Caroline Campos
Todos nós conhecemos o padrão Disney de clássicos irrefutáveis – um protagonista justo e merecedor que passa por um grande desafio contra um vilão maquiavélico e acaba retomando a paz de seu insira aqui: vilarejo, país, reino, entre outros. No entanto, logo após o fim da Era da Renascença no início do séc. XXI, surge uma sequência de filmes que não se encaixaram muito bem com o que o ratinho nos apresentava anteriormente e encabeçaram a chamada Era da Experimentação. Entre eles, talvez o que faz mais jus ao nome do período em que pertence, está A Nova Onda do Imperador, que completa 20 anos no ano de 2020.
Com uma produção problemática repleta de atrasos, demissões e remanejamentos em cima da hora, o que antes era para ser um filme épico aos moldes de O Rei Leão (1994), acabou se tornando uma comédia não-musical cheia de improvisos e personagens fora do esquema do estúdio do castelo mágico. Com apenas um número de cantoria – performado por Ed Motta na versão brasileira -, conhecemos Kuzco, um imperador inca que resolve construir seu palácio de férias, a Kuzcotopia, bem em cima da vila de Pacha, um camponês íntegro e bondoso que é intimado a ir até a residência de seu governante apenas para ser humilhado.
No entanto, a grande vilã de A Nova Onda do Imperador é Yzma, conselheira do imperador que está sempre com a faca preparada para cravar nas costas de seu superior. Ao contrário dos vilões marcantes que vimos em tela, como Scar, Frollo, John Clayton e Malévola, Yzma não é nem um pouco assustadora ou vilanesca. Muito pelo contrário, na verdade, a mulher é constantemente alvo de zombarias e só depois que é demitida por Kuzco que resolve dar um fim a seu império. Com a ajuda de Kronk, seu parceiro gostosão e extremamente tapado, ela cria um plano para matar o imperador que, obviamente, dá errado e ele é transformado em uma lhama. Isso mesmo, o animal mais hilário que as mentes envolvidas no filme puderam escolher.
Como se não fosse o suficiente, a dupla dos menos engenhosos antagonistas do cinema acaba jogando um Kuzco desmaiado na carroça de Pacha, que não fazia ideia do que transportava ao voltar para casa. Enquanto a viagem se desenrola, o que mais chama a atenção no filme é, de longe, a quebra da quarta parede (Fleabag, temos visitas) que nosso protagonista arrogante executa a todo momento. A fim de enfatizar constantemente que o filme é sobre ele, a lhama desenha, circula e rabisca na tela gritando pela atenção que, cá entre nós, fica bem dividida entre os personagens a essa altura.
Diferente dos protagonistas anteriores do estúdio, Kuzco não é altruísta, não possui uma grande jornada traçada, muito menos é dotado de valores e princípios. O imperador é mimado, egoísta e sem um background triste e meloso que justifique seus atos. Sua personalidade nos faria questionar acerca da verdadeira face do vilão da história senão fosse sua transformação em lhama, já que, mesmo continuando imoral, o imperador-lhama é um dos personagens mais irreverentes e carismáticos do mundo Disney.
Sua trajetória de redenção não é fácil e, mesmo assim, ele demora para se jogar de cabeça e aceitar que pode melhorar sua personalidade por fim. Quando pensamos que as coisas estão caminhando, Kuzco deixa Pacha pendurado por cordas em uma ponte quebrada a metros do chão e admite que havia enganado o camponês sobre a sua ajuda para voltar ao palácio em troca da não-construção de seu playground de férias – Kuzcotopia ainda iria acontecer, e seu dono não estava nem aí.
Esse bate-rebate, essa teimosia do personagem em dialogar com a sua bondade interior acaba tornando suas interações com Pacha, que é o oposto total de seu companheiro de aventura, um paradoxo irresistível de assistir. A dupla parece querer se estrangular o filme todo, mas a parceria nos momentos-chave e a insistência de Pacha em provar que o imperador, no fundo, tem coração é o que dá o clima Disney para A Nova Onda do Imperador. A comédia escrachada que Mark Dindal escolheu para ditar seu longa é deliciosa e nos dá um descanso depois de tantas histórias dramáticas, intensas e cheias de música que estávamos acostumados a ver no cinema.
Com apenas 78 minutos, o filme não foi um fracasso mas também não foi um sucesso. Apostando em um design 2D mais simples, sem muitas inovações em decorrência de seu deadline com o estúdio, a crítica o recepcionou bem, exaltando seu roteiro humorístico e a mudança de ares que gerou. Os louros vão para Kronk, que conseguiu ganhar uma continuação com seu nome – A Nova Onda do Kronk (2005). Além de ser um coadjuvante incrível, o personagem ainda cozinha, fala com esquilos, é escoteiro e ajuda os mocinhos no final. Impossível não se apaixonar.
Entretanto, o motivo pelo qual o filme fez um sucesso estrondoso em terras brasileiras foi sua dublagem incrível. Selton Mello dá a voz de Kuzco com toda a petulância que o protagonista merece, acompanhado de Humberto Martins como o pacífico Pacha, Marieta Severo sendo Yzma e o maravilhoso Guilherme Briggs como Kronk. Adaptando vários termos populares aqui no Brasil como em “tu é muito gente fina, bacana pra chuchu” e outras pérolas do tipo. O maior charme que um filme sobre civilizações pré-colombianas poderia ter.
20 anos depois, A Nova Onda do Imperador não integra o hall de grandes clássicos da Disney, infelizmente. Mesmo assim, com a sua chegada no Disney+, podemos reassisti-lo incansavelmente, do jeitinho que essa obra a frente de seu tempo merece. Afinal, esse nível de sarcasmo maquiado e ironia absurda estão longe de existir em algum outro filme do estúdio. Depois de um final agridoce, os habitantes do império de Kuzco, dessa vez, não precisarão ter medo de cortar a sua onda. Demônio lhama!