Guilherme Hansen
Uma jovem canadense de apenas 21 anos, até então com apenas dois discos pop de pouca repercussão, lança um CD de rock alternativo sem muitas expectativas. Os produtores não esperavam vendas superiores a 250 mil cópias. No entanto, o álbum em questão estoura e vende mais de 28 milhões de exemplares em três anos.
O disco em questão é o aclamadíssimo Jagged Little Pill e a cantora em questão é Alanis Morissette. Segundo a crítica, guardadas as devidas proporções, na sua estreia ela alcançou o mesmo patamar que Michael Jackson em Thriller e Madonna em Like a Prayer ou Ray of Light. Apesar disso, a pressão de público e crítica era para que a cantora fizesse uma espécie de parte 2 de sua obra-prima. Sim, ela poderia ter feito isso. Porém, Alanis, geminiana que só ela, decidiu ir a um caminho musical oposto, mas nem por isso menos atraente. É neste contexto que nasce seu segundo disco, Supposed Former Infatuation Junkie, lançado em 3 de novembro de 1998.
Antes de mais nada, é necessário ressaltar que Junkie não é um daqueles álbuns que você simpatiza de cara, ainda mais se tiver sido habituado ao som pesado e muito inspirado no estilo grunge do início dos anos 90 no qual JLP bebe muito da fonte. O álbum não tem a intenção de ser comercial. Várias canções sequer têm refrões e algumas não têm as famosas rimas para apontar métrica. É necessário entender a vida pessoal de Alanis no período e o contexto para sons e letras mais intimistas, expondo alguns de seus traumas pessoais.
Após o lançamento de JLP, Alanis, inebriada com tamanho sucesso, isolou-se na Índia por um mês e cogitou nunca mais compor novamente. Decidiu que sim, e Junkie também é um resultado de seu retiro espiritual no país. Algumas canções têm melodias com elementos orientais e sonoridade menos pesada, com mais presença de instrumentos como o baixo, a percussão e a flauta. Outras têm uma roupagem pop com conotação espiritual. “Thank U”, primeiro single do disco, é um exemplo deste caso. O refrão é composto por vários “obrigados”: à Índia, à fragilidade, à desilusão e até mesmo ao nada. Alanis estava mais serena e mostra isso no clipe, em que aparece nua (bem antes de Miley Cyrus, amigos), provavelmente como um símbolo do sofrimento desnecessário do qual sentia haver se despido.
Outra música em referência ao momento é “Baba”. Com versos do tipo “Eu os vi desistindo das drogas em troca de altares improvisados”, a música fala de um eu-lírico que está “em busca de seu nirvana”, ou seja, da libertação do sofrimento segundo a filosofia budista, e que questiona ao seu guru o tempo necessário até atingir essa elevação interior. A canção é uma das poucas do CD que lembram a sonoridade pesada de Jagged Little Pill, e, com o refrão, torna-se penetrante.
Apesar da vibe bem religiosa, Junkie também possui músicas confessionais e/ou existencialistas que marcaram o repertório do disco anterior. Uma das principais neste grupo é “The Couch”. Basicamente, a letra aborda a ausência do pai na vida da filha e as sequelas emocionais de tal fato para ambos a partir de um um eu-lírico que, apesar de estar em terceira pessoa, é onisciente. Enquanto a garota “é muito hipersensitiva e não sabe o porquê de não confiar em ninguém além de nós”, o pai é um sujeito que oculta sua fragilidade por meio da positividade declaratória – de acordo com a teoria freudiana – em versos como “eu me sinto bem que nós não tenhamos nascido tão cientes quanto você” –, mas que versos depois assume suas dificuldades emocionais – “você imagina que eu lhe pago 75 dólares por hora?”. Como o próprio nome diz, o sofá pode ser tanto um móvel comum quanto a representação do divã no qual os personagens confessam seus traumas mal resolvidos.
De toda essa seleção, uma das mais destacáveis sem dúvida é “Unsent”. A música é uma espécie de carta aberta de Alanis a seus ex-namorados. Segundo consta, ela ligou para cada um deles, inclusive o de “You Oughta Know” (entendedores entenderão), pedindo autorização para falar sobre eles na música. E a letra é uma (senão a mais) das mais sinceras de toda a discografia de Alanis. Ao longo de seus quatro minutos, ela discorre sobre como ainda tem interesse – afetivo ou não – por alguns, como outros lhe fizeram bem emocionalmente ou eram egocêntricos e a enganavam e até mesmo a incentivaram a pensar diferente, como na famosa espiritualidade. Enfim, ela abre seu coração e diz como alguns não fazem falta, enquanto outros ela gostaria de ter passado mais tempo junto. Acompanhado de uma melodia simples, só com violão, a música fica mais romântica e aí é fácil de esquecer que se trata de uma recordação. Aliás, uma das grandes artes de Alanis Morissette é transitar entre o agressivo e o meigo de maneira eficiente. Ao ouvir canções como a supracitada e “Head Over Feet”, single de JLP, fica fácil esquecer a veia pessoal que ela carrega nas suas canções.
Alanis, sem dúvida, foi muito ousada na sonoridade e letras de seu segundo álbum. Mas é claro que isso lhe custou caro. O CD vendeu 8 milhões de cópias, nem a metade de JLP, até o lançamento de seu sucessor. Em entrevistas, a própria Alanis diz que o álbum foi seu o disco “foda-se”, pois, ela parou pela primeira vez para entender o que estava sentindo.
Para ela, o mais importante é dizer abertamente o que se sente como válvula de escape e, principalmente, libertação. De acordo com a própria, “houve alguma dor na mudança do estilo de vida, mas isso foi principalmente um alívio”. Com essa mudança exposta em Supposed Former Infatuation Junkie, também musical, ela perdeu fãs e hoje não é tão relevante quanto foi no passado. Porém, sua contribuição à música é atemporal e disso não se pode ter dúvida.
Esse disco é maravilhoso, o melhor dela de longe e o mais diferente na discografia
Vdd, Carol. Tipo, não é o meu favorito, mas, sem dúvida, é o mais ousado.
Lindo! É o meu preferido dela. E preferido sobre todos os álbuns.
Esse álbum é incrível, Blessed. O meu favorito da Alanis particularmente é o Under rug swept (ao contrário de muitos, não é JLP), mas Junkie tem um lugar especial no meu coração.