Ana Júlia Trevisan
“Você pode me dizer o que é um concerto?” “Então, é basicamente essa peça que tem um solista e um conjunto, uma orquestra. Os dois estão conversando”. Documentário em curta com direção de Ben Proudfoot e Kris Bowers e distribuído pelo The New York Times, A Concerto Is a Conversation toca no íntimo da alma de maneira despropositada, exibindo muito afeto na conversa entre duas gerações diferentes. A história nos faz refletir sobre a importância daqueles que vieram antes de nós e do conhecimento sobre o passado.
Com a ânsia de ser ouvinte vinda do neto – um dos diretores -, após descobrir o câncer do avô, toda conversa que há entre os dois durante os treze minutos de curta transborda vida. Horace Bowers ganha seu destaque como orador, narrando com orgulho a jornada que construiu. Começando por sua dura história no sul dos Estados Unidos da década de 1940 e a vida em uma sociedade racista. O patriarca usa a voz da experiência para dizer uma das frases mais marcantes do documentário: “Nunca pense que você não deveria estar lá. Porque você não estaria lá se você não deveria estar lá.”
Em meio tanta admiração, a produção traz o desprazer de relembrar o fatídico Oscar de Melhor Filme vencido pelo problemático Green Book. Mas, o filme não é citado à toa, Kris Bowers assinou a trilha sonora do longa e concorreu, em 2019, ao Critics Choice Awards de Melhor Compositor. Agora, em 2021, foi reconhecido pela Academia e concorre a Melhor Documentário em Curta-Metragem com A Concerto Is a Conversation.
A indicação ao prêmio mais importante do mundo cinematográfico não foi uma surpresa. A categoria que, ano a ano, traz temáticas relevantes, não deixaria de fora o compositor da trilha de Bridgerton em uma produção grandiosa dentro de seu intimismo. Competindo ao lado dos poderosos Do Not Split e Colette, o curta pode não levar a estatueta para casa por ser um trabalho mais leve em meio às dramáticas cenas pesadas de seus concorrentes. Intuitivamente falando, o estrondoso documentário da Netflix sobre Latasha Harlins é o com maior chances para o prêmio
A câmera focada no rosto de quem está falando e a fluidez do diálogo passa a sensação daquela conversa estar correndo a três: neto, avô e telespectador. A estrutura do filme colabora para esse sentimento de pessoalidade. Em momento algum Horace Bowers ou Kris Bowers olham diretamente para a câmera, o olhar sempre atento ao ouvinte ajuda a construir a presença de tela e a veracidade do assunto que flui de maneira natural.
O jogo de cenas também é envolvente, passamos por fotos e gravações de momentos importantes da vida de ambos. Os paralelos tornam A Concerto Is a Conversation ainda mais emocionante. O corte de frames do avô na lavanderia onde exerceu seu ofício de prensador para o neto sentado ao piano, o entrelace entre a conversa e o concerto é brilhante, alcançando aquilo que o documentário propõe e já sugere logo em seu título.
Inspirador e bem orquestrado, A Concerto Is a Conversation cresce conforme a canção toca. De maneira íntima, a música ganha histórico familiar e discurso racial, e ricamente se desenvolve em torno de suas peças principais. Os treze minutos são suficientes para nos tornar participantes da conversa e sentir a forte conexão entre Kris e seu avô. Doce e deixando o desejo de ser revisto, o concerto criado é uma belíssima homenagem a Horace Bowers.