Nathalia Tetzner
Respirar novos ares é desafiador, mas refrescante. Na quarta temporada de Arlequina, o seriado aposta em uma roupagem diferente para a protagonista que, frente a decisão de mudar de ramo profissional – isso é, passar a irritar a Bat-Família no lugar da Legião do Mal enquanto persegue criminosos com seu bastão de baseball –, consegue proporcionar um sentimento de identificação com o público nunca antes explorado pela animação. Do humor pesado, floresce uma jovem que tenta equilibrar a nova fase de sua vida sem deixar a natureza maquiavélica para trás, justamente o que fez Hera Venenosa e nós cairmos de amores por ela pela primeira vez.
Tal inovação é consequência direta de algumas mudanças nos bastidores, entre elas, Sarah Peters assumindo como showrunner após anos de comando dos outros produtores-executivos, Justin Halpern, Patrick Schumacker e Dean Lorey. Se antes, a ‘pegada’ dark de Harley Quinn (no original) não abria brechas para aprofundamento, agora, enxergamos para além dos atos violentos e piadas ofensivas. Ainda que esses aspectos sejam o grande diferencial da série e estejam presentes como deveriam, estava mais do que na hora da DC Studios desapegar um pouco dos quadrinhos e transferir para a Televisão os arcos narrativos que conquistaram o Cinema.
A caracterização de Arlequina, embora tenha sido inspirada, desde o início, pelo visual de Margot Robbie nos filmes de anti-heróis do Esquadrão Suicida, denotava, no roteiro, a falta daquela diversão genuína vista em Aves de Rapina: Arlequina e Sua Emancipação Fantabulosa (2019). Sim, o seriado do Max mostrou o seu desencantamento com o Coringa, porém, logo a conectou com um novo interesse amoroso, percorrendo o caminho óbvio da autodestruição acompanhada da vilania escrachada e sem escrúpulos. Mesmo que formem o casal mais brutalmente fofo das HQs, a ex-psiquiatra Harleen Frances Quinzel e Hera Venenosa precisaram separar os tempos de tela para a protagonista amadurecer.
“Estou aqui romanticamente, não profissionalmente”. Dividida entre o traje com o ‘morcegão’ cravado e os finais de semana de pura loucura em Las Vegas com sua amada, Harley Quinn demonstra uma evolução surpreendente na forma de se relacionar, dessa vez, sem renunciar de seu bem-estar pelo outro; Poison Ivy pode ser o seu enlace mais saudável, mas ela aprendeu a estar sozinha, sem precisar fingir ser alguém que não quer mais ser. O espectador, acostumado a ver as duas ‘juntinhas’, estranha o distanciamento, no entanto, passa a se divertir ainda mais com os momentos ‘gays trambiqueiras’ que a série mantém.
O quarto ano de Arlequina peca um pouco na condução dos episódios, afinal, a mudança editorial esbarra em algumas histórias construídas de forma confusa, que se esforçam até demais para tentar arrancar algumas risadas, algo que vai na direção oposta da facilidade para o humor das temporadas anteriores. Contudo, a nova leva entrega alguns recortes memoráveis com o desenvolvimento dos personagens secundários; a dinâmica entre Arlequina e a Bat-Família, composta por ela, Batgirl, Robin, e Asa Noturna, é imperdível. Destaque absoluto, Os Mais Gostosos de Gotham repercute um fato que ultrapassa universos: a bunda de Dick Grayson “deveria estar em um museu”.
Nesse ambiente familiar que se assemelha a franquia Velozes e Furiosos só que, em vez de repetirem a palavra “Família” a cada diálogo, temos os jovens aprendizes de Batman reforçando a cláusula de não matar para a ‘palhacinha’ viciada em sangue e destruição. Em sua jornada pessoal de honrar a capa do vigilante de Gotham, Arlequina forma uma dupla dinâmica com o mordomo Alfred em P.U.T.A, capítulo irreverente que encanta, ao contrário da ‘chatice’ que são as aparições de Lena Luthor com suas ecobags com frases de afirmação escritas em fontes obscenas ou o pior episódio, Metamorfose. Já cansamos de assistir o Coringa sendo cruel pela milésima vez.
Dotada de uma maldade socialmente consciente, Hera Venenosa, além de fazer a protagonista ser mais divertida ao seu lado, acrescenta às narrativas da quarta temporada de Harley Quinn doses altíssimas de ‘zoação’ sobre as futilidades do mundo atual. Seja trocando todas as árvores ‘homens’ pelas ’mulheres’ ou apoiando a namorada destruir os funcionários da empresa em que é CEO, a doutora Pamela Lillian Isley tem suas próprias aventuras enquanto deixa, em primeiro plano, Arlequina se redescobrir. É assim que a loira mais rebelde da DC ganha espaço para se desprender da sexualização quase histórica em torno de sua figura e mostra ser uma personagem que transita com facilidade pela Televisão, Cinema e HQs.