Caroline Campos
Pilar nº1: a boa esposa é, antes de tudo, a companheira do marido. Pilar nº 2: uma verdadeira dona de casa deve cumprir suas tarefas cotidianas. Pilar nº 3: ser uma boa dona de casa é saber manter seu orçamento, sempre de olho em uma constante economia. Pilar nº 4: ser dona de casa é ser guardiã da higiene corporal e doméstica de todos na casa. Pilar nº 5: primeira a se levantar, última a se deitar. Pilar nº 6: a boa dona de casa não consome bebida alcoólica. Pilar nº 7: saber que o trabalho representa para o homem, às vezes uma alegria, em geral uma obrigação.
Parece algo saído diretamente do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos de Damares Alves, não é? Na verdade, essa é a base curricular da Escola de Moças Van der Beck, internato no interior da França administrado pelo senhor Robert Van der Beck e sua belíssima esposa, Paulette. De lá, saem apenas jovens moldadas para se tornarem donas de casa esplêndidas e dedicadas exclusivamente à suas famílias; a verdadeira nata da sociedade. Direto da Alsácia para a Cidade Maravilhosa, A Boa Esposa foi o décimo filme exibido no Festival do Rio 2021.
Apesar do roteiro simples e pouco grandioso, o que conquista no longa de Martin Provost é o carisma sem tamanho do elenco de mulheres. Quase como uma versão anos 60 de Moxie, o encontro das jovens com a rebeldia e a liberdade sexual acontece no momento em que a França pega fogo em decorrência dos eventos de 1968. As ruas de Paris estavam inflamadas, e não demora muito para a fumaça invadir os corredores da Escola e contagiar suas alunas. Controladas pelas mão de ferro de Paulette, Marie-Thérese e Gilberte, A Boa Esposa não só sabe que é uma caricatura irreverente de suas personagens como também explora o fator até o limite.
Com uma grande veia cômica saída diretamente dos melhores filmes da Sessão da Tarde – isso é um elogio –, o longa se entrega à própria sátira, batendo na tecla hipócrita da sociedade e firmando suas jovens personagens como filhas de um mundo em constante evolução. No entanto, seja pela falta de tempo ou de interesse do roteiro de Provost e Séverine Werba, os relacionamentos entre as garotas são extremamente mal elaborados, em especial o romance entre Corinne e Albane. Tanto potencial desperdiçado incomoda os mais apegados ao elenco jovem, que é tratado de forma superficial em comparação com as outras tramas.
A vencedora do Oscar Juliette Binoche é a cereja do bolo do filme. Sua Paulette se modifica radicalmente na mesma medida que o país em que habita e, logo, a mulher reprimida e escondida atrás do marido confronta uma nova realidade de autonomia e verdadeiros amores. A trajetória da diretora é a única que realmente recebe algum contorno minimamente interessante, mas, mesmo assim, de nada seria sem o brilho encantador de Binoche. Ao lado da fofíssima Yolande Moreau e de Noémie Lvovsky, é construído um alicerce firme de apoio feminino no plot principal.
Os rumos finais de La Bonne Épouse são, no mínimo, ambíguos. Há quem possa odiar e sentir uma profunda vergonha alheia, mas os mais otimistas talvez encarem como uma finalização lúdica e declaratória – muito divertida e bem coreografada, por sinal. Mesmo que se desconecte dos tons majoritários do filme, fica clara a intenção do epílogo de Provost. Os ventos da liberdade sopram, independente de ordens contrárias. E o futuro está sempre nas mãos da juventude.
Pilar nº1: nem boa nem submissa, a boa esposa é uma mulher livre. Pilar nº 2: a boa esposa controla seu destino. Pilar nº 3: a boa esposa se sustenta. Pilar nº 4: a boa esposa é dona de seu corpo. Pilar nº 5: a boa esposa é igual aos homens. Pilar nª 6: nem agredida nem traída, a boa esposa não é mais uma mulher acabada. Pilar nº 7: eu declaro, hoje, a boa esposa anula e sem futuro. A boa esposa não existe mais. Foi tudo culpa da ruiva!