Vitor Evangelista
A fusão entre ficção científica e filosofia está presente na Sétima Arte desde muito antes dos filmes de Stanley Kubrick ou James Cameron. A maneira como essa arte apresenta aspectos íntimos do ser humano e os debate em ambientes místicos e distantes da realidade vivida pelo homem ecoa na mente do espectador, brindando a ele obras-primas e filmes com muito significado a ser discutido.
Aniquilação, distribuído pela Netflix, dirigido por Alex Garland e protagonizado por Natalie Portman, faz jus ao gênero cientifico-filosófico ao narrar a história de um grupo de cientistas que partem numa missão secreta. Essa que acaba por culminar num território vivo que desafia as leis de natureza e oferece perigos ao mundo.
Conhecido pelo trabalho de roteiro e direção de Ex Machina: Instinto Artificial, de 2015, Alex Garland retorna num tema que muito lhe conforta, o existencialismo e o papel que o ser humano ocupa no mundo atual (tão mecanizado e pobre de alma e espiritualidade). Ele constrói, baseando-se nas palavras do autor do livro Jeff VanderMeer uma atmosfera tóxica e anestesiante. O senso de falta de conexão com todos os elementos apresentados em tela é evidente e dita ritmo e tom do longa.
Garland opta por quebrar o filme em três linhas narrativo-cronológicas distintas e monta um emaranhado de cenas que, no final, compõe um roteiro decente. Esse roteiro, porém, mostra-se um tanto inchado e falho no aprofundamento sentimental do público para com as personagens retratadas ali, recurso talvez proposital para sedimentar a ideia de deslocamento emocional e físico que o ambiente do filme retrata.
Natalie Portman (Lena) atua no limite entre a ciência, o misticismo e a crença no inimaginável. Sua personagem é constantemente posta à prova nas três linhas cronológicas paralelas e a atriz demonstra, com sublimes gestos e emoções contidas, que encontrou o grau de vulnerabilidade e força necessários para a credibilidade da personagem.
Completando o elenco principal, vemos Jennifer Jason Leigh como a líder do grupo – com motivações ambíguas e um senso de megalomania que parece estar sempre prestes a explodir – e Tessa Thompson, a mais contida e com um arco narrativo potencialmente interessante, mas que não é trabalhado.
Sua personagem, contudo, tem a cena de conclusão mais visualmente interessante e inovadora que o filme apresenta. Oscar Isaac, o marido de Lena, também encontra o tom certo de atuação entre o medo, a angústia e o arrependimento, tornando-o a personagem mais emocionalmente afetada, com uma interpretação sutil e arrebatadora.
A decupagem do filme em blocos mostra o talento do diretor em saber qual o momento de virar a trama e trabalhar com diferentes sentimentos e, assim, refletir em sua cinematografia tudo que está sendo dissecado em tela. O ótimo trabalho de cores e iluminação de Aniquilação exalta características que o roteiro subverte e não explicita para o espectador. Vermelho e verde são majoritariamente pintados nas composições para o senso de vergonha, medo, pecado e a perda de inocência.
No ato final, a computação gráfica (que até então havia sido utilizada no ponto certo) se extrapola e acaba por tirar um pouco o espectador do filme. Em termos de história a ser contada, a conclusão é primorosa e alcança um patamar distinto de outros longas do gênero. O desenho de som do filme é certeiro, semelhante ao trabalho feito em A Chegada de 2016, arranhando e incomodando os ouvidos, justamente para dar o ar misterioso e angustiante que o longa propõe.
Os questionamentos levantados pelo filme germinam na mente do público e florescem sem respostas palpáveis, caminho esse escolhido pelo diretor – que tem um gosto para muitas coisas, mas nunca por uma resolução. No fim, Aniquilação se insere no mundo cinematográfico como uma obra essencial nas listas de filmes mindfuck e como futura referência de mundo ficcional a ser seguida.
Um comentário em “Aniquilação e o papel do “eu” num mundo repleto de cópias”