30 anos depois, Berserk continua sendo um clássico entre os mangás

Apesar dos hiatos e da negligência, a ‘Era de Ouro’ no cenário mercadológico ainda não acabou para Kentaro Miura

Na imagem, o Bando do Falcão (Foto: Reprodução)

Isabela Batistella

Completando seus 30 anos em agosto deste ano, a obra de maior sucesso de Kentaro Miura, Berserk, não está mais próxima de seu desfecho quanto estava há 10 anos. Sem uma devida periodicidade de publicação, segue sua trajetória sem se aproximar de seu devido fim. Mesmo com tais nuances, a história – atualmente em seu capítulo #359 – reuniu uma legião de fãs tão grande e tão fiel que Miura tem a liberdade de exercer seus charmes e hiatos o quanto quiser: ao lançar um capítulo, todo o fandom está lá para ler. 

Ambientada durante a Idade Média, com um plano de fundo que perpassa desde a estrutura social injusta, a peste negra e até mesmo a Santa Inquisição – além de elementos fantásticos, é claro, como deuses, demônios e fadas, a obra é marcada pelo uso de violência gráfica e conteúdo sexual, batalhas sangrentas e temas sensíveis (como estupro e abuso psicológico), e apesar de tudo, vai muito além disso. Com uma narrativa sentimental e humana, o autor lida com o psicológico de cada personagem de forma muito delicada. Seus sonhos, traumas, amores e decepções, são desenvolvidos dentro de um contexto cruel, e cada atitude e diálogo possui uma consequência e importância dentro do enredo. 

De forma genérica, a trama de Berserk acompanha a trajetória de Guts, um ex-mercenário e espadachim amaldiçoado, forçado a vagar sem descanso para sobreviver e buscar vingança; e Griffith, um jovem ambicioso e inspirador que criou o Bando do Falcão, um próspero grupo de mercenários que se uniram voluntariamente a ele para ajudá-lo a alcançar seu sonho: ser um rei, e mudar as estruturas sociais injustas em que estão inseridos.

À esquerda, o “Espadachim Negro” Guts, e à direita, o “Falcão Branco” Griffith (Foto: Reprodução)

O arco introdutório de Berserk, o “Espadachim Negro” (e esse veio 20 anos antes da existência do raso protagonista de Sword Art Online, Kirito, diga-se de passagem), apresenta uma narrativa que destoa do restante da obra. Aqui, o protagonista é quase um vilão: aparenta ser apenas um bárbaro, desprovido de sentimentos e movido apenas pelo ódio e pelo desejo de se vingar. No entanto, alguns capítulos depois, a história segue quase como um gigantesco flashback, contextualizando sua infância trágica e abusiva dentro de um grupo de mercenários e acompanhando sua trajetória a partir de então. 

O arco seguinte, denominado “A Era de Ouro”, está inserido dentro desse flashback e, portanto, apresenta essa mudança brusca de contexto – que se mantém o mesmo até os capítulos atuais, com algumas (grandes) ressalvas. Essa saga também introduz o Bando do Falcão, recheada de cenas sentimentais e focada inteiramente na construção de relações humanas profundas. Centrando sua narrativa no desenvolvimento da relação dos dois personagens principais, também traz personagens secundários brilhantes e marcantes, como Caska e Judeau. 

A circunstância em que os protagonistas se encontram é importante para a relação que ambos constroem: Guts parte de uma infância conturbada e traumática, seguindo sua vida sem propósito e apenas indo de batalha em batalha; e Griffith é o “Falcão Branco”, um jovem líder que sonha em construir seu próprio reino. Dentro dessa visão superficial, Miura constrói um plano psicológico complexo, tomando o cuidado de detalhar cada interação entre os integrantes do Bando, para que cada elemento – diálogos, circunstâncias passadas, vínculos criados – justifique o final para o qual a história se encaminha. (Lembrando que o Griffith não fez nada de errado… ok, há controvérsias.)

Griffith, o “Falcão Branco” (Foto: Reprodução)

Dilemas como a busca pelo pertencimento, respeito e até mesmo amizade surgem a partir de uma infância traumática para moldar o Espadachim Negro e suas decisões de diversas formas. Igualmente, à medida que o personagem do Falcão se desdobra aos nossos olhos, é perceptível o sentimento de culpa pela morte de seus aliados. Para além de um desejo egoísta de se reafirmar como especial no mundo, Griffith percebe que a única maneira de se redimir com os mortos é atingindo seu sonho – e este elemento leva Berserk ao ápice de sua característica trágico-épica.

Em certos pontos, a obra parece ter um desenvolvimento controverso quando comparada com outros mangás (em especial os clássicos de estilo seinen), parecendo dar mais destaque em um personagem aparentemente ‘neutro’ e, em alguns momentos, até mesmo com características de ‘vilão’, e colocar em segundo plano o ‘herói’ aparente da história – mesmo que esse conceito maniqueísta seja completamente errôneo dentro do enredo. 

Sobre isso, Kentaro Miura analisou em entrevista para o “Guia Oficial de Berserk”, que, a partir de determinado momento dentro da narrativa, as histórias se tornam paralelas. Em certo ponto, Guts é o vilão na história de Griffith e vice-versa. “Personagens de mangá tem a tendência de ser claramente divididos entre inimigos e aliados, o bem e o mal”, disse o autor. “Entretanto, estou criando Berserk sem incluir tais valores.”

Para além de seu enredo, é válido ressaltar a arte do mangá. Beirando uma cacofonia de elementos, esta característica pode ser motivo de incômodo ao leitor, inicialmente. No entanto, ao se acostumar com a narrativa visual, percebe-se que o exagero de elementos é parte da identidade da obra. É preciso ler com muita atenção nos pequenos detalhes: desde o alívio cômico até o cuidado do autor ao desenhar as expressões dos personagens em cada diálogo, que permitem uma conexão empática com cada um.

Berserk, capítulo #359 (Foto: Reprodução)

Se tratando de adaptações audiovisuais, Berserk possuí três, e apesar de possuírem pontos positivos, nem se comparam à grandiosidade do mangá. A primeira, um anime de 25 episódios lançado em 1997, engloba a “Era de Ouro”  de forma misteriosa, sombria e dramática, com uma animação admirável e com uma paleta de cores cativante. A segunda é considerada, por muitos fãs da obra, a melhor adaptação audiovisual da trama: a trilogia de filmes “Berserk: Ōgon Jidai-Hen”, que trata o mesmo arco do mangá. Apesar do uso de CGI (imagens geradas por computação gráfica) em algumas cenas de ação, os traços do desenho são impecáveis em sua maioria, e os filmes seguem o ritmo ideal para prender a atenção do espectador e cativá-lo o suficiente para procurar mais sobre a obra.

Tais adaptações, entretanto, sempre cometem o mesmo erro – e este, Gabi, só quem viveu sabe. Uma cena de estupro importantíssima para a trama é sempre representada de forma pífia, causando diversos mal-entendidos para aqueles que não consumiram o mangá de antemão. 

Além de adaptada para dois animes, o arco da “Era de Ouro” também possuí uma trilogia de filmes: “Berserk: Ōgon Jidai-Hen” (Foto: Reprodução)

A adaptação mais recente, o anime lançado em 2016, é quase sempre colocada no fundo mais escuro do baú: apesar de poucas cenas bem construídas, o uso excessivo de CGI e uma aceleração imprecisa da história acabaram com toda a incrível experiência que é Berserk. Vale uma dica? Comece pelos filmes. E nunca, nunca, fale sobre o anime de 2016. 

3 comentários em “30 anos depois, Berserk continua sendo um clássico entre os mangás”

  1. Respeite o kirito por favor, não tinha precisão de você insulta-lo já que o tema e bersek e o kirito é um personagem interessante sim! Se você discorda fique pra você!

  2. Pela possibilidade de enriquecimento de ideias e sentidos, Berserk é uma obra que sempre vale releituras.
    A cada vez que revisita a obra ela fica mais rica e a profundida dela no leitor aumenta.
    O que de fato acredito que seja impossível é passar por Berserk e se sentir indififerente.
    Fazem alguns anos, mas continua sendo uma das obras mais surpreendentes que conheci.
    Foi uma ótima resenha!

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