Em High as Hope, Florence traz seus pés de volta ao chão

Jho Brunhara

Revisitar as memórias problemáticas e traumáticas da adolescência não é um trabalho psicológico fácil, mas existem certas feridas que só podem ser curadas através de um coração aberto. Florence Welch está de volta, acompanhada de fantasmas da adolescência e seus sentimentos do agora, amadurecidos e transformados em música. Com um trabalho muito mais curto que os anteriores, a cantora escreve e coproduz as 10 faixas de High as Hope, trazendo elementos sonoros que dialogam com outros momentos de sua carreira.

Em entrevista, Welch afirmou que gosta de pensar no novo material como um Lungs (seu disco de estreia) com dez anos de experiência. Realmente, as faixas orgânicas e os temas familiares reaproximam-se da cantora de 22 anos que compartilhava seus sentimentos e medos com o mundo, de forma despretensiosa à sua fama ainda não existente. Porém, dessa vez toda sua vida é revista pelo olhar de uma mulher de 31 anos que está sóbria e pronta para revelar a sinceridade de sua alma.

(Vincent Haycock)

Perdida no caos de um mundo carente de amor e mergulhada em traumas e problemas familiares, Florence canaliza todos os seus sentimentos e pensamentos para que esteja high as hope  (tão alta quanto a esperança), em um jogo de palavras que usa high como significado de estar chapada.

Desde a adolescência conturbada, Welch enfrentou problemas relacionados ao abuso de álcool e até outras drogas, também citados em faixas como Hunger, South London Forever e Grace. A ideia de uma adolescente inconsequente, sempre necessitando do uso de substâncias para se desconectar com mundo para viver o melhor de sua vida, é exposta e abandonada no processo de amadurecimento do disco.

Em conexão profunda com si mesma, Florence entende que as superficialidades da vida não trazem a felicidade que busca, nem preenchem o vazio deixado pelos seus traumas.

Foram necessários alguns anos para que todos os acontecimentos pudessem ser absorvidos, e agora trabalhados em sua poesia. A cantora revelou que o álbum inicialmente se chamaria The End of Love, que também é título de uma das faixas do álbum. O fim do amor, mas não do sentimento romântico, o fim de um amor carente e destrutivo – como abordado em Big God, uma ode moderna às mensagens lidas e não respondidas, e nas músicas Hunger e Grace.

O amor relacionado a carência vem dos problemas de Florence com sua mãe e sua irmã, devido à fama e ao período de sua vida em que os vícios a consumiam.

Afastando-se da grandiloquência presente em Ceremonials (2011) – trabalho recheado de instrumentais pesados e faixas orquestradas –, dessa vez Welch apresenta um álbum quieto e calmo. Como em No Choir, a felicidade pode ser sutil, e é exatamente essa a intenção presente no disco. High as Hope não se preocupa com a estrutura de versos e refrões da música pop, e é tão livre quanto quem o canta.

E a simplicidade vai além: longe da persona mística criada ao longo dos anos, Florence coloca os pés no chão, despida de seu lirismo metafórico e de uma atmosfera esotérica, e traz músicas extremamente pessoais, cruas e sinceras, sendo impossível compreender a profundidade do álbum ouvindo-o uma única vez. Entendê-lo também é um processo.

Parece estranho, em primeiro momento, ouvir a voz da cantora sem camadas de reverb, harpas, orquestras, pianos, produção densa e os fantasmas e demônios que compõem a atmosfera de suas canções mais antigas. No entanto, no momento que se compreende que o trabalho de um artista é o reflexo de sua alma no momento da criação, High as Hope faz completo sentido.

O resultado é o disco mais coeso da britânica, em que se despedaçar é apenas mais uma parte do processo de se encontrar e construir seu entendimento da vida. Sóbria, honesta e extremamente humana, Florence deixa que se apresente a mulher por trás do mito, e a realidade se mostra tão poderosa quanto a fantasia.

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