Costanza Guerriero
No primeiro semestre de 2023, as redes sociais foram invadidas por vídeos de composições simétricas, cores pastéis, filtros saturados e rostos inexpressivos. Ao som de Obituary, do compositor Alexandre Desplat, os internautas retratavam os seus dias cotidianos, no que parecia ser uma viralização do estilo característico do diretor Wes Anderson. O fascínio da mídia espontânea pelo visual característico do cineasta prova o encantamento que suas produções podem causar no telespectador, por meio da intrínseca relação que suas narrativas encontram com sua estética. Asteroid City, a última obra de Anderson, entrega um pouco desse fascínio.
Três meses após a estreia no Festival de Cannes, o longa chegou no Brasil em Agosto, fazendo pouco barulho em meio ao rebuliço de Barbie e Oppenheimer. A narrativa se passa, no início dos anos 1950, na pacata e desértica cidade fictícia que dá nome a trama, local marcado pela presença de uma cratera de meteoro. Lá ocorre a Convenção Júnior de Observadores de Estrelas e Cadetes Espaciais, na qual famílias se reúnem para prestigiar suas crianças cientistas prodígios. Tudo ocorre normalmente – ou melhor, “wesanderionamente” – até as personagens precisarem ser submetidas à quarentena pelo exército, após entrarem em contato com um extraterrestre.
Mais uma vez, Roman Coppola colabora com Wes Anderson na criação do roteiro, no qual exploram um ótimo equilíbrio entre elementos que de fato estavam presentes na década de 1950, com seu modo de contar história, que pouco se preocupa com fatos reais. O clima de corrida espacial e expectativa de ir à Lua, na qual a geração boomer cresceu, é introduzida com as ideias de alienígenas e de crianças que possuem mais conhecimentos do que a própria inteligência das forças armadas americanas. A estética artificial e de elementos pouco credíveis são intencionais, e pode-se dizer que é o mais proveitoso de Asteroid City.
A tônica sideral é o que compõe, em partes, essa narrativa. Em partes porque a história sobre extraterrestres é, na verdade, uma peça de teatro, dirigida pelo personagem de Edward Norton (O Grande Hotel Budapeste). Não é estranho a Anderson dividir as cenas dos seus filmes como atos de uma peça teatral. Porém, dessa vez, além da demarcação explícita dos capítulos, também há cenas que se dedicam a mostrar os bastidores por detrás da obra dentro da obra. O que pode não ter funcionado muito bem nesse modelo é a excessiva troca de uma trama para a outra, marcadas por interlúdios do narrador, sendo um pouco difícil de se conectar com as personagens.
Bem como em A Crônica Francesa, a obra foca em diversos núcleos de personagens de maneira simultânea, mas diferentemente do antecessor, Asteroid City tem dificuldade em juntar todas essas histórias em um desfecho comum. A narrativa mais bem desenvolvida talvez seja o quase romance entre o fotógrafo de guerra Augie, bem interpretado por Jason Schwartzman (Três é Demais) e a atriz Midge Campbell, vivida por Scarlett Johansson (História de um Casamento).
Em contraste a esse drama romântico, o tom cômico e particular do diretor é explorado no conflito de gerações, retratando crianças que se comportam mais como adultos do que os próprios pais, assunto já explorado pelo diretor em Moonrise Kingdom. Aqui são as crianças que resolvem todos os problemas enquanto seus pais não conseguem superar os próprios fantasmas.
Além de Schwartzman e Norton, outros atores que já tiveram experiências anteriores com a direção de Anderson retornam para essa produção, como Tilda Swinton (Moonrise Kingdom), Adrien Brody (A Viagem para Darjeeling), Tony Revolori (O Grande Hotel Budapeste) e até mesmo Seu Jorge (A Vida Marinha). Willem Dafoe (O Fantástico Senhor Raposo) aparece em uma das cenas para apenas bater ponto com o diretor. O cineasta é conhecido por sempre trabalhar com um elenco de peso, e como visto, nessa obra não foi diferente. Dos atores que estrelam com ele pela primeira vez destacam-se Tom Hanks (O Pior Vizinho do Mundo) e Maya Hawke (Stranger Things). A escolha de Steve Carell (Querido Menino) foi para muitos inusitada, já que possui um estilo tão particular quanto o próprio diretor. Contudo, a combinação deu certo, mantendo a originalidade de ambos.
Fica óbvio que design de produção é um dos pontos de destaque no filme por se tratar, é claro, de uma obra de Anderson. O recurso em preto e branco é utilizado nas cenas que contam sobre os bastidores do teatro, enquanto as familiares e perfeitamente balanceadas cores no tom pastel são escolhidas para as cenas que contam a peça em si. Aqui também vai uma menção honrosa à designer de figurino Milena Canonero, que complementou a excentricidade do cenário montado, com figurinos que refletem a essência dos anos nos quais o longa se passa.
No quesito fotografia e personagens excêntricos, Asteroid City é um exemplo perfeito para compreender que é impossível assistir a um filme do Wes Anderson sem se lembrar de outro filme do Wes Anderson. Apesar da falta de profundidade na história em si, a obra acaba funcionando como uma espécie de metalinguagem, no qual o diretor reverência a fusão das Artes do Teatro e do Cinema. Ainda que seja uma produção que não chegou aos holofotes da temporada de premiações, é um bom entretenimento e até mesmo, objeto de estudo para os novos fãs do cineasta que chegaram, via redes sociais, buscando o encanto estético que seus filmes apresentam.