorre na categoria de Melhor Ator Coadjuvante em Minissérie ou Telefilme e faz jus aos outros prêmios que recebeu pela participação na série. A atenção de Houser aos detalhes sombrios de seu personagem constrói um ar denso a cada aparição de Hall, cuja inocência se dissipa conforme o olhar perdido dá lugar ao sorriso sombrio enquanto confessa e desmente, de novo e de novo.
Estranho seria não esperar um produto arrepiante vindo da Apple TV+. Diferente de algumas das gigantescas plataformas de streaming, o catálogo do aplicativo da maçã mostra a preferência por qualidade antes de quantidade. Ao provar, mais uma vez, do seu potencial, a obra de drama e true crime une grandes nomes de Hollywood, como Ray Liotta, e acerta numa abordagem clara e feroz que evidencia a complexidade dos crimes de misoginia. É tenso, cruel e apenas acelera conforme os minutos vão passando. E, felizmente, não peca na teatralização, o que evita a exposição desnecessária do sofrimento inerente à situação e se mantém fiel aos espectadores, chocando-os pela gravidade dos crimes e pelo desfecho da história.
Numa disputa tomada pelas gigantescas produções do HBO Max, Black Bird chega com força na 75ª edição do Emmy. Trata-se de um enredo completo, que se afirma diante de cada troca de câmera, e consegue ditar um ritmo gradual sem deixar pontas soltas. Uma narrativa efervescente que flui conforme as relações familiares e o ritmo das investigações são dissecados, garante uma disputa justa com os veteranos e os novatos da premiação. A mistura entre a tensão e a delicadeza tem um gosto agridoce, mas viciante. E, ao fim do sexto episódio, Você prometeu, tem-se a certeza de que acabou, mas que as ações de Hall deixaram um rastro eterno tanto no caminho daqueles que presenciaram cada apelação ser negada quanto dos que puderam pausa entre uma confissão e outra. Resta saber se isso será o suficiente para trazer as estatuetas para casa.