Gabriel Gatti
A busca incessante pela boa aparência é muito marcante no século XXI. Pessoas buscam procedimentos estéticos para alcançar o padrão de beleza desejado. Mas imagine ser submetido a uma série de cirurgias contra a sua vontade, como uma cobaia. Essa é a premissa do filme A Pele que Habito, dirigido por Pedro Almodóvar, uma lenda do Cinema Espanhol. O longa, inspirado no livro Tarântula de Thierry Jonquet, se desenvolve como um thriller angustiante, cuja peça central da trama é a vingança.
Como protagonista deste jogo temos Robert Ledgard (Antonio Banderas), um cirurgião plástico muito talentoso que estuda com afinco o desenvolvimento de uma nova pele resistente à dor ao fundir DNA humano com suíno. E como cobaia desse experimento está Vera (Elena Anaya), que vive aprisionada pelo médico em um quarto repleto de câmeras, como forma do cientista assistir o comportamento da sua paciente/vítima. Outra moradora da casa é Marília (Marisa Paredes), mãe de Robert, que exerce a função de governanta.
A trama se inicia morna, ao passo que a relação entre esses personagens é aparentemente agradável para todos, o médico testa seus experimentos, a paciente não apresenta ímpeto rebelde, chegando a ser submissa, e a governanta cuida da casa sem grandes preocupações. No entanto, no decorrer da convivência em prisão domiciliar, Robert e Vera desenvolvem um relacionamento amoroso. A aproximação de ambos gera um incômodo para Marília, que modifica sua postura amistosa.
The Skin I Live In segue seu desenrolar em ordem cronológica até se adentrar pelos sonhos de Robert e Vera. O plot twist traz outro rumo para o filme com cenas marcadas por flashbacks, que exibem o passado do médico, em que sua esposa e filha (Blanca Suárez) ainda eram vivas, e também apresentam um outro personagem, Vicente (Jan Cornet), revelando uma suposta relação sexual do jovem com a filha do cientista, que este interpretou como estupro. Desse modo, o thriller assume um tom macabro com a vingança nefasta do cirurgião e com mudanças nas atitudes dos protagonistas.
Essa trama escabrosa é marcada, a cada segundo, por um terror psicológico diferente dos outros filmes do gênero. O escritor de literatura policial e política, Thierry Jonquet, desenvolve sua narrativa em Tarântula com mais sexo e violência, e o horror muito mais explícito do que na película de Almodóvar. Além disso, há algumas diferenças na história, como, por exemplo, a residência do eminente Richard Lafargue é um castelo e sua relação com sua esposa e cobaia, Eve, é muito mais brutal do que na retratada no longa.
As duas produções ainda se encontram com Frankenstein. O ponto central do filme é um cientista focado em uma criação mirabolante, tal qual o clássico de Mary Shelley. Nas obras contemporâneas, a encarnação do monstro se deu por meio de uma cobaia humana aprisionada para a realização dos experimentos malucos de Richard Lafargue. Além disso, diferentemente do cientista do clássico da literatura, em A Pele que Habito e Tarântula, o médico se apaixona por sua criação, porém esta o abomina. Mas, apesar dessas semelhanças, o longa de Almodóvar reflete a personalidade do diretor em cada tomada de câmera.
O cineasta espanhol construiu sua carreira com um estilo singular em suas produções. Pedro Almodóvar costuma construir suas narrativas exaltando a força feminina com mulheres de personalidade forte como protagonista, o tabu da sexualidade é tratado abertamente e as paixões e os dramas são intensos e profundos. Todas essas marcas do diretor estão explícitas na trama de A Pele que Habito, que, no entanto, deixou de lado uma das principais características do diretor: as cores vibrantes. Filmes marcantes, como Ata-me!, Tudo sobre Minha Mãe e Má Educação, chamam a atenção para a coloração do cenário que destaca, acima de tudo, o vermelho. Porém, a escolha de um ambiente decorado com tons sóbrios com uma estética futurista foi extremamente assertiva para a criação do clima de um thriller psicológico.
Essas características tornam A Pele que Habito um filme perturbador, no bom sentido. Antes mesmo da trama se adentrar pelos flashbacks e expor a podridão dos personagens, o terror e a violência já estavam presentes nas pequenas sutilezas, como, por exemplo, o gestual dos atores para pegar uma lâmina. Desse modo, o longa transborda um horror angustiante e inovador para uma premissa que, aparentemente, aborda o clichê de cientista maluco.
Desse modo, A Pele que Habito fez com que Almodóvar levasse mais alguns prêmios para sua coleção. O cineasta, que nunca chegou a estudar Cinema, é um dos diretores mais premiados da história, e com seu thriller não foi diferente. O longa participou de diversas premiações e festivais pelo mundo, como o Festival de Cannes, levando o prêmio Palma de Ouro; o Globo de Ouro, sendo nomeado como Melhor Filme Estrangeiro; e o Prêmio Goya, no qual a película foi indicada para diversas categorias e ganhou como Melhor Atriz, Maquiagem, Ator Revelação e Melhor Trilha Sonora.
Todos os prêmios só reforçam a magnitude do filme de Almodóvar. A Pele que Habito permeia os gêneros do drama, do romance e do terror, mostrando a versatilidade do diretor para a construção de uma obra complexa. Esse fato faz com que a película desenvolva uma narrativa eletrizante sem a ação presente nos clichês hollywoodianos. A conclusão da obra, marcada pela incógnita, serve como ponto de exclamação para afirmar que Pedro Almodóvar é um dos maiores diretores da história do Cinema.