Em A Hora do Pesadelo, nem mesmo as canções infantis são inofensivos frutos da imaginação: tudo aparenta estar no domínio de Freddy Krueger.
Eduardo Rota Hilário
O ano é 1984, e os filmes de terror slasher estão a todo vapor. Eis que surge, brilhantemente, no meio de fórmulas para o sucesso, o então inédito A Hora do Pesadelo (A Nightmare on Elm Street). Dirigido por Wes Craven, mesmo diretor de Pânico, o longa-metragem baseado em histórias reais fortaleceu, por meio da inovação, o subgênero de horror em alta naquele momento. Diferente dos assassinos silenciosos e minuciosamente estrategistas até então conhecidos, como Jason Voorhees e Michael Myers, o público agora é convidado a mergulhar no estranho mundo de Freddy Krueger. Psicopata igualmente imprevisível e poderoso, foi ele quem trouxe um respiro necessário aos filmes da época, fugindo da mesmice.
Se Krueger é, ainda hoje, reconhecido como ícone pop – na interpretação de Robert Englund, já que a caracterização de Jackie Earle Haley, em 2010, foi visualmente frustrante -, isso acontece, em partes, por causa de suas particularidades. Sádico, imperfeito, desengonçado, com humor ácido, que tortura as próprias vítimas e demora para matar – isso quando não erra os assassinatos -, o vilão das garras fatais definitivamente não ficava preso à ausência de expressão facial de uma máscara, ou à famosa e tensa quietude recorrente em cenas de matança.
Em sua origem, Freddy era um assassino de crianças que foi capturado e, por alguns erros burocráticos, solto logo em seguida. Revoltados, os pais da vizinhança vão até uma caldeira abandonada, onde o serial killer levava suas vítimas, e o queimam vivo. Até aqui, essa seria uma trajetória de vida chocante, mas pouco inovadora. No entanto, o homem que inventou uma luva de facas para matar menores ultrapassa os limites da realidade ao invadir, literalmente, o mundo dos sonhos para se vingar daqueles que foram responsáveis por sua morte. Um a um, Krueger deseja matar Tina, Rod, Glen e Nancy, adolescentes intimamente ligados ao grupo de pais que desejou fazer justiça com as próprias mãos.
Através de pesadelos, Freddy Krueger não só controla como também distorce os limites do real. Rei absoluto de universos oníricos, essa figura se mostra pouco eficiente na concretude do mundo acordado – embora ainda tenha poderes limitados, podendo, inclusive, engolir pessoas em uma cama. De qualquer maneira, dentro ou fora dos sonhos, ele precisa se alimentar do medo de suas vítimas para poder se fortalecer. Caso contrário, seus esforços são praticamente inúteis – fato constatado não só neste filme, mas também em outros, como Freddy x Jason, em que o vilão aterroriza às custas de Jason Voorhees. Certo é que, com tantas informações, ficamos igual Nancy (Heather Langenkamp), heroína e protagonista do longa de 1984: sem saber distinguir o que é verdade ou delírio, ou como agir e vencer em ambientes ilógicos e solitários.
Assim como em Halloween – A Noite do Terror e Sexta-Feira 13, o que observamos em A Hora do Pesadelo é uma atmosfera própria, de clima singular. Se os próximos filmes da saga perdem um pouco – ou até mesmo bastante – desse brilho característico, o primeiro deles é exitoso ao reunir uma música-tema memorável, fumaças e neblinas adequadas ao ambiente dos sonhos, além de incríveis efeitos especiais. Lógico que, hoje em dia, alguns desses efeitos seriam considerados fracos ou toscos. Mas seria injusto, também, julgar a obra de Craven com lentes atuais, a não ser que se leve em consideração o contexto de produção, marcado por baixo orçamento e pouco tempo de gravação – fora a diferença de tecnologias entre aquela época e o momento presente.
Por outro lado, um dos aspectos mais geniais do longa-metragem permanece intacto e vigoroso. Não entregando tudo de mãos beijadas, o enredo se constrói nos mínimos detalhes. Nem tudo precisa ser dito, ou lembrado em voz off. Se a “forma balinesa de sonhar” é mencionada, ela será útil em algum momento da narrativa. Se Nancy se mantém acordada com pílulas e café, é porque ela já percebeu o risco de cair no sono em um mundo em que Freddy existe. Do mesmo jeito, as conversas sobre um homem de suéter verde e vermelho, com facas no lugar dos dedos, servem para indicar que algo estranho está acontecendo: os adolescentes sonham com um mesmo personagem, em um ambiente industrial idêntico. Em A Hora do Pesadelo, as entrelinhas são, portanto, de extrema importância.
No mesmo enredo, muitas questões poderiam ser recortadas e analisadas de maneira exclusiva. A mais evidente delas talvez seja a descrença que adultos geralmente nutrem por crianças e adolescentes: realidade que, no filme, custa algumas vidas. Menos lembrada, mas igualmente importante, é a questão de uma moral cristã – baseada no “olho por olho, dente por dente” – presente na hora do enterro de Rod, o namorado de Tina. Isso porque, como o adolescente era um dos maiores suspeitos de assassinar a jovem, o padre busca nas Escrituras uma citação que justifique um prejulgamento: Rod matou; portanto, foi morto. Nesse caso, é claro que não poderia faltar um “não julgueis e não sereis julgado” no fim do discurso fúnebre.
Fato é que, do roteiro e do enredo de A Hora do Pesadelo, surgiram muitas cenas clássicas, ou pelo menos memoráveis. A inesquecível e sangrenta morte de Glen, ao lado de Freddy Krueger na banheira de Nancy e a criação das luvas fatais são apenas alguns desses momentos. Em adição, algumas passagens filosóficas podem atrair a atenção dos espectadores: seja a conexão entre Shakespeare e os dilemas do filme, ou as divagações feitas em uma clínica sobre o que são os sonhos, esses pontos são verdadeiros diferenciais em um filme de terror que, em uma análise superficial, poderia ser classificado injustamente como puramente comercial.
Outra curiosidade impossível de se ignorar é que esse filme foi também a estreia de Johnny Depp nas grandes telas. Com um papel meio bobalhão, de pouco destaque, Depp encarnou de maneira convincente o jovem Glen – que, antes de qualquer coisa, servia para auxiliar a namorada e protagonista Nancy na jornada contra o vilão desfigurado e sádico. Na época, apesar do título do longa, ainda nem sonhávamos com os pesadelos que esse ator provocaria na vida real: acusado de violência doméstica pela ex-esposa Amber Heard, será aparentemente difícil para Depp provar alguma possível inocência nessa história.
Ainda em aspectos negativos, as incongruências do filme são quase imperceptíveis – como as armadilhas que Nancy arma em poucos minutos, sendo todas de funcionamento perfeito. Por isso, as qualidades audiovisuais e narrativas de A Hora do Pesadelo, como a realização do desejo infantil de trazer objetos dos nossos sonhos, ou a transformação física da heroína conforme sua exaustão vai aumentando, se sobressaem ao longo de mais de uma hora de imersão.
Com um desfecho aberto, não sabemos quem vence a disputa entre bem e mal: terá sido Nancy? Ou foi o Freddy? Mas certamente podemos afirmar que a obra de Craven é uma exploração da fragilidade e do medo inconsciente humanos. Afinal, não precisamos ir longe para termos de enfrentar a vida sozinhos: basta fechar os olhos e dormir.