Mr. Morale & The Big Steppers: Kendrick Lamar renuncia a coroa

Capa do álbum “Mr. Morale & The Big Steppers”, de Kendrick Lamar. Fotografia quadrada e colorida. Nela, vemos Kendrick Lamar com um olhar sério, de costas para a câmera, enquanto segura sua filha no colo. Ele é um homem negro, de cabelos trançados, que veste uma camiseta branca, calças bejes presas por um cinto preto. Ele guarda na cintura uma pistola e, na cabeça, usa uma coroa de espinhos cravejada em diamantes. Sua filha é uma menina negra, de cerca de 5 anos, e veste uma regata branca. Ao fundo, sentada em uma cama, vemos Whitney Alford, sua esposa, amamentando um bebê menor. Ela é uma mulher negra, de cabelos crespos longos, que veste uma regata branca. O cenário é o quarto de uma casa, com paredes da cor marrom, iluminado pela luz do sol.
Toda a divulgação do último álbum de K-Dot foi feita através de um site misterioso sob a alcunha de Oklama, que traduz-se para “meu povo” na língua Chahta Anumpa, usada por nativos americanos (Foto: pgLang/TDE)

Enrico Souto

É possível que um mortal se torne messias? Sendo este o posto dado a Kendrick Lamar pelo hip-hop, a mensagem que fica ao subir no palco do Grammy para receber seu terceiro gramofone de Melhor Álbum de Rap, em Fevereiro de 2023, é que ele é indubitavelmente humano. Depois um longo hiato, em seu quinto projeto de estúdio, Mr. Morale & The Big Steppers, o artista se apossa desse complexo para mergulhar no mais oculto de seus traumas e, assim, celebrar a beleza de suas imperfeições. 

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O rei pálido é o The Office existencialista de David Foster Wallace

Finalista do prêmio Pulitzer, O rei pálido chegou ao Brasil em março de 2022 e foi um dos recebidos do Persona na parceria com a editora (Foto: Companhia das Letras/Arte: Ana Clara Abbate)

Bruno Andrade

“Autor aqui. Ou seja, o autor de verdade, o ser humano vivo que segura o lápis, não alguma persona narrativa abstrata. […] Este aqui sou eu enquanto pessoa real, David Wallace, quarenta anos, RG 975-04-2012, que me dirijo a você da minha casa dedutível em Formulário 8829 no número 725 do Indian Hill Blvd., Claremont 91 711 CA, neste quinto dia da primavera de 2005, para lhe informar o seguinte: Tudo aqui é verdade. Este livro é real de verdade” (pág. 79-80).

O tédio é o pássaro que choca os ovos da experiência”, escreve Walter Benjamin no ensaio O narrador. Mesmo que o tédio ressoe no cotidiano, talvez seja no imprevisível best-seller de Byung-Chul Han que diversas sensações contemporâneas tenham sido melhor delimitadas. Em Sociedade do Cansaço (2010), o filósofo sul-coreano traça um poderoso diagnóstico dos nossos tempos: cada época tem suas “enfermidades fundamentais”; enquanto a passada sofreu com crises biológicas, a atual sofre com adoecimentos neuronais (depressão, síndrome de Burnout, TDAH, etc.). Estamos mentalmente debilitados, quebrados por um excesso de positividade.

A resposta original a essa condição é uma reação existencial, mas não exatamente algo espetacularizado, e sim o silêncio, o ócio, a “capacidade de refletir” em contraste a um mundo que exige discursos infinitos, respostas imediatas e desejos efêmeros. Mas como não confundir reflexão com o tédio? Numa sociedade dominada pela indústria cultural, sentir-se entediado não seria, por si só, uma reivindicação da consciência? Esse é o objeto da tese que David Foster Wallace expõe no inacabado O rei pálido (2011), romance publicado após sua morte.

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